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A prática de dumping e sua difícil caracterização como

item seguinte, a caracterização de dumping como ilícito previsto na lei antitruste brasileira é de difícil ocorrência prática.

8. A prática de dumping e sua difícil caracterização como infração à ordem econômica

A Lei nº 8.884/94 faz apenas uma breve referência à prática de dumping, inserindo-a entre as outras hipóteses

caracterizadoras de infração à ordem econômica exemplificadas no art. 21. De acordo com o inciso XIX do referido dispositivo, a intervenção do Cade ou da Secretaria de Direito Econômico (SDE) justifica-se somente no caso da ocorrência de importação de bens abaixo do custo, de um país não signatário do Código Antidumping e do Código de Subsídios do GATT, que tenha a finalidade ou o efeito de eliminar ou prejudicar a concorrência, dominar mercados ou aumentar arbitrariamente os lucros.

A análise do dispositivo legal permite concluir que o tratamento atribuído ao dumping pela legislação antitruste brasileira dificulta sua caracterização como infração à ordem econômica, já que para caracterizar o tipo legal da infração, além dos requisitos previstos no art. 2035, o inciso XIX do art. 21, descreve a conduta de importar bens abaixo do preço de custo praticado no mercado interno do país exportador, que não pode ser signatário do Código Antidumping do GATT.

O requisito da importação do bem abaixo do preço de custo praticado no mercado interno do país exportador não se encontra em consonância com o tratamento atribuído ao tema no âmbito mundial. As normas antidumping da OMC, da mesma forma que as normas brasileiras de coibição à prática desleal, não exigem para a

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Art. 20. “Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante.”

configuração do dumping a venda abaixo do preço de custo, mas apenas a venda do bem no mercado do país importador a preço inferior ao valor normal do bem praticado no mercado do país exportador, que eventualmente pode ser realizada abaixo do preço de custo, mas não necessariamente.

A princípio, os requisitos previstos no inciso XIX não constituiriam obstáculos indeléveis à configuração da prática de dumping, já que o art. 21 possui apenas caráter exemplificativo. Entretanto, o art. 91 da Lei nº 8.884/94 exclui do alcance da lei antitruste os casos de dumping envolvendo os países signatários do Código Antidumping do GATT, ao prever que “O disposto nesta Lei não se aplica aos casos de dumping e subsídios de que tratam os Acordos Relativos à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, promulgados pelos Decretos nº 93.941 e nº 93.962, de 16 e 22 de janeiro de 1987, respectivamente.”

No âmbito do Cade prevalece o entendimento que o art. 91 da lei antitruste exclui da competência da autarquia os casos de dumping envolvendo países signatários do GATT. Entre as decisões do Cade envolvendo a prática de dumping, ressalta-se o voto proferido em 1º de outubro de 1997, referente a Representação nº 72/93, em que se decidiu que “o Cade carece de competência para conhecer de processos que tenham o dumping por objeto”. Em seu voto, o conselheiro do Cade destaca que “Embora nos autos não haja clara identificação do país exportador, registra-se às fls. (...) que a Cougar

Electronic Organization, Inc. possui matriz nos Estados Unidos e filiais no Canadá, Bélgica, Hong-Kong e Oriente Médio, países signatários do GATT, o que resulta na aplicação do art. 91 da Lei nº 8.884/94. Assim, opino pelo conhecimento do recurso de ofício da Secretaria de Direito Econômico para negar-lhe provimento e manter a decisão de arquivamento do feito”.36

Nesse contexto, a prática de dumping não apresenta relevância no âmbito de atuação do Cade, estando o tema praticamente restrito à atuação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, onde a prática desleal recebe tratamento específico na Secretaria de Comércio Exterior (Secex), que possui um departamento especializado em defesa comercial, o Departamento de Defesa Comercial (Decom). Cumpre ressaltar que o combate à prática de dumping exige procedimentos extremamente técnicos e complexos, que devem estar em consonância com as normas antidumping da OMC, a fim de evitar que as controvérsias oriundas da aplicação inadequada de medidas antidumping pelo Brasil repercutem negativamente entre os países participantes do comércio internacional.

Por essas razões, mostra-se adequado o tratamento atribuído ao dumping no Brasil, submetendo-o aos limites do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que conta com uma organização institucional própria e especializada para tratar de um tema que se configura apenas nas relações empresariais

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FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Lei da concorrência conforme interpretada pelo Cade. São Paulo: Singular, 1998, p.720.

de caráter internacional. Ao Cade cabe tratar as condutas empresariais de caráter interno que causam, ou possam causar, os efeitos previstos no §4º, art. 173, da Constituição Federal, reproduzidos no art. 20 da Lei nº 8.884/94.

Por fim, deve-se destacar que a Lei nº 8.884/94 não se refere ao exportador brasileiro que pratica dumping, vendendo produtos brasileiros no exterior a preços inferiores aos praticados no mercado nacional. A repressão ao dumping praticado pelo exportador brasileiro é realizada pelos países importadores prejudicados e na hipótese da aplicação de medidas antidumping que desrespeitem as normas da OMC, cabe às autoridades brasileiras a defesa dos direitos violados perante o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio.