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Música e dança no contexto cristão

No documento Luzia Maria de Oliveira Sena (páginas 34-38)

Experiência religiosa através da música e da dança

1.1. Música e dança na experiência religiosa

1.1.5. Música e dança no contexto cristão

O nascimento e expansão do cristianismo ocorreram no período e nos territórios sob a dominação do Império Romano (27 a.C.-395). Nascido no seio da religião e da cultura judaica, na Palestina, o cristianismo logo se difundiu por várias regiões do Império Romano, recebendo influências tanto do seu contexto de origem como da cultura greco-romana.

A música fez parte dos cultos cristãos desde os seus primórdios. Como os primeiros cristãos foram judeus, se mantiveram por algum tempo ainda ligados às sinagogas, presentes em várias cidades da Palestina, da Síria e da Ásia Menor, onde se reuniam para rezar e cantar os salmos. Posteriormente, passaram a se reunir nas casas dos próprios fiéis. E, assim, foram transmitindo aos povos evangelizados as suas recitações melódicas impregnadas dos elementos musicais típicos do judaísmo e do helenismo assimilados dessas regiões nas quais estavam inseridos. Esse tipo de música muito simples, utilizada pelos cristãos, recebeu o nome de cantochão. Consistia em orações recitadas com leves inflexões melódicas, sem acompanhamento de instrumentos, em sua primeira fase. Em sua evolução, o cantochão, que em sua origem era monofônico constituído de única melodia cantada em uníssono , apresentou algumas variantes com o surgimento de formas polifônicas, em que melodias simultâneas se entrelaçavam. Porém,pressões da Igreja, que exigia o claro entendimento das palavras litúrgicas cantadas pelos coros, levaram a uma simplificação das vozes. A compilação, organização e adaptação desses cantos, promovidas pelo Papa Gregório I, no século VI, deram origem ao chamado canto gregoriano, gênero que predominou no panorama musical da Idade Média europeia e se constituiu no canto oficial da liturgia romana, chegando até os nossos dias.

Nos séculos seguintes, a Igreja, com a sua supremacia cultural e o apoio da poder político, buscou manter a função essencial da música, que era o louvor a Deus, segundo a sua compreensão, e preservar a pureza desta arte considerada essencialmente religiosa. Preocupada com essas questões, todas as outras expressões e formas musicais profanas, criadas ou executadas fora do âmbito e das normas eclesiais, eram reiteradamente condenadas pela Igreja. Também era proibida qualquer iniciativa musical oriunda de pessoas leigas.1 Com frequência, a

Igreja alertava os cristãos sobre os perigos das músicas profanas de

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A partir do século IX na Europa medieval, há informações das atividades de trovadores – artistas da corte ou ambulantes – que declamavam ou cantavam poemas em versos, geralmente com o acompanhamento de instrumentos musicais. Como se tratava de um tipo de música mais voltado a temas populares ou à adaptação popular dos temas religiosos, estavam mais libertos das pressões eclesiásticas e por isso, mais propensos a inovações (NUNESFILHO, 1999:17).

entretenimento, sobretudo das canções de mimos, que consistiam em representações lúdicas de textos em prosa ou em verso, em que o ator, através da música, da dança e de mímicas, imitava gestos e comportamentos da vida cotidiana, provocando o riso do público. Essas apresentações faziam muito sucesso e eram muito apreciadas pela população. Contudo, a Igreja opunha-se à livre expressão artística, a tudo que fosse pulsional, gestual, lúdico. Nessas circunstâncias, “a música não é mais a alma da civilização, como na Antiguidade; deixou de ser um entretenimento. Tornou-se monopólio de Roma e dos mosteiros, que possuem sozinhos sua ciência” (CANDÉ, 2001:191). Nesse contexto,

os barulhos animados das músicas populares, de suas percussões, cantos, danças, ruídos e componentes de sensualidade eram tomados como oposição profanadora ao som ascético dos mosteiros. O canto litúrgico católico, na Idade Média, proscreve como diabólico todo ruído, além de suprimir qualquer plano de manifestação que envolva pulsações e ritmos exteriorizados. A rítmica torna-se então puramente frásica, a serviço da pronunciação melodiosa do texto litúrgico (RODRIGUES, 2005:112).

Com o canto gregoriano, monofônico, executado por vozes em uníssono, a Igreja Católica procurou disciplinar os corpos e as mentes, reprimir os demônios da música enraizados nos ritmos dançantes e nos timbres múltiplos. Para isso,

era preciso evitar sons e intervalos que fossem absorvidos pelos sentidos e traduzidos na forma de excitação corpórea. Em virtude disso é que era proibida a participação de mulheres no canto, pois a voz feminina era de natureza sensual e excitante (NUNESFILHO, 1999:14).

Limitando-nos apenas ao âmbito da tradição cristã europeia, recordamos como a arte, durante séculos, foi cuidadosamente utilizada pela Igreja Católica com objetivo didático-religioso, com a finalidade de inspirar nas pessoas sentimentos e atitudes religiosas, de oração e contemplação. Em quase todo o longo período da Idade Média num contexto de cristandade a arte foi utilizada para honrar a Deus e conduzir a humanidade pelos caminhos propostos pela Igreja. Encontramos testemunhos valiosos dessa arte sacra, presentes na arquitetura, escultura, pintura, música. Todas trazem a marca, não apenas do gênio artístico de quem as produziu, mas também da época em que foram

produzidas. Expressam os valores, as contradições, as rupturas, as visões de mundo então vigentes.

No mundo europeu do século XIV, fora do âmbito eclesial, surge uma corrente estética que defende a autonomia da música. A sua beleza justifica-se por si mesma, pela maravilha da sua sonoridade. Assim sendo, a música tem por finalidade proporcionar o deleite, o prazer dos sentidos. Essa estética pleiteia maior liberdade de expressão, novos ritmos, total liberdade temática, não mais derivados do gregoriano.

Nessas circunstâncias, o surgimento de uma música profana totalmente livre provoca estremecimentos nos meios eclesiásticos e, consequentemente a condenação da nova música, que rompia com toda uma tradição musical que refreava o lúdico, o sensual, baseada na filosofia neoplatônica adaptada à cultura religiosa medieval.

No final da Idade Média, mais precisamente no período Renascentista (1400-1600), sob a influência do espírito científico da época e também da Reforma Protestante, se desenvolve a música polifônica – conjunto harmônico de instrumentos ou vozes diferentes que soam simultaneamente –, criada a partir das canções populares medievais:

Não tardou e a Igreja passou a queixar-se de que a polifonia tornava inteligíveis as orações cantadas e, o que era pior, que ameaçava incitar as congregações ao emocionalismo e ao prazer. O que se desejava prioritariamente era a canção simples, expressiva (RODRIGUES, 2005:112).

Contudo, a polifonia consagrou-se como a linguagem musical, não apenas do século XVI, mas chegou até os dias atuais como a linguagem mais usada pelos compositores do mundo inteiro. As comunidades cristãs nascidas da Reforma Protestante adotam a polifonia e criam novas formas de música sacra e corais. A Igreja Católica relutou em aceitar a linguagem polifônica, mas acabou por incorporá-la e, aos poucos, a polifonia tornou-se a música predominante nas celebrações litúrgicas.

Surgem, então, novas formas musicais como missas, cantatas e oratórios, culminando com as produções musicais de Johann Sebastian Bach (1685-1750),

Georg Friedrich Händel (1685-1759), Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). A música religiosa, nos países católicos, chega a seu máximo esplendor.

Nos séculos XVIII e XIX, especialmente a Europa passa por um período econômico próspero, alavancado pelos avanços tecnológicos e pela expansão colonial. Paralelamente, vive sob a efervescência da nova filosofia, o Iluminismo e da Revolução Francesa, que exerceram influências significativas no âmbito político, social e religioso do Ocidente, nos diferentes domínios da vida dos indivíduos e das sociedades, nestes e nos séculos seguintes. Em relação à música e à dança, ocorreu especialmente durante o século XX uma acentuada diversificação, inclusive no campo religioso, possibilitando uma profusão de criações musicais, de novas formas, gêneros, técnicas e instrumentos.

No documento Luzia Maria de Oliveira Sena (páginas 34-38)