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Coibição à infração à ordem econômica e o controle preventivo

Condutas empresariais que configuram infração à ordem econômica, como a formação de cartel (organização de produtores dentro de um setor empresarial que determina as políticas de preço para todos os empresários desse setor, causando, ou podendo causar, danos ao livre mercado)17 e a prática de underselling (venda de bens abaixo do preço de custo que causa, ou possa causar, restrições às estruturas do livre mercado) são objeto de repressão administrativa pelo Estado, que intervém nesses casos para defender a livre concorrência por intermédio do Cade. Essas condutas infracionais, além de serem coibidas no âmbito administrativo, também podem ensejar a repressão civil (art. 29, Lei nº 8.884/94 e art. 159, Código Civil) e penal (arts. 4, 5 e 6, Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990).

A responsabilização administrativa do empresário por infração à ordem econômica é totalmente independente das responsabilidades civil e penal em razão da mesma conduta. O Cade não possui competência para julgar conflitos entre partes privadas, não tendo legitimidade para defender interesses individuais, ainda que se trate de causas de concorrência desleal. O art. 29 da Lei nº 8.884/94 permite ao particular que se sentir lesado por uma prática anticoncorrencial requerer em juízo a determinação de sua cessação,

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MALARD, Neide Teresinha. O cartel. Revista de direito econômico, n.21, p.31-49, out./dez. 1995.

cumulada com o pedido de indenização pelas perdas e danos decorrentes com base no art. 159 do Código Civil. No caso, trata-se de responsabilidade civil do empresário em razão de conduta empresarial ilícita que possibilita o curso simultâneo de processo civil e administrativo relativos à mesma matéria, não existindo incompatibilidade entre as duas instâncias e, como adverte José Inácio Gonzaga Franceschini18, litispendência, já que os processos e as respectivas decisões são independentes entre si.

No âmbito administrativo, a legislação antitruste prevê sanções administrativas de natureza pecuniária e de natureza não pecuniária para coibir condutas dos agentes econômicos que configurem infração à ordem econômica. As sanções de natureza pecuniária são previstas no art. 23 da Lei nº 8.884/94. No caso de pessoa jurídica empresarial é prevista multa de 1% a 30% do valor do faturamento bruto em seu último exercício, excluídos os impostos. Para o administrador, responsável direto ou indireto pela infração à ordem econômica, é prevista multa de 10% a 50% do valor da multa que seria aplicável ao empresário. Como o abuso do poder econômico pode ser perpetrado por pessoa física, pessoa jurídica não empresarial (associação profissional ou pessoa jurídica de direito público) ou ainda por ente despersonalizado, a lei também trata de multa em valor fixo, independentemente do faturamento. Assim, não sendo possível utilizar-se do valor do faturamento bruto, a multa será de seis mil a seis milhões de Unidades Fiscais de Referência (UFIR), ou padrão

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FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao direito da concorrência, Revista de

superveniente. Havendo reincidência a multa será aplicada em dobro e poderá ser aplicada cumulativamente ou isoladamente ao administrador e ao empresário.

Quanto às sanções não pecuniárias, previstas no art. 24 da Lei nº 8.884/94, elas envolvem medidas como a publicação de notícia sobre a ocorrência de prática anticoncorrencial durante dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas, em meia página e por conta do infrator em jornal indicado na decisão; a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; a proibição de participar de licitação durante 5 anos consecutivos e de celebrar contratos com instituições financeiras; recomendação aos órgãos públicos para que seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator, entre outras penalidades previstas no referido art. 24 da lei antitruste.

Fábio Ulhoa Coelho19 destaca a possibilidade da mesma conduta empresarial caracterizar infração à ordem econômica e também crime contra a ordem econômica previsto na Lei nº 8.137/90. Segundo Ulhoa, a hipótese verifica-se quando a conduta é descrita ao mesmo tempo pelos arts. 20 e 21 da Lei n° 8.884/94 e pelos arts. 4° a 6° da Lei n° 8137/90, que ensejam ação penal pública incondicionada. Nessa hipótese sobrepõem-se as sanções administrativa e penal, não existindo similitude entre uma e outra

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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, 2 ed., São Paulo: Saraiva, 1999, v.1, p. 231.

categoria de ilícitos, ou seja, o empresário pode ser sancionado por infração à ordem econômica e não cometer crime algum, e vice-versa.

No campo da responsabilidade civil, uma vez caracterizada a conduta infracional do empresário, estará ele sujeito à sanção administrativa imposta pelo Cade e também à responsabilização civil em juízo. A possibilidade do lesado por infração à ordem econômica demandar perdas e danos do empresário infrator está especificamente prevista no art. 29 da lei antitruste, que assegura os mesmos direitos aos legitimados para a tutela de interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos20. A imposição de penalidade administrativa contra o empresário demandado não é condição para o exercício da ação judicial de indenização, mas apenas um consistente elemento de prova que deve ser considerado pelo demandante, como bem ressalta Fábio Ulhoa21.

Como guardião da livre concorrência no país, o Cade, além da atuação repressiva às infrações à ordem econômica, destaca- se também pela atuação preventiva. Embora na atual lei antitruste há o predomínio de dispositivos reguladores da repressão à infração à ordem econômica (arts. 15 a 53) em relação às normas de caráter preventivo (arts. 54 a 58), o Cade tem se destacado mais pela apreciação dos atos de concentração do que pelo julgamento dos processos administrativos sobre condutas infracionais.

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No caso de ofensa a interesse individual tem legitimidade ativa apenas o sujeito lesado. Atingindo interesses transindividuais, possuem legitimidade ativa os órgãos ou entidades do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor.

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No caso AmBev, o Cade exerceu o controle preventivo porque a fusão ocorrida enquadra-se na hipótese prevista no §3º, art. 54, da Lei n° 8.884/94. De acordo com mencionado dispositivo, devem ser submetidos a apreciação do Cade os atos que visem a qualquer forma de concentração econômica por meio de fusão ou incorporação de empresas ou qualquer agrupamento societário que envolva participação de empresário ou grupo de empresários resultante em 20% de um mercado relevante, ou em que qualquer um dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a 400 milhões de reais. A união da Brahma e da Artarctica representava cerca de 72% do mercado de cerveja no Brasil e 40% do mercado de bebidas em geral, justificando a atuação da autarquia.

Quando presentes os requisitos previstos na lei, torna- se obrigatório o exame dos efeitos do ato pelo Cade, cuja aprovação é condição para o seu aperfeiçoamento. Conforme previsto na lei antitruste (§4º, art. 54), não é necessário que o ato seja submetido à análise da autarquia previamente à assinatura dos respectivos instrumentos, as partes possuem o prazo de quinze dias úteis seguintes à realização da operação para submeterem o ato à apreciação do Cade, podendo, assim, concretizarem o negócio jurídico antes do pronunciamento da autarquia. Se o ato for rejeitado pelo órgão governamental, o §9° do art. 54 determina a sua desconstituição, total ou parcial.

Na hipótese do Cade aprovar o ato submetido à sua apreciação na forma do art. 54, definirá os termos do compromisso de desempenho a ser firmado pelos interessados, de forma a assegurar o cumprimento das condições estabelecidas no §1° do art. 54. Assim, se a autarquia aprova determinado ato de concentração em decorrência da perspectiva de elevação do nível de emprego em determinada região, conforme projetado pelas partes, pela Secretaria de Política Industrial ou pela Secretaria de Direito Econômico, é necessário verificar se tal fato realmente ocorrerá. O controle é realizado por meio do cumprimento das metas estabelecidas no compromisso de desempenho.

CAPÍTULO 2

Dumping: prática desleal no comércio internacional

6. Definição de dumping 7. Natureza jurídica do dumping 8. A prática de