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CAPÍTULO II – O processo de ensino e de aprendizagem da Geometria no 1º Ciclo do Ensino Básico numa

GRANDEZAS E MEDIDAS Estimativa de valores de

3. O Cabri-Géomètre e o processo de ensino e de aprendizagem da geometria no 1º Ciclo do Ensino Básico

3.1. Retrospectiva histórica: do instrucionismo ao construcionismo

3.1.2. O signo do construcionismo O tipo de ensino baseado nos pressupostos de Skinner,

aliás facilitado pelos avanços tecnológicos, tiveram uma utilização crescente nas décadas de 50 e 60 mas viriam a ser vítimas de ondas de contestação por parte de alguns investigadores dos quais se viria a destacar Papert, amigo e admirador da obra de Piaget. Argumentando que: a) estas perspectivas de utilização eram muito limitadas sob o ponto de vista dos objectivos educacionais e muito discutíveis do ponto de vista dos processos de aprendizagem (Ponte, 2000b); b) pressupõem a possibilidade de prescindir do professor e da interacção social na sala de aula e c) desvalorizam as interacções sociais no processo de ensino e aprendizagem, propõe uma nova perspectiva de utilização do computador,

encarando-o como uma ferramenta e enquadrando-o numa lógica de trabalho de projecto, possibilitando um claro protagonismo do aluno na aprendizagem (Ponte, 1988).

Papert protagonizou, nesse processo, um papel fundamental. Na sua opinião, o computador não podia ser considerado “como um substituto do professor ou da actividade laboratorial” (Papert, 1985: 14). Este investigador não acredita que possa ocorrer aprendizagem numa abordagem puramente skinneriana, argumentando que nem todo o conhecimento é inteiramente redutível a palavras nem verificável. O conhecimento não é construído pela sobreposição e justaposição de tijolos como se de uma parede se tratasse nem o computador pode ser encarado como uma máquina que os fornece em doses e tamanhos adequados à capacidade individual de cada aluno (Valente, 2004). Aprender é, na opinião de Papert (1985), “fazer avançar as fronteiras daquilo que podemos exprimir por palavras” (63), atribuindo uma maior importância aos processos envolvidos na aprendizagem e uma consequente desvalorização do comportamento final.

Papert (1985) defende, ainda, a ideia de que não existe conhecimento certo ou errado em absoluto:

Não existe conhecimento certo ou errado em absoluto. Todo o conhecimento, por mais rudimentar que seja, pode ser melhorado por um processo de aproximações sucessivas, por identificação e eliminação das respectivas «gralhas» (bugs). (82)

O processo de identificação e eliminação dessas ‘imperfeições’ é designado por Papert (1985) de ‘debugging’. Esta forma de encarar o conhecimento e a maneira como se constrói a aprendizagem leva Papert a não concordar com o modelo vigente de utilização do computador, ou seja, como ‘máquina para ensinar’ mas como ‘máquina a ensinar’ (o computador como aprendiz). Referindo Papert (1986), Valente (2004) afirma:

Com o objectivo de evitar essa noção errónea sobre o uso do computador na educação [máquina para ensinar], Papert denominou de construcionista a abordagem pela qual o aprendiz constrói, por intermédio do computador, o seu próprio conhecimento. Ele usou esse termo para mostrar um outro nível de construção do conhecimento: a construção do conhecimento que acontece quando o aluno constrói um objecto de seu interesse, como uma obra de arte, um relato de experiência ou um programa de computador. (disponível a 5/4/2004 em http://www.comp.ufla.br/ ~lcorreia/ied/instrXconstr.doc)

Papert (1996), a propósito da “solução construcionista” (103), coloca uma questão relacionada com as aprendizagens realizadas pelas crianças durante os primeiros anos de

vida e que, segundo o autor, ocorrem “sem que ninguém «corrija o miúdo» ou lhe «apresente as explicações reais»” (103). A explicação é, na sua opinião, “óbvia”:

Isso acontece porque a aprendizagem é orientada pela acção e o retorno não é obtido a partir do «sim» ou do «não» da autoridade de um adulto, mas a partir da reacção e da orientação provenientes da própria realidade. Há tentativas que não produzem o resultado desejado, outras provocam resultados surpreendentes e a criança acaba por aprender que não basta desejar que algo aconteça. Deve- se actuar de modo apropriado e «apropriado» quer dizer fundamentado na compreensão. (103)

Não quer isto dizer, ainda segundo o mesmo autor, que estas aprendizagens acontecem sem os adultos ou sem a existência de um mundo feito por adultos, bem pelo contrário. O que isto quer dizer é que se deve evitar “passar mais tempo a dizer aos miúdos o que pensamos que eles devem fazer” (104) – tal como acontecia com o ‘instrucionismo’ – e enriquecer o meio envolvente dos alunos disponibilizando-lhes novos tipos de materiais, a partir dos quais pode ser realizada alguma coisa (Papert, 1996). Para isso não é, na opinião do mesmo autor, “obrigatório esperarmos pelo computador para termos um conjunto de materiais de construção, mas tivemos de esperar por ele para termos um conjunto «inesgotável» de construção”. (105)

Nesse aspecto, o ‘construcionismo’ é, como dizem Forrester e Jantzie (2004) e Weis e Cruz (2004) “uma reconstrução teórica a partir do construtivismo piagetiano” (disponível a 5/4/2004 em www.edacom.com.br/midia/noticia.asp?=4). Mas, enquanto que para Fontes (2003, referido por Fontes, 2004) a diferença fundamental entre o construtivismo piagetiano e o construcionismo de Papert “é a presença do computador – o facto de o aprendiz estar construindo algo usando o computador (computador como máquina para ser ensinada)” (disponível a 5/4/2004 em http://www.comp.ufla.br/~lcorreia /ied/instrXconstr.doc), para Forrester e Jantzie (2004) existe um outro aspecto que deve ser considerado fundamental e que é a motivação que o computador representa.

A ideia de envolvimento afectivo dos alunos em trabalhos de projecto onde o computador é considerado um instrumento de mediação é, de resto, uma ideia que transparece, por exemplo, quando Papert e Caperton (2004) apresentam a sua ideia sobre o que consideram ser a Escola:

A Escola é um lugar onde os alunos aprendem, sobretudo, trabalhando em projectos que decorrem do seu próprio interesse – as suas imagens (visions) de um local onde gostem de estar, uma coisa que queiram fazer ou um assunto que queiram explorar. Os contributos da tecnologia consistem no facto de que

tornaram possível a realização de projectos simultaneamente difíceis e motivantes.

[A Escola] é um lugar onde os professores não fornecem informação. Os professores ajudam os estudantes a encontrar informação. […] Estão sempre a aprender em conjunto. Os professores trazem experiência (wisdom), perspectivas e maturidade para a aprendizagem. Os alunos trazem novidade e entusiasmo. A todo o momento se criam novas ideias e se constróem as novas capacidades (skills) necessárias para o desenvolvimento dos seus projectos. Alguma coisa do que se aprende pertence às disciplinas escolares como sempre foi reconhecido: ler, escrever, matemática, ciência, história. Outras coisas pertencem a novas disciplinas ou atravessam todas as disciplinas. (Papert & Caperton, 2004, disponível a 5/4/2004 em http://www.papert.org/articles/Vision_for_educa tion.html)

A utilização do computador como ferramenta ou um recurso disponível para alunos e professores, permitindo “a investigação de modelos num dado domínio diferente do deles e, assim, examinar consequências e conflitos” (Ponte, 1986: 88) incorpora, pois, as ideias de Papert quando este defende que o que é bom para os adultos é bom para as crianças (Papert, 1985) e corresponde a uma perspectiva de utilização do computador muito mais promissora, o computador como ferramenta de trabalho (Ponte 2000b). Esta tendência é, de resto, uma das tendências (ainda) prevalecentes, nos dias de hoje.

A perspectiva, segundo a qual, se encara o computador como ‘máquina a ensinar’, corresponde, assim, a uma perspectiva caracterizada por uma conjuntura de reacção relativamente à perspectiva que correspondia a encará-lo como ‘máquina para ensinar’. Esta forma de encarar o computador transfere a ênfase para o aluno encarando-o como mais ‘inteligente’ do que a máquina.

Como dizem Papert e Caperton (2004), “a tecnologia não trabalha, a tecnologia não faz nada. As pessoas sim.” (disponível a 5/4/2004 em http://www.papert.org/articles/ SituatingConstructionism.html). O verdadeiro poder do computador reside no facto de constituir um meio por excelência no processo educativo, ou seja, “facilita e expande a habilidade natural das crianças e proporciona oportunidades de construção, formulação de hipóteses, exploração, experimentação, avaliação e conclusão, em suma, aprender tudo por si próprias” (Entrevista concedida por Papert a Dan Schwartz em 1999, disponível a 4/5/2004 em http://www.papert.org/articles/GhostInTheMachine.html) e proporciona uma grande variedade de excelentes contextos para uma aprendizagem baseada no construcionismo (Papert & Harel, 2004, disponível a 5/4/2004 em http://www.papert.org /articles/SituatingConstructionism.html).

Ackermann (2004) (disponível a 22/09/2004 em http://learning.media.mit.edu/publi cations.html), procurando identificar as diferenças entre o ‘construtivismo’ de Piaget e o ‘construcionismo’ de Papert, escreve que não se trata de mero jogo de palavras mas que a diferença existe de facto:

O construtivismo de Piaget explica no que é que as crianças estão interessadas e são capazes de conseguir em diferentes estágios do seu desenvolvimento. A teoria descreve como as maneiras de fazer e de pensar das crianças evoluem no tempo […]. Piaget sugere que as crianças não têm razões suficientemente fortes para abandonar as suas formas de encarar o mundo (worldviews) apenas porque alguém, que pode ser um perito, lhes diz os erros que cometem. O construcionismo de Papert, pelo contrário, centra-se mais na arte da aprendizagem, ou no significado de fazer coisas na aprendizagem. Papert está interessado no modo como os aprendizes se envolvem num diálogo com os seus próprios artefactos (ou de outras pessoas) e como o impulso destas conversações facilita a construção de conhecimento novo. Realça a importância das ferramentas, dos meios, e do contexto no desenvolvimento humano. Ackermann (2004) (disponível a 22/09/2004 em http://learning.media.mit.edu/ publications.html)

De acordo com Ackermann (2004), para Papert fazer projectos e expressar ideias torna-os tangíveis e partilháveis, o que constitui uma chave para a aprendizagem que, por sua vez, vai fornecer feedback para a formulação de novas ideias. Trata-se de “um ciclo auto-dirigido (self-directed), um processo interactivo de aprendizagem, pelo qual os aprendizes inventam, para si próprios, as ferramentas e os meios (tools and mediations) que melhor servem os seus fins” (disponível a 22/09/2004 em http://learning.media.mit. edu/publications.html). Esta afirmação vem de encontro à ideia de Papert (que já foi apresentada) quando reconhecia que o conhecimento nem sempre era inteiramente redutível a palavras.

Reforçando a mesma ideia, Sipitakiat e Cavallo (2004) referem que, de acordo com o construcionismo, a actividade dos alunos deve girar em torno de projectos e que a tecnologia digital é a principal ferramenta (primary tool) utilizada para construir artefactos. Referindo Papert (1993), argumentam que estas actividades promovem processos de exteriorização e re-interiorização das ideias dos aprendizes e que esta é baseada na sua interacção com os objectos físicos e o ambiente. De acordo com os mesmos investigadores, já está provado que “a exteriorização de ideias é um processo preferível num ambiente que promova a imaginação e a criatividade dos aprendizes”. (Sipitakiat & Cavallo, 2004, disponível a 23/09/2004 em http://learning. media.mit.edu/publications.html)

De acordo com o construcionismo, as actividades de aprendizagem devem assumir, pois, características de projectos, estar relacionados com o aprendiz e na observância do seu contexto social e cultural.

A presença da tecnologia nas sociedades, apesar de ser, frequentemente, encarada como neutra e limitada, já faz parte integrante das mesmas. Dado que uma ferramenta, quando é trazida para uma comunidade, significa que existem actividades que serão definidas para a utilizar e que, por um lado, essas actividades têm impacto no sistema de representações dessa comunidade e, por outro lado, potencial para mudar a forma pessoal de ver o mundo, o acesso a essas ferramentas não se pode reduzir a usos limitados. Como dizem Resnick e Rusk (1996 – citados por Pinkett, 2002), “o acesso não é suficiente” (24) pelo que, à luz do instrucionismo, se torna indispensável ponderar utilizações mais úteis do ponto de vista educativo dessas ferramentas, entre as quais se destaca o computador, tão valorizado por Papert.

Numa videoconferência realizada por Papert nos anos 80 dirigida a educadores japoneses, (transcrição disponível a 23/09/2004 em http://www.papert.org/articles/const_ inst/const_ins1.html), questionando o que faziam, realmente, as crianças na Escola com a matemática, afirmava que, comparado com os engenheiros que a usavam para construir pontes ou máquinas ou os cientistas para construir teorias ou, ainda, os bancários para ‘fazer’ dinheiro, as crianças faziam muito pouco porque se limitavam a sentar-se na sala de aula e a escrever números numa folha de papel. Ou seja, na sua opinião, aquilo que as crianças faziam não era nem utilizável de imediato, não fazia sentido e, muito menos, era agradável ou tinha qualquer relação com os interesses e necessidades das crianças. Da mesma forma que Papert defende uma utilização criativa da matemática também Papert defende uma utilização criativa do computador tornando-o, como ele refere, ‘invisível’ no processo de construção do conhecimento. É precisamente no sentido de tornar o computador pouco ‘visível’ que Papert distingue ‘Construtivismo’ vs ‘Instrucionismo’29:

Todo o meu trabalho está orientado para a ajudar as crianças a aprender (itálico no original), não simplesmente no ensino. Agora criei uma frase para isso: O construcionismo e o Instrucionismo são nomes para duas abordagens à inovação educacional. O Instrucionismo é a teoria que diz: “Para se ter melhor educação deve-se aperfeiçoar a instrução (instruction). E se formos utilizar computadores utilizamo-los para dar instrução”, o que nos conduz à ideia de instrução assistida por computador. Bem, ensinar é importante mas aprender é

29

muito mais importante (itálico no original). O construcionismo significa: “Dar às crianças coisas boas para fazer (itálico no original) de forma a que possam aprender fazendo melhor do que antes”. Ora, eu penso que as novas tecnologias são muito muito ricas em proporcionar novas coisas que as criança possam fazer por forma a que, aprender matemática, se torne parte do mundo real. (Disponível a 23/09/2004 em http://www.papert.org/articles/const_ inst/const_ ins1.html)