• Nenhum resultado encontrado

A estrutura organizacional da cristoteca

No documento Luzia Maria de Oliveira Sena (páginas 62-68)

Experiência religiosa através da música e da dança

1.2. Música e dança em novos tempos

1.2.5. A estrutura organizacional da cristoteca

Como o objetivo da cristoteca é a evangelização dos jovens, num ambiente de festa, encontro e celebração, isso requer um trabalho de equipe cuidadosamente preparada e treinada para isto, com propósitos e funções bem definidas. Os componentes dessas equipes são, em geral, membros do Movimento da Aliança de Misericórdia e da Comunidade de Vida Imaculada do Espírito Santo, pertencente ao movimento. Como a cristoteca já se encontra presente em muitas outras cidades do país, a “cristoteca-mãe” como é chamada esta que acontece no Brás, na cidade de São Paulo , se preocupa em fornecer todas as orientações necessárias para que os objetivos da cristoteca sejam alcançados, onde quer que ela se realize. Na homepage 22 da instituição

promotora do evento – a Aliança de Misericórdia – encontram-se as indicações para quem desejar promover tais baladas em suas comunidades usando o nome de cristoteca. Colocamos aqui a estrutura organizativa do evento, formada por equipes de trabalho, conforme é apresentada na sua homepage:

Liturgia – É a equipe responsável pela Santa Missa ou pelo momento de celebração da Palavra. Em algumas cidades onde não é possível ocorrer uma celebração no início da cristoteca, a sugestão é que se faça um momento de oração cuidadosamente preparado. É necessário também que se providencie um local especial e apropriado (capela) para que Nosso Senhor Jesus na Eucaristia

possa ser adorado durante a madrugada.

22

Palco, som e iluminação – Junto com o som, a iluminação deve criar um ambiente que transmita a intensidade do agito e a alegria do local, servindo também para enfatizar os momentos litúrgicos. Segundo os organizadores da cristoteca, movida pelo Espírito, e escondida da galera, essa equipe procura servir sendo luz para os jovens. É a equipe que cuida do som, dos mapas de palco, da acolhida dos padres e das bandas e, ainda, capricha na decoração, afinal de contas, dizem, a cristoteca é lugar do Senhor!

Cristolanche e cristodrink – Esta equipe de voluntários é responsável pela lanchonete. Ali se encontram lanches, sucos, refrigerantes, água, salgados e doces, uma pequena fonte de renda para a cristoteca, que não costuma cobrar ingressos. A cristoteca é 0% bebida alcoólica; por isso, em meio a tanta criatividade, inova também com os cristodrinks, saborosas bebidas sem álcool que dão uma energia a mais para embalar a madrugada e manter o clima da festa.

Intercessão – Com o terço nas mãos durante toda a madrugada, os componentes desta equipe oram pela cristoteca, garantindo a certeza de que os objetivos serão alcançados: proporcionar aos jovens um encontro pessoal com Deus.

Corpo a corpo – Verdadeiros “anjos da guarda”, essa equipe de evangelização aborda os jovens, dialoga e até ora por eles. Vigiam para que vícios e outros comportamentos inadequados e inconvenientes não venham atrapalhar a noite santa.

Lojinha – Contígua ao salão da cristoteca encontra-se a lojinha, onde uma equipe se encarrega de oferecer aos participantes a oportunidade de adquirir livros, CDs ou DVDs para aprofundar a sua espiritualidade, ou ainda objetos como: camisetas com designers modernos e voltadas para o público jovem e estampas com temas religiosos, chaveiros, adesivos, terços. A lojinha, segundo a equipe, possibilita ao jovem que frequenta a cristoteca levar para casa algo a mais para a sua evangelização e formação.

A respeito dos cristodrinks, apresentamos aqui o menu, conforme consta na homepage já mencionada:

Apocalipse: suco de uva, bala tipo Halls, energético e leite condensado. Coquinho de Deus: leite de coco, soda, energético e leite condensado. Davi: suco de uva, energético, pó de guaraná e leite condensado. Docinho de Deus: suco de abacaxi, guaraná e leite condensado.

Exílio no Egito: suco de abacaxi, leite de coco, energético e leite condensado.

Groselha angelical: groselha, guaraná com açaí, energético, pó de guaraná e leite de coco.

Língua dos anjos: suco de uva, suco de limão, soda e leite condensado. Madre Teresa: suco de uva, leite condensado, paçoca, guaraná com açaí, pó de guaraná e creme de leite.

Monte Horeb: suco de pêssego, laranja com acerola, energético e leite condensado.

Monte Tabor: suco de uva, guaraná com açaí, pó de guaraná, creme de leite e leite condensado.

Padre Pio: sucos de laranja com acerola, limão, abacaxi e pêssego e leite condensado.

Santo: suco de caju, frutas cítricas, pêssego e leite condensado.

Santa Terezinha: suco de caju, guaraná, pó de guaraná, energético e leite condensado.

São Francisco: suco de caju, leite de coco, guaraná com açaí, paçoca e leite condensado.

Esse menu é um exemplo eloquente do quanto os organizadores da cristoteca procuram imprimir ao ambiente da cristoteca, na sua totalidade, uma aura de sacralidade. Segundo eles, aquele não é um espaço profano. Ali tudo é sagrado: a casa, os instrumentos musicais, os objetos que são comercializados, os alimentos, as pessoas. O profano é, literalmente, o que “está fora” desse ambiente ou do espírito que impregna as pessoas e o espaço da cristoteca. Para Robbi Brito (2009), um traço fundamental da configuração social contemporânea

é a contradição. A configuração da realidade sociocultural, nas sociedades modernas contemporâneas, traz em si mesma, tensões e traços conflitantes de identidade: racionalidade/irracionalidade, integração/fragmentação, local/global, sujeito/sociedade. É nessa perspectiva de uma realidade contraditória e conflitante que podemos entender o texto de um dos organizadores da cristoteca:

Louvor, agito, animação, silêncio, concentração, oração. Alternando alegria e profundidade, a cristoteca quer dar ao jovens a oportunidade de uma verdadeira experiência com Deus. Por isso, a cristoteca se caracteriza por seu formato, digamos, incomum para uma balada. Logo de início encontramos a Santa Missa, que dá o tom da noite.23

Assim, os jovens organizadores da cristoteca transformam espaços, ritmos, estilos musicais, antes considerados “mundanos” e “profanos”, em lugares e em instrumentos de evangelização e de experiência de Deus. No ambiente da cristoteca as músicas “profanas” são substituídas por músicas religiosas, cujas letras, impregnadas de mensagens de fé, de amor e esperança, são estímulos positivos para a vida e um convite para um encontro com Deus. Apenas o ritmo e os estilos musicais são os mesmos que o jovem poderia encontrar em uma casa noturna convencional. Nesse contexto da cristoteca, permeado pelo sagrado, a música religiosa adquire um significado todo especial: transforma músicos, cantores, DJs, dançarinos e coreógrafos, bandas e grupos musicais em instrumentos de Deus. O trecho da reflexão, dirigida aos participantes da cristoteca, preparada por um jovem missionário da Aliança de Misericórdia e integrante do Ministério de Dança da Cristoteca, é indicativo da autocompreensão que os jovens missionários dessa instituição têm do seu papel como “artistas de Deus”, incumbidos de uma missão sagrada:

O meu corpo é instrumento de Deus. Para o mundo, o corpo não passa de objeto de prazer. Nós, que somos chamados a evangelizar através da dança, recebemos de Deus o convite especial de sermos expressão de pureza, enfrentando assim o que é pregado no “mundo” […]. Percebemos que 70% de nossa comunicação é feita através da expressão. Mesmo quando falamos, apresentamos gestos faciais e, às vezes, também corporais, que auxiliam a transmitir a mensagem com maior eficácia. Desta forma, podemos explorar os gestos e o nosso corpo como uma

23

ferramenta, um “trampolim” para a evangelização. Temos a graça de viver num tempo em que a dança auxilia a levar as pessoas a viverem uma dinâmica de louvor e oração nas igrejas, e essas pessoas acabam descobrindo quão incrível é a experiência de dançar com e para Jesus!24

Evangelizar através da música e da dança, proporcionando aos jovens, além de diversão e lazer, um espaço propício para o encontro com Deus é o objetivo primordial da cristoteca, como acabamos de apresentar. As questões relativas à identificação de quem são e o que buscam os jovens que frequentam essas cristotecas, e sobre as estratégias utilizadas nesse processo de evangelização juvenil serão objeto do terceiro capítulo desta dissertação.

Neste primeiro capítulo, portanto, abordamos o tema “Experiência religiosa através da música e da dança”. Partimos da constatação de que a utilização da música e da dança com finalidades religiosas não é algo recente. Desde as suas mais remotas origens, o ser humano utiliza a música e a dança como forma de expressar a sua religiosidade, o culto às divindades, as suas crenças em algo transcendente. Demonstramos, ainda, como a conjugação de música, dança e religião esteve presente em diferentes povos e culturas, no decorrer de toda a história da humanidade. Com o desenvolvimento das civilizações, a música e a dança ganham novos significados e funções, adquirem o status de arte, secularizam-se. A partir de meados do século XX, com o surgimento da música eletrônica, a música e a dança se constituíram em uma das mais expressivas manifestações das culturas juvenis contemporâneas. Considerados laicos e profanos pelas Igrejas, determinados gêneros musicais, como por exemplo, o

rock, a música pop e os vários gêneros de música eletrônica, não podiam ser

tocados nos eventos religiosos e recintos eclesiais. Até mesmo a utilização dessas músicas nos ambientes de lazer e diversão dos jovens dessas Igrejas era censurada e sofria sérias restrições.

No contexto da Modernidade contemporânea, as tradicionais instituições religiosas não conseguem mais impor aos seus fiéis, de forma totalizante, a sua

24

Disponível

em:%3chttp:/misericordia.com.br/cristoteca/index.php?option=com_content&view=article&i d=5:danca&catid=6:danca&Itemid=5">. Acesso em 4 de junho de 2009.

visão de mundo, os seus valores e normas de conduta. Os indivíduos reivindicam, cada vez mais, o direito à sua autonomia e assumem com maior liberdade as decisões da sua vida, sem precisar recorrer a determinações e argumentos fundados em uma autoridade externa. Para responder às demandas desse novo sujeito social, as instituições religiosas precisam entrar em sintonia com os seus fiéis, repensar sua linguagem, conteúdos e estratégias de atuação, em um cenário religioso diversificado e plural, que oferece uma infinidade de opções religiosas adaptadas aos mais variados gostos e necessidades. Para enfrentar tal situação, “até mesmo as religiões tidas como tradicionais e consagradas tendem a se diferenciar bastante no interior de suas ortodoxias, de modo a oferecer, sobretudo aos leigos, uma multiplicidade de afiliações de significado e prática de fé”, observa Brandão (2004:278).

É nesse contexto de contínuas mudanças socioculturais, em que as tradições religiosas buscam se recompor e se reorganizar para atender às necessidades dos seus adeptos, que surgem, no interior da Igreja Católica, os “novos movimentos e as novas comunidades eclesiais”. Mais adaptados aos tempos atuais, tais movimentos e comunidades têm conseguido se apropriar, ressignificar e utilizar, como meio de evangelização, determinadas expressões das culturas juvenis, como é o caso da música e da dança na cristoteca. Portadoras de significações que vão além do valor estético que elas expressam, a música e a dança ganham novas significações nas cristotecas católicas, cuja origem, objetivos e estrutura organizacional foram apresentados neste primeiro capítulo do nosso trabalho.

No capítulo seguinte, abordaremos os “novos movimentos e as novas comunidades eclesiais”, no contexto da Modernidade contemporânea, focalizando a Renovação Carismática Católica. Em suas trilhas surgiram outros movimentos e inúmeras Comunidades de Aliança e de Vida, como o Movimento Eclesial Aliança de Misericórdia, cujos membros são os idealizadores e promotores da cristoteca.

Capítulo II

No documento Luzia Maria de Oliveira Sena (páginas 62-68)