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A evolução da legislação antidumping norte-americana

Tradicionalmente, os Estados Unidos se destacam como um dos países que mais utilizam as normas antidumping e tudo indica que essa tendência se mantenha contínua. Nos Estados Unidos, o início da legislação antidumping surgiu como uma extensão da legislação antitruste. Entretanto, essas leis não proporcionavam restrição às importações, finalidade desejada pela classe política norte- americana da época, fazendo com que as pressões para a criação de leis específicas, fossem constantes. As fases de evolução da legislação antidumping norte-americana demonstram o quanto ela se diferencia da legislação antitruste, já que as medidas antidumping tornaram-se um efetivo instrumento para restringir importações13.

A evolução da legislação antidumping nos Estados Unidos decorreu das alterações provenientes nas Leis de Tarifas e Comércio (Trade and Tarifs Acts), pelas quais o governo norte- americano executava suas políticas comercial e industrial, elevando ou reduzindo as tarifas de importação para específicos setores

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SACERDOTI, Giorgio. A transformação do GATT da Organização Mundial do Comércio. In: CASELLA, Paulo Borba e MERCADANTE, Araminta de Azevedo (Coord.), Guerra comercial

ou integração mundial pelo comércio?: a OMC e o Brasil, São Paulo: LTr, 1998, p.52.

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JOHANNPETER, Guilherme. Antidumping - Prática desleal no comércio internacional, Porto Alegre: Ed. do Advogado, 1996, p.60.

Acts) também exerceram importante papel na evolução dos dispositivos de defesa comercial, por meio delas o presidente negociava reduções de tarifas em acordos de concessão tarifária em âmbito internacional, permitindo, ainda, a criação de programas nacionais para impedir efeitos negativos resultantes desses acordos na economia do país. Esses programas incluem alterações aos dispositivos que regulam os instrumentos de proteção contra práticas desleais, permitindo a redução de tarifas ao mesmo tempo que protegem os empresários locais de práticas desleais posteriores a essa mesma redução14.

O primeiro estatuto antidumping norte-americano, o Antidumping Act, de 1916, eliminou a necessidade de se configurar a conspiração ou combinação entre vendedores organizados para atingir um fim comum, descaracterizando a analogia utilizada em casos de antidumping com disposições antitruste. De acordo com o Antidumping Act, de 1916, a materialidade do dumping passa a ocorrer com a simples venda de um produto importado abaixo do valor de mercado do mesmo bem e a prática de preço desleal danosa à concorrência deve ser acompanhada pela comprovação da intenção de causar dano à competitividade da indústria norte-americana15.

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GUEDES, Josefina Maria M.M, PINHEIRO, Silvia M. Antidumping,, subsídios e medidas

compensatórias, São Paulo: Aduaneiras, 1996, p.23-4.

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JOHANNPETER, Guilherme. Antidumping - Prática desleal no comércio internacional, Porto Alegre: Ed. do Advogado, 1996, p.60-1.

natureza penal a prática de dumping, as penas poderiam ser uma multa de até US$5.000,00 ou prisão de até um ano. A lei considerava ilegal a venda de mercadorias a preço inferior ao seu real valor de mercado no país do produtor quando realizada com o objetivo de causar dano à competitividade da indústria norte-americana. Devido à natureza penal, as decisões sobre referida lei eram de competência da Suprema Corte norte-americana. Diante da dificuldade em se comprovar a intenção de causar o dano, em nenhum dos casos julgados a pena foi imposta, motivando o Congresso a propor uma reforma, consubstanciada na segunda Lei Antidumping, aprovada em 192116.

A Lei Antidumping de 1921 teve como escopo suprir as lacunas da anterior e efetuou duas importantes alterações, substituindo o termo “dano à competitividade” pelo termo “dano à indústria” e retirando o caráter penal do antigo estatuto, que passou a ter natureza administrativa. O dano à indústria passou a ser configurado por uma pequena queda nas vendas ou uma leve redução nos lucros de uma empresa. O termo anterior, “dano à competitividade”, implicava um deslocamento do empresário para um status inferior, no que se refere à qualidade de seus produtos e à produtividade17.

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JACKSON, John. Antidumping Law and Practice: a comparative study, Michigan University Press, 1989 apud GUEDES, Josefina Maria M.M., PINHEIRO, Silvia M.. Antidumping, subsídios

e medidas compensatórias, 2 ed., São Paulo: Aduaneiras, 1996, p.28.

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PALMETER, David. Injury Determination in Countervailing Duty Cases, Journal of World

Trade Law, v. 21, n.1, 1987 apud GUEDES, Josefina Maria M.M., PINHEIRO, Silvia M.. Antidumping, subsídios e medidas compensatórias, 2 ed., São Paulo: Aduaneiras, 1996, p.28.

empresários requerer ação antidumping, em decorrência da menor exigência para a comprovação do dano. Além disso, a passagem para uma instância de natureza administrativa, em detrimento à penal, significava que as ações seriam geridas e julgadas por órgãos do Executivo e não mais pelo Judiciário. Assim, uma taxa antidumping deveria ser aplicada toda vez que uma mercadoria fosse vendida aos Estados Unidos a preço inferior ao valor justo (fair value), entendido como o preço de mercado de produto similar ou idêntico, abaixo do qual sua comercialização causasse danos à indústria doméstica, não mais se aplicando uma pena de natureza penal à pessoa do exportador, mas um tributo às importações da mercadoria. A Lei Antidumping de 1921 permaneceu intacta até a Lei de Tarifas de 1930, que deu a atual forma das ações antidumping no que se refere ao seu trâmite18.

A Lei de Acordos Comerciais de 1979 alterou a Lei Antidumping de 1930, adotando a previsão da causalidade prevista no Código Antidumping do GATT 1979, aprovado na Rodada Tóquio. Conforme já exposto, o Código Antidumping do GATT 1967, não ratificado pelos Estados Unidos, previa que a prática de dumping precisava ser a causa substancial de dano à indústria para a aplicação de medidas antidumping e diante da pressão dos países integrantes da CEE, sofreu revisão e a prática desleal deixou de ser a causa substancial de dano à indústria local a partir da Rodada Tóquio. A Lei de Tarifas e Comércio, aprovada em 1984, estabeleceu um nível

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GUEDES, Josefina Maria M.M., PINHEIRO, Silvia M.. Antidumping, subsídios e medidas

de um pedido de abertura de investigação, vetando-a nas importações cuja margem de dumping fosse inferior a 0,5%19.

O conceito de dumping nos Estados Unidos é expresso pela Lei Antidumping de 1930, correspondendo a venda para outro país de mercadoria abaixo do valor justo (less than fair value). O montante de um direito antidumping deverá corresponder à diferença entre o valor normal (foreign market value) da mercadoria e o preço da mesma para os EUA (U.S.Price). Assim, configura-se o dumping quando o U.S.Price for inferior ao valor normal da mercadoria, conforme previsto na seção 731 da Lei Antidumping de 193020.

No sistema norte-americano, a organização institucional referente ao comércio internacional caracteriza-se pela divisão de competências. A determinação de dumping é realizada pelo Departamento de Comércio, por meio do ITA (International Trade Administration), órgão do Departamento de Comércio criado em 1980 com a finalidade de promover o comércio internacional. Já a verificação da ocorrência do dano fica a cargo da Comissão de Comércio Internacional (International Trade Commision).

O Departamento de Comércio tem por finalidade determinar a existência da prática desleal e definir a margem de

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GUEDES, Josefina Maria M.M., PINHEIRO, Silvia M.. Antidumping, subsídios e medidas

compensatórias, 2 ed., São Paulo: Aduaneiras, 1996, p.29-30.

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International Trade Commision (ITC) elabora estudos, relatórios e recomendações referentes ao comércio internacional para análise do presidente, do congresso e de outros órgãos governamentais, tendo como principal função no que se refere ao dumping a apuração da existência de dano à indústria local. A existência de dano compreende a verificação de prejuízo para a indústria doméstica e a determinação de nexo de causalidade entre o dumping e esse prejuízo21.

A investigação preliminar geralmente inicia-se por petição entregue ao Departamento Comercial e ao ITC, embora o Departamento Comercial também pode, no caso de aumento substancial das importações (na hipótese de no período de três meses imediatamente anterior ao pedido de investigação, as importações analisadas representarem um aumento de 15%), iniciar a investigação sem que o empresário apresente petição alegando dano. Esses órgãos verificam, assim, se há indícios de prejuízos à indústria local e, posteriormente, se existe de fato a prática de dumping. Comprovada a prática desleal, o Departamento Comercial determina uma margem provisória de dumping e remete sua decisão ao ITC, que inicia o processo de verificação do nexo de causalidade entre o dumping e o dano material. Concluído o processo e havendo o ITC apurado o nexo de causalidade, os importadores devem pagar direitos antidumping

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BARRAL, Welber, MCGEE, Robert. Aplicação de medidas antidumping pelos Estados Unidos.

Revista Jurídica da Instituição Toledo de Ensino, n.20. Disponível em: <http://

Comercial22.

O dano diante das investigações norte-americanas será comprovado se houver: declínio real ou potencial da produção nas vendas, perda de mercado e aumento da capacidade instalada ociosa; alteração nos preços de venda do mercado doméstico e real e potencial efeitos negativos nos estoques, desemprego, salários e investimentos. Guilherme Johannpeter23 destaca que o dano poderá ser material ou simples ameaça, sendo considerado até mesmo quando as importações tiverem retardado o estabelecimento de uma indústria.