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Dano à indústria do país importador do produto

Para os efeitos da legislação antidumping brasileira, em consonância com a definição presente no Código Antidumping da OMC, “o termo dano será entendido como dano material ou ameaça de dano material à indústria doméstica já estabelecida ou retardamento sensível na implantação de tal indústria” 11. A caracterização do dano é essencial para a aplicação de medidas de defesa comercial, já que o dumping somente será condenável se trouxer prejuízos à indústria local do país importador. Assim, antes que se possa agir contra as importações objeto de dumping, deve-se comprovar que os produtos provenientes do exterior estão causando dano à indústria doméstica. O dano poderá ser material ou até mesmo uma ameaça capaz de retardar o estabelecimento de determinada indústria.

Para a aplicação de uma medida antidumping não basta apenas a exportação de produtos a preços mais baixos que os praticados no mercado interno do país exportador em percentual superior à margem de minimis, é imprescindível a prova do prejuízo, ou ameaça de prejuízo. Além disso, é necessário estabelecer o nexo causal entre o prejuízo e a prática de dumping. Como bem destaca Frederico do Valle Magalhães Marques12, várias consultas sobre a

11 Vale lembrar que pelo Código Antidumping aprovado na Rodada Kennedy em 1967, realizava- se uma comparação entre os fatores conjunturais causadores de dano a uma indústria e a prática de

dumping, verificando-se de forma comparativa se a prática desleal seria a principal causadora do

dano. A partir da Rodada Tóquio, concluída em 1979, os demais fatores de conjuntura econômica do país deixaram de ser considerados.

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MARQUES, Frederico do Valle M. O “dumping” na Organização Mundial do Comércio e no direito brasileiro. In: CASELLA, Paulo B. e MERCADANTE, Araminta de A. (Coord.), Guerra

prática de dumping são interrompidas nessa avaliação diante da impossibilidade, muitas vezes verificada, em se provar o nexo causal entre as importações a preços de dumping e o dano à indústria doméstica.

A definição de indústria doméstica ou indústria local é praticamente a mesma na legislação brasileira (art. 17, Decreto nº 1.602/95) e na OMC (art. 4.1, Código Antidumping), que a conceituam como a totalidade dos produtores nacionais do produto similar importado, ou, dentre eles, aqueles cuja produção conjunta constitua parcela significativa da produção nacional total, ficando excluídos os produtores vinculados aos importadores ou exportadores. Ambas as legislações prevêem ainda a possibilidade de existirem subdivisões espaciais relacionadas à produção do referido produto dentro de um mesmo território, admitindo a possibilidade da existência de mais de uma indústria doméstica no mesmo país. Em comparação com a Lei nº 8.884/94, a indústria doméstica definida na legislação antidumping encontra paridade com o conceito de mercado relevante, previsto no inciso II, art. 20, da lei antitruste, tratado no item 5, supra.

Em razão de sua relevância na determinação de ocorrência de dumping, grande parte do tempo dedicado em investigações antidumping, tanto no Brasil, como na União Européia e nos Estados Unidos, abrange a comprovação do dano como condição à aplicação do direito antidumping, sendo inequívoco o entendimento

que as maiores dificuldades na aplicação dos direitos antidumping encontram-se na comprovação e quantificação do dano causado à indústria do país importador.

De acordo com o Código Antidumping da OMC e o art.14 do Decreto nº 1.602/95, a determinação de dano deverá basear- se em provas materiais e incluir exame objetivo do volume das importações objeto de dumping, seu efeito sobre os preços de produtos similares no mercado interno e no conseqüente impacto das referidas importações sobre os produtores nacionais desses produtos. Na apuração do volume de importações objeto de dumping será analisado se houve aumento substancial das importações nessas condições, tanto em termos absolutos, quanto em relação à produção ou ao consumo no Brasil, e se o volume das importações não é insignificante, ou seja, se não é “inferior a 3% das importações pelo Brasil de produto similar, a não ser que os países que, individualmente, respondam por menos de 3% das importações do produto similar pelo Brasil sejam, coletivamente, responsáveis por mais de 7% das importações do produto”, conforme previsto no §3º, art. 14, do Decreto nº 1.602/95.

Na determinação do dano devem ser avaliados vários fatores de natureza econômica e social, previstos em caráter exemplificativo no art. 3.4. do Código Antidumping da OMC e no §8º, art. 14, do Decreto nº 1.602/95. Dentre os fatores previstos, destacam- se: a queda real ou potencial das vendas, dos lucros, da produção, da participação no mercado, da produtividade, do retorno de

investimentos ou da ocupação da capacidade instalada; efeitos negativos reais ou potenciais sobre fluxo de caixa, estoques, emprego, salários, crescimento, capacidade para aumentar capital ou obter investimentos; além de fatores que afetem os preços domésticos e a amplitude da margem de dumping.

Considerando os fatores apresentados, a ocorrência do dano pode ser evidenciada no caso de um significativo aumento das importações objeto de dumping, em que essas importações acarretem a redução dos preços domésticos de produtos similares aos importados, queda na produção, nas vendas, desemprego, além de outros fatores que podem ser apresentados pelos empresários locais para a demonstração dos prejuízos causados à indústria doméstica pela prática desleal. Essa relação de fatores indicativos de dano apresentada na legislação antidumping, vale ressaltar, não é exaustiva.

Comprovado o dano material, o art. 15 do Decreto nº 1.602/95, baseado no art. 3.5 do Código Antidumping da OMC, exige ainda a demonstração do nexo causal entre as importações objeto de dumping e o dano à indústria doméstica, com a finalidade de verificar em que medida as importações objeto de dumping são responsáveis pelo dano causado à indústria doméstica. A demonstração deve ser feita com base na análise dos elementos de prova pertinentes, outros fatores conhecidos, além das importações objeto de dumping, que possam estar causando dano à indústria doméstica na mesma ocasião,

e tais danos, provocados por motivos alheios às importações objeto de dumping, não serão imputados àquelas importações13.

A ameaça de dano material também autoriza a aplicação de medidas antidumping para neutralizar os possíveis prejuízos a serem causados pela prática desleal. O art. 16 do Decreto nº 1.602/95 em consonância com o Código Antidumping da OMC, dispõe que “a determinação da existência de ameaça de dano material basear-se-á em fatos e em motivo convincente” e “a alteração de condições vigentes, que possa criar uma situação em que o dumping causaria dano, deve ser claramente previsível e iminente”. Assim, a determinação da ameaça de dano é admitida somente no caso em que as circunstâncias revelam às autoridades competentes que o dano material certamente ocorrerá se as medidas pertinentes não forem adotadas.

Na definição da ameaça de dano material devem ser analisados os seguintes fatores, previstos no art. 16 do Decreto nº 1.602/95: expressivo aumento nas importações objeto de dumping, indicativa de provável aumento substancial destas importações no país importador; crescimento da disponibilidade ou aumento substancial na capacidade do exportador que indiquem grande probabilidade de haver um significativo aumento das exportações a preços de dumping

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O §1º, art. 15, do Decreto nº 1.602/95, inclui entre os “fatores relevantes nessas condições, entre outros, volume e preço de importações que não se vendam a preços de dumping, contração na demanda ou mudanças nos padrões de consumo, práticas restritivas ao comércio pelos produtores domésticos e estrangeiros, e a concorrência entre eles, progresso tecnológico, desempenho exportador e produtividade da indústria doméstica”.

para o país importador; importações realizadas a preços que terão significativo efeito de reduzir preços domésticos ou impedir o aumento dos mesmos, ocasionando novas importações; e, estoques de produtos sob investigação.

De acordo com o disposto no §2º, art. 16, do Decreto nº 1.602/95, esses fatores não devem ser considerados isoladamente e não são decisivos na caracterização do dumping, mas a totalidade deles levará, necessariamente, à conclusão de que mais importações objeto de dumping são iminentes e, caso não forem adotadas medidas de proteção, ocorrerá dano material. As dificuldades de comprovação da ameaça de dano são maiores do que as apresentadas pelo dano material e visível, fazendo com que direitos antidumping baseados na ameaça de dano material sejam aplicados em menor proporção que os aplicados com base no dano concreto.

CAPÍTULO 6

Mecanismos legais de coibição à prática de dumping

25. Medidas legais de repressão ao dumping 26. Medidas antidumping provisórias 27. Compromissos de preços 28. Imposição e cobrança de direitos antidumping 29. Medidas antidumping em nome de terceiro país

25. Medidas legais de repressão ao dumping

Em termos genéricos, o procedimento antidumping abrange um processo de investigação para a determinação da existência, do grau e do efeito da prática de dumping, iniciando-se por meio de petição encaminhada pela indústria doméstica, ou em seu nome, à Secretaria de Comércio Exterior (Secex) ou, em casos excepcionais, de ofício pelas autoridades competentes, conforme apresentado no item 18, supra. Se a Secex, por meio do seu Departamento de Defesa Comercial (Decom), chegar a uma determinação final da existência de dumping, de dano e de nexo causal entre eles, a investigação poderá ser encerrada com a aplicação de direitos antidumping, conforme a decisão dos ministros de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Fazenda.

Além da aplicação de direitos antidumping, existem outros mecanismos legais utilizados para combater os efeitos do dumping no mercado interno do país importador e reprimir a

ocorrência da prática desleal. Esses mecanismos são as medidas antidumping provisórias e os compromissos de preços, aplicados pelas autoridades competentes desde que preenchidos uma série de requisitos previstos no Decreto nº 1.602/95.

Os direitos antidumping possuem a finalidade exclusiva de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto de dumping, restabelecendo o equilíbrio de competitividade rompido no mercado interno pela prática desleal. As medidas antidumping provisórias destinam-se a corrigir uma situação irregular, correspondendo a uma proteção temporária e cautelar, diante do longo tempo demandado no trâmite da ação antidumping, que pode provocar sérias conseqüências à indústria nacional. Os compromissos de preços, firmados entre as partes interessadas nas investigações, são acordos realizados com a finalidade de suspender o prosseguimento da investigação sem a aplicação de medidas se o exportador comprometer-se a não realizar exportações que configurem a prática de dumping.

Em relação à aplicação das medidas antidumping, vale lembrar que o Código Antidumping da OMC não impõe aos Países- Membros a adoção dessas medidas diante da caracterização da prática desleal, somente os autoriza a aplicá-las, atribuindo caráter discricionário à legislação antidumping. Esse posicionamento mantém a tendência de condenar o dumping sem proibi-lo, constante na legislação antidumping do GATT, desenvolvida ao longo das Rodadas

de Negociações com a finalidade de não transformar a aplicação de medidas antidumping em um entrave ao comércio internacional.

Não obstante, a discricionariedade na aplicação de medidas antidumping tornou-se o grande problema da legislação, já que permite sua utilização de acordo com interesses protecionistas, que se afastam dos legítimos interesses da legislação antidumping, destinada a proteger os empresários locais do país importador contra as práticas desleais dos competidores internacionais sem ofender, entretanto, a livre concorrência no país. Em razão do caráter protecionista identificado na aplicação de algumas medidas antidumping, pode-se afirmar que o processo de apuração do dumping e a sua caracterização como prática condenável apresentam maior utilidade que a aplicação das medidas antidumping, quando essas são aplicadas de forma indevida, em prejuízo da concorrência.

Como bem ressalta José Roberto Pernomiam Rodrigues14, na aplicação das medidas antidumping, as autoridades competentes devem considerar que as regras de mercado atuam de forma diversa das manipulações passíveis de serem feitas com as normas jurídicas. Na utilização dos mecanismos de coibição à prática desleal, a finalidade da legislação antidumping, ou seja, a defesa comercial dos empresários locais contra a concorrência predatória externa, deve prevalecer sobre interesses relacionados à manutenção

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RODRIGUES, José Roberto Pernomiam. Os efeitos do dumping sobre a competição, Revista de

protecionista de setores específicos da indústria nacional, caracterizados pela ineficiência produtiva.

Nesse aspecto, a precisão na aplicação de medidas antidumping pelas autoridades competentes pode ampliar os efeitos da finalidade da legislação antidumping em benefício dos consumidores nacionais, ao coibir exclusivamente as importações prejudiciais à indústria nacional e assegurar a livre concorrência no país. Entretanto, se essas medidas forem aplicadas em caráter protecionista, os interesses dos consumidores não serão alcançados, já que medidas antidumping protecionistas “desmotivam” os empresários locais a investirem no desenvolvimento tecnológico de seus produtos e a reduzirem seus preços. Qualquer espécie de restrição protecionista imposta aos competidores internacionais por um país contribui para a inibição dos investimentos destinados ao aperfeiçoamento dos produtos nacionais, permitindo que seus preços mantenham-se artificialmente altos em relação aos praticados no comércio internacional.

Phedon Nicolaides15 exterioriza sua concepção sobre a aplicação de medidas antidumping afirmando que “mesmo quando exista um eventual problema de competição, direitos antidumping não são necessariamente a melhor resposta política, ao contrário, é mais provável que aumentem a segmentação do mercado, o que piora a

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NICOLAIDES, Phedon. The competition effects of dumping, Journal of World Trade, n.5, p.116, 1990 apud RODRIGUES, José Roberto Pernomiam. Os efeitos do dumping sobre a competição, Revista de Direito Econômico, n. 22, p.29-43, jan./ mar.1996.

competição”. Ao concluir sobre a questão, Nicolaides assevera que “o comércio internacional funcionará muito melhor não estendendo o domínio de medidas antidumping, mas limitando-o” 16.