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O que buscam os jovens na cristoteca

No documento Luzia Maria de Oliveira Sena (páginas 145-152)

juventude, música, dança e experiência religiosa

3.2. O que buscam os jovens na cristoteca

Na sociedade atual, a música é uma das significativas expressões juvenis contemporâneas. É um dos elementos das culturas juvenis mais presente no

cotidiano dos jovens, de todas as classes sociais, independentemente de sexo e nível de escolaridade e até mesmo de nacionalidade. Para Setton, a música surge, nesse contexto, como um fenômeno social, capaz de construir redes de sociabilidades, “pois consegue agregar, sensibilizar e, sobretudo, construir laços de sociabilidade entre jovens” (SETTON, 2009:19). Nesse sentido, podemos dizer que a música cumpre, assim, a função de reunir os jovens, de atraí-los para a cristoteca. E não só:

Nessa etapa da vida, por vezes muito prolongada, em que o sentimento de pertença e de comunhão com seus pares surge como uma das estratégias encontradas para se sentirem mais seguros […]. Práticas como a dança, a música, a drogadição e o engajamento político, ainda que muito díspares, propiciam o conforto de pertencimento de um grupo (SETTON, 2009:16).

Juarez Dayrell (2005), em seus estudos sobre a juventude em sua relação à cultura, constata que partir da década de 1970 ocorre uma maior diversificação das expressões juvenis, destacando, especialmente, a diversificação dos estilos musicais e a importância disso para as identidades juvenis (DAYRELL, 2005:23). Segundo este autor, a música é o principal produto cultural consumido pelos jovens, no Brasil e no mundo. E mais:

A música acompanha os jovens em grande parte das situações no decorrer da vida cotidiana: música como fundo, música como linguagem comunicativa que dialoga com outros tipos de linguagem, música como estilo expressivo e artístico; são múltiplas as dimensões e os significados que convivem no âmbito da vida interior e das relações sociais dos jovens, sendo mais vivida do que apenas escutada (DAYRELL, 2005:24).

Participar de baladas, de festas onde a música e a dança são o atrativo principal, tornou-se uma questão imprescindível na vida do jovem, uma questão de pertencimento e de construção de identidade. Aqueles que não participam de tais eventos passam a ser excluídos e discriminados pelo grupo. Em um portal para jovens na internet, encontramos algumas declarações interessantes que mostram o quanto as baladas são significativas para esses indivíduos, no contexto cultural juvenil em que a música assume um papel importante na socialização desses jovens:

Você já parou para observar como um jovem que não vai às baladas é um ser à parte do mundo? Ele simplesmente não pode ser considerado normal, deve ouvir Nelson Ned e Ângela Maria e ler Sabrina antes de dormir. É o tipo de gente que vê gnomos e morre de medo de bruxas. É um ser quase sempre excluído, o laranja da turma, o zé-tontão. E a primeira balada de alguém assim é uma perdição. Eles querem beber de tudo, dançar com todo mundo e catar qualquer coisa, só para acordar dizendo que beijou na boca.21

No mesmo portal, outros jovens expressam o que sentem e o que experimentam nas baladas, vistas por alguns como o lugar onde descarregam os seus cansaços, os seus desgostos e a sua falta de bom senso. Para outros, a balada é o momento mais jovem de suas vidas, ou um refúgio, espaço onde podem “liberar geral” e extravasar o seu ser jovem:

A balada é uma etapa importante para a vida do jovem. Minha avó, se não estivesse doente, diria que estamos perversos: “Onde já se viu, essas meninas soltas pela rua, de madrugada, com sainhas curtinhas? E esses rapazes bebendo como mortos de sede no deserto? Esse mundo está mesmo perdido…”.

Balada é música dançante tocando altamente, para turbinar o sangue. Beijo na boca. Diversão garantida e prazeres vividos. Adrenalina, corpo pegando fogo.

Numa sociedade como a nossa, em que são restritos os espaços de entretenimento e de lazer para a juventude das classes populares, como é o caso dos jovens que fazem parte do segmento estudado nessa pesquisa, a música, as festas ou bailes noturnos, as baladas, a cristoteca, assumem uma centralidade na vida desses jovens. É participando desses eventos que eles elaboram e expressam o seu modo próprio de ser jovens, estabelecem laços de pertencimento e de sociabilidade, buscam referenciais no grupo para alimentar e construir a sua identidade religiosa, um espaço seguro onde possam conviver, se divertir, se encontrar com Deus. Os jovens que participam da cristoteca parecem apontar para essas questões ao falarem dos motivos pelos quais se encontram ali.

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Disponível em: <http://www.spiner.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=17>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2011.

A partir da nossa pesquisa, apresentaremos o depoimento de alguns jovens que expuseram nas entrevistas os motivos que os levaram a buscar a cristoteca.

Isabel,22 que já participou de discotecas convencionais, diz:

O que eu busco aqui é encontrar pessoas que tenham a mesma identidade que a minha, acreditem também nas mesmas coisas que eu acredito. E pra fazer amizades também, me divertir. Eu tomei conhecimento da cristoteca através do pessoal da minha comunidade. Eles falam, comentam muito sobre a cristoteca, tem gente que vem pra cá e que participa. Então eu decidi e vim pra ver como é que é (Entrevista, 20/3/2010).

Míriam, que nunca participou de outro tipo de balada, declara:

Eu busco um lugar de lazer, que seja católico, que as pessoas tenham a mesma ideia que a nossa. Buscar um lazer legal, sem essas coisas meio, ah!… tipo bebida, briga. Que as pessoas venham só para se divertir mesmo, entendeu?! (Entrevista, 20/3/2010).

Em meio ao frenesi da balada, onde tudo convida ao agito e à diversão e não a parar para dar entrevista, mesmo assim alguns jovens, do seu jeito lacônico de se comunicar verbalmente, expressaram as motivações que os trouxeram à cristoteca:

A gente veio hoje conhecer, pra vê como é que é. É a primeira vez. O pessoal da nossa igreja veio. Todo [o grupo] da crisma veio aqui. Eu espero encontrar uma balada legal, um negócio bem legal pra gente vir mais vezes (Rubem. Entrevista, 20/3/2010).

Você vem aqui e sente a diferença, porque, se você sair pra fora, pra uma balada [convencional], você não tem sossego, às vezes, você sai estressado porque você discute, porque você briga por coisas bobas, têm bebidas, drogas… E, aqui, não. Aqui você vem, pode chegar vazio, mas sai preenchido, porque de um jeito ou de outro Deus vai te tocar (Noemi. Entrevista, 20/3/2010).

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Para preservar, no anonimato, a identidade dos participantes da cristoteca que fizeram parte do grupo pesquisado para esta Dissertação, os nomes das pessoas entrevistadas foram substituídos por nomes bíblicos.

Conheci a cristoteca através dos meus amigos da paróquia, do grupo de jovens, eles sempre vinham. O que me chamou a atenção aqui foi o ambiente, a alegria, a presença de Deus, que você vê num sorriso, num gesto de acolhida. Às vezes as pessoas podem pensar e falar que o jovem que está na Igreja não tem uma vida feliz, uma vida que curte, que sai, que se alegra… Mas é totalmente diferente. Não quer dizer que a gente, por ser de Deus, não tenha alegria (Ana. Entrevista, 20/3/2010).

Duas jovens da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, do bairro Inhacuné, na cidade de São Paulo, disseram:

Eu espero dessa balada tudo de bom, que não aconteça nada de ruim. E muitas emoções e alegria. É a segunda vez que venho à cristoteca. A primeira vez que vim, adorei. Foi muito legal. Sinto muita emoção, muita energia, paquera. O grupo de apoio é “da hora”. Nota dez! (Entrevista, 20/3/2010).

Eu já vim outras vezes. Há diferença entre as discotecas e a cristoteca. Ah! Tem diferença, sim. A discoteca lá fora é música que a gente, às vezes, nem conhece, tem palavrão… Aqui não. Aqui as músicas são legais, tem quem fala sobre Deus. Eu acho isso muito interessante (Entrevista, 20/3/2010).

Suzana, que é coordenadora de grupo de jovens em sua paróquia, expressa assim as motivações que a trouxeram à cristoteca:

É a primeira vez que venho. Eu já tinha vontade de vir, mas a motivação hoje, especial, é porque a gente tem a ideia de fazer um evento parecido na nossa comunidade, que é um pouco mais afastada [geograficamente]. A gente quer levar alguma coisa parecida com isso para os nossos jovens, porque a gente sente que eles têm carência disso. A gente veio conversar com o pessoal que organiza, veio ver como funciona pra tentar fazer o mesmo em nossa comunidade (Entrevista, 20/3/2010).

Tiago, que também trabalha com jovens, veio à cristoteca com alguns catequistas de sua paróquia com motivações semelhantes às de Suzana:

Viemos para conhecer a cristoteca porque a gente quer fazer algo semelhante na nossa paróquia. Os jovens gostam muito de diversão, de baladas, dessas coisas, e falta isso. Principalmente os jovens da nossa comunidade têm uma necessidade de conhecer, de saber que existe uma balada voltada pra Cristo. Já teve outros eventos de música católica, em outras paróquias lá perto, eu fui gostei. […] Os

jovens precisam saber que existe esse tipo de evento, sem droga, sem bebida, onde o jovem pode se divertir sem precisar disso. Sem contar também que os pais, sabendo que os filhos estão nesse tipo de ambiente, ficam mais calmos, mais tranquilos, porque eles sabem que, por ser um ambiente dentro da Igreja, não vai ter droga, bebida, briga, armas, essas coisas assim. Os jovens também, porque às vezes ficam com um pouco de receio de ir a tal lugar porque lá sai briga direto, lá tem droga direto (Entrevista, 20/3/2010).

Os depoimentos dos nossos entrevistados apontam como os principais motivos que os levam à cristoteca: a) a busca por um espaço de lazer e de diversão na forma de música e dança; b) a segurança que esse espaço oferece; c) o encontro com outros jovens, a sociabilidade; d) a acolhida, alegria e amizade dos organizadores do evento e) a vinculação identitária, ou seja, a busca de encontrar pessoas com valores e crenças similares, nesse caso, identificadas com o catolicismo; f) o encontro com Deus, a dimensão de espiritualidade que é proporcionada pela cristoteca.

A participação nesses grupos religiosos é, para esses jovens de ambientes populares, uma alternativa de convivência pacífica e amistosa, numa sociedade permeada de situações de violência, rivalidades, drogas e criminalidade. Nesse ambiente religioso, os jovens conseguem estabelecer articulações que os ajudam a crescer na autoestima, a reforçar ou adquirir alguns valores referenciais para suas vidas, proporcionando-lhes também um sentido de pertença, indispensável para a construção de sua identidade religiosa e social.

Podemos identificar nesses grupos e comunidades que se constituem na cristoteca ou no movimento religioso que a produz traços daquela “religião de comunidades emocionais” de que fala Hervieu-Léger (1997), e que se caracterizam pelo particular engajamento do corpo na oração, pelas manifestações físicas de proximidade e afeto no relacionamento entre os membros da comunidade. Expressões de forte emotividade também estão presentes nos momentos de oração, de glossolalia, na excitação durante o canto e a dança, na comoção que leva ao choro ou a arroubos de alegria. Sobre essas comunidades, presentes nas diferentes Igrejas e confissões religiosas, Hervieu- Léger, acrescenta:

Essa religião de comunidades emocionais apresenta-se em primeiro lugar como uma religião de grupos voluntários, que implica para cada um dos seus membros um compromisso pessoal (quando não uma conversão, no sentido revivalista do termo). O testemunho que cada convertido dá ao grupo de sua experiência e o reconhecimento que o grupo lhe traz de volta criam um laço muito forte entre a comunidade e o indivíduo (HERVIEU-LÉGER, 1997:33).

Esse dado da emoção, sensibilidade, valorização do corpo é característico da Modernidade contemporânea e dos novos movimentos religiosos que surgiram nesse contexto. No nosso entender, os jovens participantes da cristoteca encontram nessa “religião de comunidades emocionais”, personificada no grupo mais amplo, ou seja, na Aliança de Misericórdia promotora do evento, um apoio seguro e confiável para suas vidas. Encontram nessa comunidade vivência grupal, amizades, alegria, lazer. Diante de infinidade de opções que o mundo hodierno oferece aos indivíduos, desafiando a sua capacidade de exercer a sua liberdade e autonomia, “parece até que a expansão do pluralismo e do relativismo produz, em sentido inverso, o reforço das aspirações comunitárias, bem como certa reativação das identidades confessionais” (HERVIEU-LÉGER, 2005:57).

Além disso, essas novas comunidades católicas e aqui nos referimos inclusive à Aliança de Misericórdia promotora da cristoteca , estreitamente vinculadas à hierarquia da Igreja, obedientes às suas normas morais e dogmáticas, bem definidas, proporcionam aos seus membros o apoio e segurança de que necessitam. Em um mundo de incertezas e em contínua mudança,

onde tudo pode ser questionado, confuso, cheio de possibilidades de interpretação, muitos passam a procurar o ordenamento perdido, aquele repleto de certezas: a estabilidade. As pequenas comunidades parecem ser o refúgio que alivia no indivíduo a necessidade de reinventar o mundo a todo momento e de ter que se encontrar nele. Assim, esses grupos criam programas, currículos existenciais comprovados pela tradição, nos quais as pessoas espelham seu comportamento e aspiram à autorrealização (BERGER;LUCKMANN, 2004:55).

No documento Luzia Maria de Oliveira Sena (páginas 145-152)