• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: CONFIGURAÇÕES DA FLEXIBILIZAÇÃO DA

2.1 A especificidade da regulação do trabalho no Brasil

A evolução da jornada somente pode ser compreendida no contexto de formação do mercado de trabalho. Resultantes do excedente estrutural de força de trabalho, as características do mercado de trabalho brasileiro são desfavoráveis aos trabalhadores pois permitem aos empregadores manejar a jornada de acordo com as suas necessidades. Dessa forma, no Brasil não se constituiu um padrão de regulação do trabalho, similar aos países centrais debatidos no capítulo anterior. Apesar da expansão do assalariamento e da ampla legislação trabalhista, o mercado de trabalho no país caracteriza-se por ser flexível ao permitir que os elementos centrais da relação de emprego flutuem, de acordo com o nível de atividade e com as necessidades de uso do trabalho por parte das empresas.

A constituição do mercado de trabalho no Brasil se deu a partir da transição do trabalho compulsório ao trabalho livre; mas foi apenas a partir da abolição da escravatura, no entanto, que a possibilidade de formação de um mercado de trabalho se concretizou no Brasil. (BARBOSA, 2008)

(...) as relações de trabalho no Brasil têm sua origem histórica coincidente com a abolição da escravidão ocorrida em 1888, pela Lei Áurea, reconhecida como a primeira grande lei social pátria. A partir dessa data, Estado, empregadores e trabalhadores livres passaram a conviver e a se relacionar no plano econômico nacional. É certo que durante muito tempo o Estado brasileiro agiu sob os influxos do pensamento liberal triunfante, omitindo-se na regulação pública do mercado de trabalho. Porém, tal comportamento omissivo não deixou de significar uma forma da ação estatal, configurada a partir dos arranjos sociais e políticos da época. (FERREIRA, 2004)

Apesar da atuação liberal do Estado brasileiro, refletida na ausência de regulamentação das relações de trabalho, o governo interferiu sobremaneira no mercado de trabalho ao promover três ciclos de imigração de trabalhadores europeus distribuídos entre 1880 e 1928, o que expandiu rapidamente a oferta de trabalho no país, barateando seu custo.

Na transição do trabalho escravo para o assalariado, na produção para exportação, optou-se por atrair população de outros países ao invés de procurar facilitar a absorção da população dispersa pelo território nacional, dedicada a atividades de subsistência. Isso sugere a dificuldade de constituir o mercado de trabalho assalariado a partir da absorção de uma população dispersa. Por outro lado, a limitação da acumulação de capital, própria da periferia, fazia com que o crescimento do produto não gerasse postos de trabalho em quantidade suficiente para absorver toda a população, reproduzindo-se o setor tradicional de subsistência com uma magnitude não desprezível em termos de população, parcial ou totalmente marginalizada das atividades principais da economia periférica. Essa população ainda que excedente e vivendo em condições precárias, não impediu que sua existência e reprodução contribuíssem para manter deprimido o poder de compra dos salários. Finalmente, nunca houve uma preocupação explícita do poder público em atuar no sentido de facilitar a elevação do nível de vida da população, cujas reivindicações eram tratadas como caso de polícia, dificultando-se a organização dos trabalhadores envolvidos no desenvolvimento das atividades da economia. (BALTAR, 2003, p. 31)

Assim, surgiram diferentes segmentos de trabalhadores, definidos por critérios raciais e sociais pelo lado da demanda, permeados por relações não capitalistas ou semi-capitalistas. As “populações dispersas” nas palavras de Baltar, não foram demandadas pelo capital, permanecendo no campo em situação muito precária, trabalhando em atividades de subsistência, sem acesso à terra. Os ex-escravos, mulatos e brasileiros pobres tornaram-se “camaradas” que trabalhavam em turmas e recebiam dos fazendeiros comida, alojamento e alguma remuneração em espécie. Os imigrantes, recém-chegados da Europa, eram contratados em regime de colonato: eram trabalhadores livres mas dependiam do proprietário de terras para obter sua sobrevivência. Existiam ainda os trabalhadores avulsos, chamados de jornaleiros, que eram mais livres que ‘camaradas’ e colonos no sentido negativo da palavra, eram contratados apenas eventualmente, em períodos de maior demanda ou para sanar alguma necessidade específica. (BALTAR, 2003) (BARBOSA, 2008)

Até 1930 a alta demanda internacional por café, principal produto de exportação do Brasil no período, permitiu o acúmulo de capital e a formação de infraestrutura, tais como ferrovias e portos, bem como a urbanização da cidade de São

Paulo, propiciando as bases para a formação da indústria no país. No entanto, apesar de facilitar o desenvolvimento do mercado doméstico, as exportações condicionaram o capitalismo brasileiro, definindo-o como um capitalismo periférico, dependente, focado na produção de bens primários (de baixo valor agregado), consequentemente com baixa acumulação de capital e tecnologia e com conformações negativas no que se refere ao mercado de trabalho, como a baixa remuneração. (BALTAR, 2003). Assim, desde o início prevalecem a heterogeneidade e oexcedente estrutural de força de trabalho, que ajudam a explicar algumas especificidades do mercado de trabalho no país que permeiam o mercado de trabalho brasileiro até os dias atuais, tais como os baixos salários, a alta rotatividade e a flexibilidade e a informalidade.

A industrialização se inicia no Brasil partir do século XX, centrada em São Paulo, contando com recursos e estrutura advindos da agricultura cafeeira. Com ela, se inicia a formação do proletariado industrial da mesma forma como ocorreu no campo, uma vez que o proletariado paulistano também se organizou em vários níveis de estratificação social. No topo, a minoria de brasileiros e imigrantes que pertenciam à classe de capitalistas industriais, comerciantes, banqueiros ou ao alto funcionalismo público. Abaixo destes, a burocracia privada e pública e os profissionais liberais, depois os assalariados, os autônomos regulares e por fim autônomos irregulares, trabalhadores domésticos, sem trabalho definido e desempregados. (BARBOSA, 2008).

O desenvolvimento de uma mão de obra assalariada gerou demanda, ainda que limitada, e fomentou a indústria e o comércio voltados para o mercado doméstico. No entanto, o consumo permitido pelo baixo salário dos trabalhadores não foi suficiente para garantir um mercado interno mais vigoroso A economia continuou a depender fortemente das exportações.

A crise de econômica de 1929, combinada com a crise de hegemonia e da ordem liberal no mundo, redirecionou o rumo da sociedade e do desenvolvimento econômico brasileiro, ao promover o processo de industrialização e constituir a ossatura do Estado Brasileiro (DRAIBE, 1986). O Estado se afasta do viés liberal e subordinado aos interesses internacionais por um modelo mais desenvolvimentista e passa a promover, ainda que de forma indireta, a industrialização no Brasil. O excedente advindo da exportação de café passa a ser investido na indústria, na produção de bens de consumo intermediários e finais voltados para o mercado interno, o que permite um salto na acumulação de capital. A atuação do Estado garante investimentos substanciais de longo

prazo que aumentam a capacidade produtiva do país e que absorvem um contingente significativo de mão de obra. (BALTAR, 2003)

A industrialização favoreceu a constituição do proletariado e o movimento trabalhista no Brasil, a nacionalização da mão de obra, a regulação do mercado de trabalho, com forte presença do Estado atuando no intuito de promover as bases sociais para a indústria nascente, especialmente com a criação da CLT, em 1943, que reúne em um só documento a legislação trabalhista, até então dispersa.

No período seguinte, de 1945 a 1964, após o fim da ditadura Vargas, os governos nacionais desenvolvimentistas promoveram uma segunda onda de industrialização no Brasil. Baseado no capital estrangeiro, com foco na indústria de bens intermediários, de consumo durável e alguns bens de capital. O crescimento industrial ampliou o mercado de trabalho e solidificou os sindicatos.

O papel do Estado foi fundamental na promoção do crescimento por meio do incentivo à empresa privada e da criação de empresas públicas e órgãos de desenvolvimento regional que investiram em áreas estruturais, de retorno de longo prazo e, portanto, desinteressantes ao capital privado, mas extremamente necessárias às outras indústrias que se formavam. As empresas estatais criadas no período também fortaleceram o mercado de trabalho.

No decorrer dos anos 50 e início da década de 60, dentro do projeto do nacional-desenvolvimentismo, com a discussão sobre crescimento econômico, distribuição de renda e reformas de base, houve a emergência do movimento sindical como agente político na sociedade. Os trabalhadores, de forma peculiar, começavam a participar do jogo político; por um lado, pressionando na perspectiva de efetivar a regulação legal vigente e, por outro, participando de um movimento mais geral para garantir o desenvolvimento com distribuição de renda e a incorporação das questões sociais na agenda nacional. (KREIN, 2007, p. 24)

O plano de metas implementado pelo presidente Juscelino Kubitschek trouxe para o país várias empresas estrangeiras, em especial a indústria automobilística, que empregou um número considerável de trabalhadores agrupados em um mesmo ambiente de trabalho, facilitando o fortalecimento dos sindicatos.

Com bases mais estabelecidas e acompanhando a tendência internacional, as décadas de 1960 e 1970 foram caracterizadas por um forte crescimento econômico, que promoveu o aumento do trabalho assalariado, mobilidade social ascendente e maior estruturação do mercado de trabalho. A luta em torno da efetivação das leis trabalhistas da CLT permeou esses anos de crescimento. No entanto, a fase de estruturação e

regulação do mercado de trabalho com ascendência do poder dos sindicatos foi interrompida abruptamente com o golpe de 1964. A ditadura militar “ (1) reprimiu e controlou a atividade sindical; (2) retirou a autonomia da Justiça do Trabalho; (3) controlou os salários, subordinando-os à política econômica; e (4) promoveu reformas que flexibilizaram o mercado de trabalho. ” (KREIN, 2007, p. 24)

Ademais, nesse período a migração do campo para cidade causada pela inexistência da reforma agrária se intensifica e uma ampla força de trabalho disponível se sujeita a baixos salários e à informalidade, reforçando essas características no mercado de trabalho brasileiro. (BALTAR, 2003; KREIN, 2015 )

O movimento sindical brasileiro se retrai após o golpe, voltando a atuar mais efetivamente na década de 1970 na luta pela recomposição salarial. O movimento sindical intensificou os questionamentos à ordem vigente, em especial ao arrocho salarial e começou a defender a liberdade autonomia sindical e a negociação coletiva. A partir do final dos anos 1970, as greves eclodiram e fortaleceram os sindicatos, que se tornaram uma força social e política a partir de então.

Nos anos 1980, as condições da economia brasileira não foram favoráveis aos trabalhadores. A recessão econômica, o desemprego, a crise do endividamento externo, o aumento da taxa de juros e a alta inflação criaram dificuldades para redirecionamento do desenvolvimento do país, com agravamento da questão social.

O movimento sindical emerge na luta pela recomposição salarial e melhoria das condições de trabalho. Contexto em que os sindicatos ampliaram os espaços de negociação, inclusive incorporando a bandeira da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Em várias categorias, houve a conquista de redução da jornada para 44 horas, tais nos setores metalúrgicos e químicos (KREIN, 2013).

Neste momento de ascensão do sindicalismo, a Constituição de 1988, reflexo da correlação de poderes no período, amplia os direitos sociais coletivos e a regulação do trabalho, como a redução da jornada para 44 horas, a redução da jornada em turno ininterrupto de revezamento para seis horas diárias salvo negociação coletiva, o pagamento de 1/3 sobre as férias, a licença paternidade, entre outros.

Na passagem de Dal Rosso, (2006, p. 32) pode ser observada a existência de uma correlação de forças favorável aos movimentos sociais indicada pelo êxito que a greve dos metalúrgicos teve no processo de redução da jornada de trabalho. Por outro lado, o autor também relata que apesar do relativo poder de negociação dos trabalhadores no período, o caráter flexível da regulação de trabalho no Brasil foi mantido, o que fica

claro, pois apesar de reduzir a jornada, a nova constituição mantém a permissividade em relação às horas extras, neutralizando significativamente o efeito da redução.

Um segundo ciclo de redução da jornada de trabalho no Brasil é aberto pela exitosa greve dos metalúrgicos do ABC paulista de 1985 e concluído pela generalização a todos/as os/as trabalhadores/as da redução da jornada de trabalho de 48 semanais para 44 horas promovida pela Constituição de 1988. O efeito dessa redução da jornada de trabalho pela força da lei foi em grande medida frustrado pela continuidade da prática das horas extras como atividade normal, tendo-se verificado um salto substantivo no número de pessoas que passaram a realizar trabalho extraordinário imediatamente após a promulgação da Constituição. (DAL ROSSO, 2006, p. 32)

Os avanços sociais da constituição de 1988 entraram em choque com uma nova onda liberal conservadora inaugurada com a vitória de Fernando Collor de Mello nas eleições em 1989. A pauta de regulação e maior proteção do trabalho é suprimida pela agenda de flexibilização, seguindo os moldes dos países desenvolvidos.

Com a abertura econômica e financeira e o real valorizado, as empresas nacionais ficaram expostas a um grau de concorrência desleal. Para sobreviver, realizaram o processo de reestruturação produtiva, pelo qual as empresas dos países desenvolvidos haviam passado nos anos 1980. A reestruturação produtiva implicou em uma maior intensificação e precarização do trabalho. Com objetivo de reduzir custos e aumentar suas “vantagens competitivas”, as empresas impuseram aos trabalhadores formas de jornada, contratação e remuneração variáveis, como por exemplo: o banco de horas, a PLR, os contratos temporários, por tempo determinado e parciais.

Essas formas de flexibilização foram estimuladas por mudanças legais pontuais, em processo promovido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. As que tangem a jornada de trabalho serão discutidas mais à frente. Cabe destacar aqui uma das principais tentativas de precarizar e flexibilizar ainda mais as relações de trabalho no Brasil.

Uma das primeiras medidas do novo governo, vinculada ao Plano Real de estabilidade econômica, foi a proibição de negociações coletivas que previssem mecanismos de correção salarial automática, com base em índices de preço, ou que concedessem aumentos de produtividade desvinculados de parâmetros objetivos, em qualquer hipótese, com deduções de eventuais aumentos concedidos anteriormente à data-base. (FERREIRA, 2004, p. 88)

Com tal medida, o governo restringe o alcance das negociações coletivas em um ponto nas quais as negociações vinham tendo sucesso e, por outro lado, procura

reduzir a importância da legislação trabalhista e permitir a sobreposição do negociado sobre o legislado.

O governo propôs a alteração do artigo 618 da CLT, para que o “negociado” prevalecesse sobre o “legislado” na esperança de que o exercício dos direitos sociais insculpidos no artigo 7º da Constituição Federal e daqueles direitos trabalhistas regulados pela CLT pudesse ser amplamente flexibilizado pelas negociações coletivas de trabalho. (FERREIRA, 2004, p. 89)

A tentativa de flexibilizar as relações de trabalho fazendo com que a negociação coletiva pudesse reduzir os direitos trabalhistas foi atingida em parte. Dois projetos centrais do executivo não foram aprovados: prevalência do negociado sobre o legislado e a liberalização da terceirização. Assim, a reforma imposta pelo governo FHC afeta os pontos centrais da relação de emprego, mas não suplantou todo o arcabouço da regulamentação do trabalho no Brasil36.

O cenário de baixo crescimento econômico, reestruturação produtiva e hegemonia neoliberal aprofundou a deterioração das condições de trabalho e da remuneração, assim como as mudanças na composição do emprego (elevação da terceirização, conta própria e explosão da informalidade) e nas relações de trabalho nos anos 1990. (BALTAR, 2003).

A partir de 2004, a economia brasileira volta a crescer a partir do boom de commodities, aproveitamento do mercado internacional favorável, mesmo o Governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva ter mantido, no começo do mandato, a política econômica do antecessor. No primeiro mandato, de 2003 a 2006, a política econômica segue o tripé macroeconômico, já no segundo, de 2007 a 2010, principalmente em resposta a crise de 2008, algumas medidas anticíclicas de viés keynesiano são aplicadas, como por exemplo o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Ainda no primeiro mandato, Lula passou a manejar um conjunto de programas de redistribuição de renda e de valorização do salário mínimo que tiveram impacto positivo para os trabalhadores e para a economia no geral. Ou seja, segundo Baltar e Leone (2015), aproveitando o contexto internacional favorável, promoveu uma política de crescimento com inclusão social.

36 A Reforma Trabalhista (LEI 13.467/2017 (LEI ORDINÁRIA) 13/07/2017) aprovada após o deposito

Entre 2004 e 2008, o PIB aumentou na média 4,6% ao ano (RAO, 2013), após a crise de 2008, o crescimento foi mais instável, e apresentou uma tendência declinante após 2011. Apesar disso, os dados do mercado de trabalho continuam a apresentar melhoras até 2014. Assim, a retomada do crescimento econômico resultou em redução do desemprego, expansão do emprego assalariado formal, sobretudo das mulheres, crescimento do emprego nos setores mais organizados da economia, redução do trabalho assalariado sem registro, do trabalho por conta própria e do trabalho não remunerado, aumento real do salário mínimo e recuperação do valor real dos salários negociados em acordos coletivos, intensificação do combate ao trabalho análogo à escravidão e redução do trabalho infantil. (BALTAR e AL, 2010) No entanto, esse é um período marcado por contradições “por um lado há melhoria dos indicadores do mercado de trabalho e, por outro, persistem e, por vezes, se intensificam certas tendências flexibilizadoras das relações de trabalho” (KREIN e BIAVASCHI, 2016)

Com base no descritivo histórico do período, é possível afirmar que a regulação do trabalho no Brasil não constituiu uma padronização do mercado de trabalho nos moldes europeus.

A extensa legislação trabalhista representada pela CLT e pela constituição de 1988 apresenta algumas peculiaridades. A primeira delas é a seletividade das leis. As leis não são para o conjunto da classe trabalhadora, mas para subgrupos. Para incentivar o processo de industrialização, uma vez que as leis promovidas por Getúlio Vargas visavam regular o mercado de trabalho urbano-fabril. Até os dias atuais, há um conjunto de leis e exceções para os trabalhadores rurais, outro para funcionários públicos. Até 2015, as trabalhadoras domésticas e os trabalhadores domésticos não tinham seus direitos assegurados, como o FGTS e o seguro desemprego. Apesar da regulamentação promovida pelo governo da Presidente Dilma Roussef, a categoria ainda permanece com proteção inferior em relação aos demais trabalhadores.

A segunda característica que marca a regulação do trabalho no Brasil é seu amplo grau de flexibilidade. Alguns exemplos das exceções e acomodações permitidas pela legislação trabalhista são: o alto grau de permissibilidade, no que tange a utilização de horas extras (não há por exemplo uma limitação mensal ou anual para a utilização de horas complementares), a liberdade para demitir (principalmente após a introdução do FGTS, durante a ditadura militar), a possibilidade de contratação de trabalhadores temporários.

O terceiro destes aspectos é a baixa efetividade das leis trabalhistas, provocada de um lado pela baixa fiscalização das normas trabalhistas, resultado do número reduzido de fiscais do trabalho e da falta de representação sindical no local de trabalho e, por outro, pelo baixo custo de descumprir as leis do setor: as empresas sabem que a fiscalização não é adequada e também sabem que se forem autuadas o valor das multas é baixo em comparação ao que poupariam, ou pouparam, assim, “o crime compensa” mais do que cumprir as leis trabalhistas. Ademais, “se criou uma cultura “conciliacionista” nas instituições públicas do trabalho, em que a lógica é realizar acordo e não aplicar as medidas de efetivação da legislação” (KREIN, 2015 ). Esse é mais um traço cultural na regulação do trabalho no país que enfraquece as leis e desestimula as empresas a cumpri-las pois se sabe que o acordo é provável e menos custoso.

Assim, apesar da legislação trabalhista e do crescimento do assalariamento apresentados durante o século XX e o início do século XXI, o mercado de trabalho é bastante flexível (pois contempla muitas exceções) e excludente (já que muitos trabalhadores permanecem à margem, seja pela falta de contratos, seja pelo desemprego).