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CAPÍTULO II: CONFIGURAÇÕES DA FLEXIBILIZAÇÃO DA

2.3 Evolução recente da jornada de trabalho

2.3.2 Negociações coletivas sobre jornada

Estudos sobre a negociações apontam que a jornada de trabalho sofreu alterações substanciais nos anos 1990 (DIEESE, 2005) e que essas alterações não foram revertidas nos anos 2000, apesar da melhora no nível de emprego, formalização do trabalho e da remuneração (KREIN e TEIXEIRA, 2014). A mudança mais significativa nos anos 2000 no que tange a extensão da jornada é o alongamento do tempo de trabalho em turnos de revezamento (DIEESE, 2013).

Dieese (2005) afirma que a maior parte das cláusulas sobre a jornada de trabalho apenas transcrevem as disposições constitucionais e explicita a dificuldade de negociar a redução da jornada de trabalho de forma mais abrangente. Apenas 13 das 90 negociações coletivas analisadas reduziram a jornada de trabalho legal, a maioria destas para 40 horas semanais.

Destas, 10 são do setor industrial, abrangendo trabalhadores das indústrias de borracha, extrativas, metalúrgicas, de papel e química. As demais são do setor de serviços e referem-se a empregados em processamento de dados, em transporte coletivo de passageiros e transportes aéreos. Nas sete negociações do setor de comércio não foram verificados dispositivos que alterassem a duração do trabalho determinada por lei. (DIEESE, 2005, p. 04)

Em relação às jornadas específicas, o estudo aponta a existência de cláusulas que determinam jornada de 36 horas semanais para enfermeiros e operadores de fotocomposição gráfica, 30 horas semanais para digitadores e para professores o estabelecimento de hora-aula de 60, 50 e 40 minutos, para ensino infantil, diurno e noturno, respectivamente. (DIEESE, 2005)

Seis negociações incluem cláusulas que estabelecem regras para o trabalho a tempo parcial (comerciários, vigilantes, empregados em serviços de saúde, construção civil e calçadistas). As cláusulas são das mais variadas e compreendem regras desde: não haverá contratação a tempo parcial, a não ser por decisão conjunta dos sindicatos patronal e laboral (vigilantes); possibilidade de contratação a tempo parcial para trabalhos em sábados, domingos e feriados (vigilantes); estipula um piso proporcional ao número de horas trabalhadas, respeitado o salário mínimo vigente (saúde) e valor para a hora trabalhada, quantidade mínima e máxima de horas da jornada semanal e percentual máximo de empregados que podem ser contratados sob este regime (comerciários). A redução dos intervalos também foi foco de parcela significativa das negociações. (DIEESE, 2005)

Na indústria, são negociadas, basicamente, a duração do intervalo e a dispensa de seu registro no controle de ponto. No que se refere à duração, 40% das unidades de negociação relativas a este setor autorizam a redução do intervalo (...). No comércio, é comum que seja assegurada a concessão do intervalo (...). Nos serviços, são estipulados os intervalos e as respectivas durações, em função da natureza e das características do trabalho de profissionais como digitadores, professores, vigilantes e trabalhadores em regime de turno de revezamento. (DIEESE, 2005, pp. 07, 08)

Quase a totalidade das negociações analisadas no estudo têm cláusula em relação as horas extras com objetivo de regulamentar o percentual de remuneração. São raríssimos casos que limitam a prática de horas extras.

No que se refere à remuneração das horas extras, observa-se uma tendência de diminuição entre 1996 e 2004. Embora quase metade das negociações tenha mantido os mesmos percentuais de remuneração para as horas extras durante todo o período analisado, mais de um terço os rebaixaram. Em 2004, apenas duas categorias haviam assegurado percentuais superiores aos convencionados em 1996. (DIEESE, 2005, p. 09)

As disposições em relação à hora-extra são específicas de cada setor. Na indústria, das 60 unidades de negociação analisadas 40% mantém os mesmos valores para a remuneração de horas extras, um terço reduz e apenas duas negociações (das 90 estudadas) incrementam os valores estabelecidos em 1996. No setor de serviço, o estudo constatou que houve diminuição dos valores pagos pelas horas extras em 1/3 das 23 unidades de negociação analisadas e metade conservou os mesmos percentuais. Já no comércio verifica-se outro padrão, pois que todas as negociações incorporam cláusulas como o banco de horas e a regularização da jornada de trabalho aos domingos como formas de reduzir ou eliminar a remuneração da jornada extraordinária. Além de reduzir a remuneração do trabalhador e da trabalhadora, as empresas também não compensam as horas trabalhadas aos domingos e feriados como previsto em lei.

Uma ilustração dos seus efeitos é que a possibilidade de compensação das horas extras pode não ser qualificada, isto é, o cálculo das folgas pode não levar em conta a realização diferenciada de trabalho extraordinário em finais de semana ou períodos estendidos. Desse modo, mesmo quando permanecem registrados em acordo os diferentes percentuais – o que ocorre em quatro casos –, pode não se obter na prática a justa correspondência entre as folgas realizadas e a remuneração que teria sido percebida caso as horas extras fossem pagas. (DIEESE, 2005, p. 11)

As empresas não são mais obrigadas a pagar os adicionais de horas extras aos domingos (que são superiores aos dos dias úteis). No entanto, em 2003, os

comerciários restringem o trabalho aos domingos a apenas por mês e estabelecem “multa equivalente a meio piso de ingresso da categoria pelo descumprimento de qualquer item da cláusula em questão. “ (DIEESE, 2005, p. 11)

O banco de horas foi item de negociação coletiva em metade dos contratos do relatório: “embora já fosse objeto de negociação coletiva desde meados da década de 1990, foi a partir da regulamentação legal que o “banco de horas” passou a ser um dos temas centrais das negociações em torno da jornada de trabalho. “ (DIEESE, 2005, p. 12). Apesar da dificuldade em conter o avanço do banco de horas, apenas uma unidade dispensou a negociação coletiva como condição para o estabelecimento de acordos sobre flexibilização de jornada, todos os demais condicionam a adoção dos sistemas de bancos de horas à aprovação direta (em assembleia) ou indireta (negociado com o sindicato profissional). Quanto ao prazo para compensação, a maior parte das categorias mantém os prazos estabelecidos inicialmente durante todo o período analisado. Cabe citar a título de conhecimento algumas das exceções.

Em uma das unidades de negociação de trabalhadores no comércio, o prazo para compensação de horas, estipulado em 30 dias na convenção coletiva de 1998, foi ampliado para 60 dias em 2001. Também em uma das unidades de negociação da construção civil, na qual foi pactuado limite máximo para compensação de 120 dias em 1998, houve ampliação para 12 meses a partir de 2002. Já em outra unidade de negociação da construção civil ocorreu movimento inverso: em 1999 este prazo foi fixado em12 meses, passou para 8 meses no ano seguinte e reduziu-se para seis meses em 2002 (DIEESE, 2005, p. 14)

No que se refere a proporção das horas trabalhadas para as horas a serem compensadas, alguns casos previam compensação direta 1h/1h, já outros previam algum adicional como 1h/1h20 ou de 1h/1h30, e alguns casos ainda foi atribuído peso maior às horas trabalhadas em sábados, domingos e feriados, por exemplo, 1h/1h30 ou 1h/2h, equiparando ao pagamento de horas extras. Também foram encontrados limites de horas acumuladas, que pode ser semanal, mensal ou anual e em quase 100% dos contratos foi determinado que as horas não compensadas dentro de um período máximo deverão ser remuneradas. (DIEESE, 2005)

O relatório traz a questão da transparência na contagem e compensação do banco de horas ao contabilizar que apenas 11 das unidades que adotaram o sistema têm cláusula que obriga ao empregador produzir e fornecer periodicamente aos trabalhadores e às trabalhadoras um relatório de horas informando débitos e créditos. Quando a

contagem das horas fica somente sob o controle das empresas aumentam os casos de má administração ou até fraude na contagem do banco de horas.

O DIEESE (2005) destaca que argumento central das empresas o para conquistar a adesão dos trabalhadores e das trabalhadoras aos acordos de flexibilização na década de 1990 é a manutenção dos empregos, porém o compromisso consta nas negociações coletivas de apenas uma das categorias que adota o sistema de banco de horas.

Já nos anos 2000, “a redução da jornada de trabalho voltou à agenda política e das negociações coletivas. No entanto, os casos de redução da jornada via contratação coletiva são muito pontuais e localizados. ” (KREIN e TEIXEIRA, 2014, p. 15) Os autores destacam que, dos quatro setores analisados (bancários, metalúrgicos, químicos e comerciários), a redução da jornada de trabalho mais significativa foi no do segmento farmacêutico em 2004 (para 40 horas semanais), condicionada pela a mudança da data-base51 .

No sentido inverso, o estudo do Dieese (DIEESE, 2013, p. 6) mostra que houve um aumento da jornada nos turnos de revezamento permitida por uma interpretação muito comum do lado do capital “que tem influenciado o próprio Judiciário Trabalhista em várias decisões -, os turnos fixos descaracterizariam o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, posicionando os trabalhadores fora do direito à jornada reduzida de seis horas”.

Segundo Krein e Teixeira (2014) os efeitos dessas decisões são retrocessos e retiram parte das conquistas da Constituição de 1988.

(...) jornada de 33,6 (33 horas e 36 seis minutos semanais) para 42 horas semanais em muitas indústrias de processo contínuo, via negociações coletivas, como por exemplo no setor siderúrgico. Isso significou a volta da jornada anterior à Constituição de 1988. (KREIN e TEIXEIRA, 2014, p. 15)

O uso do banco de horas se solidifica nos anos 2000, apesar da oposição de parte dos trabalhadores e das trabalhadoras. O arranjo aparece de forma expressiva nas médias e grandes empresas, os acordos são bastante flexíveis, oferecendo grande liberdade para as empresas. (DIEESE, 2011; KREIN e TEIXEIRA, 2014).

51 “A mudança da data-base para o setor farmacêutico se deu a partir de 2004, por uma reivindicação do

setor patronal, com o objetivo de aproximar as negociações do mês de reajuste dos medicamentos. ” (KREIN e TEIXEIRA, 2014, p. 8)

O ajuste das escalas também se perpetua na última década. Escalas 12x12; 12x36, 5x1, 8x2 entre outras ampliam a liberdade do ramo e da empresa organizar a jornada de acordo com as suas necessidades. (KREIN e TEIXEIRA, 2014)

A regulamentação das horas extras está na maioria dos instrumentos, principalmente no que tange a remuneração. No entanto, segundo o DIEESE (2011) 2/3 dos contratos coletivos apenas reafirmam o valor legal.

Apesar de em um dos setores estudados (comerciários São Paulo) ter ocorrido uma ampliação do valor para 60% da hora-extra em relação a normal, a tendência, entre 1996 e 2004, foi de redução do percentual, aproximando-o do definido pela lei. Nos setores químico e farmacêutico, a remuneração das horas extras é 70% (segunda a sábado) e 100% (domingos e feriados). Entretanto, de uma forma geral, para o conjunto dos setores não houve avanços na cláusula das horas extras, mesmo em um contexto de crescimento econômico. Pelo contrário, as pressões para a formação de banco de horas cresceram significativamente. Não há cláusulas, fora dos acordos do banco de horas, que coloquem limites para a empresa realizar horas extras. (KREIN e TEIXEIRA, 2014)

Assim, as negociacões sobre jornada variam bastante de acordo com o tipo de atividade (indústria ou comércio e serviços) e o ramo. O alvo principal das negociações nos anos 1990 foi a implementação/regulamentação do banco de horas. As mudanças implementadas nos anos 1990 permanecem. Apesar da melhora no mercado de trabalho nos anos 2000 o movimento trabalhista não consegue reverter a flexibilização da jornada que é aprofundada, especialmente nos arranjos de trabalho por turno e em escala.

A próxima seção tem por objetivo aprofundar o debate sobre despadronização da jornada de trabalho e compreender as peculiaridades da jornada e da flexibilização por ramo. Para tanto, serão especificados os ramos por meio do estudo de caso e revisão bibliográfica. Alguns deles refletem o debate sobre a jornada e gênero, que serão abordados capítulo III desta tese.