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06.04 – A evolução da receita obtida no dia da Festa Grande

No dia da chamada Festa Grande a Mordomia armava aquilo a que denominava de «Mesa». Nela tinham lugar alguns mordomos que, ao longo do dia da Festa, recebiam as ofertas dos peregrinos e fiéis de Nossa Senhora da Piedade. Essas ofertas eram, na sua esmagadora maioria, e ao contrário do acontecido no peditório efectuado pelos campos, doadas em dinheiro (economia monetária). Tratavam-se das chamadas «esmolas para a Virgem». Mas também havia quem efectuasse a sua doação em géneros

- 20,0 40,0 60,0

1815 1821 1826 1831 1836 1842 1847 1852 1857 1862 1867 1872 1877 1882 1887 1892 1897 1902 1907

Receita obtida através do peditório com a coroa (em réis)

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 1815 1821 1826 1831 1836 1842 1847 1852 1857 1862 1867 1872 1877 1882 1887 1892 1897 1902 1907

(economia de subsistência). Disso é testemunho uma notícia publicada, em 1889, num periódico local: «O pároco tem, desde tempo imemorial, metade das ofertas de trigo e dinheiro; mas só do trigo que levam à capela e não do que pedem pelos montes, mas do que oferecem por ocasião da festa, em cujos dias tudo é para a Senhora; de modo que, propina do pároco não faz falta, visto que sendo a totalidade da receita 500$000 reis, [a]proximadamente o prior recebeu o ano passado vinte alqueires de trigo a 15$970 reis»79. Quer fossem esmolas em dinheiro, quer fossem em géneros, tudo a Mordomia aceitava.

No dia da Festa anual era também costume proceder à tradicional «venda dos Ramos». Não se sabe, ao certo, em que consistia esta venda. Mas, provavelmente, este costume deve ter tido a sua origem na grande afluência das populações rurais, no dia da Festa, a Loulé. As populações dos arrabaldes de Loulé deslocavam-se até à vila para pedir misericórdia para as suas colheitas. Desse facto é testemunha a reportagem jornalística sobre a Festa de 1892, onde se pode ler que «portas adentro da igreja poucos foram os que puderam assistir, visto a estreiteza do templo e o hábito da gente do campo, em assenhorar-se logo de todos os lugares»80. Vinham pedir-Lhe boas condições meteorológicas para o florescimento do seu ganha pão. Vinham pedir-Lhe piedade e misericórdia. «E a misericórdia que mais solicitavam era a de água em tempo de seca». Porque, «sem água a vegetação morre, o fruto estiola, vem a fome e a morte»81. E os ramos podiam, aqui, simbolizar o bom augúrio para essas colheitas. A Mordomia, vendo esse facto, terá entrado em acção. E começa, dessa forma, a vender ramos no dia da Festa. Em 1931, no «auto de entrega» dos bens pertencentes à Mordomia que tinham sido nacionalizados em 1911, pode-se ler a devolução, entre outras alfaias religiosas, de «um caixão de madeira para as esmolas a trigo» e de «quatro caixões de madeira para guardar flores»82.

Para melhor proceder à análise, acabei por juntar a receita obtida pela Mesa no dia da Festa, com a venda de ramos no mesmo dia.

79 Cf. «Festividade», in O Algarvio, n.º 6, de 5 de Maio de 1889, p. 2. 80 Cf. «Festa», in O Algarvio, n.º 164, de 15 de Maio de 1892, p. 1. 81 Cf. Joaquim Romero MAGALHÃES, art. cit.

82 Ver a escritura do Auto de Entrega dos bens afectos à paróquia de São Sebastião à Corporação

Fabriqueira Paroquial de São Sebastião de Loulé. Ver a seguinte cota no A.M.L.: PT/AMLLE/AL/ACLLE/C/G/001/cd 004 (1910).

Analisando esta variável ao longo de todo o século XIX, bem como ao longo da primeira década do século XX, consegue-se traçar uma tendência de crescimento. Estas receitas vão em crescendo, registando o seu máximo no ano de 1895, em que chegam aos 206$585 réis, isto é, mais de quatro vezes as receitas obtidas pela «Mesa» na Festa de 1894, e quase o dobro das receitas que a «Mesa» viria a obter no ano de 1896.

Outra das informações que nos é fornecida pelos Livros de Contas da Mordomia é o facto de que, ao longo do século XIX, nem sempre a Festa se realizou na sua data original. Que, como já se viu, era «na segunda-feira depois das oitavas da Páscoa (dia de Nossa Senhora dos Prazeres)»83. Por seis ocasiões, tal não sucedeu. Tendo a Festa sido adiada para mais tarde. Em 1866, 1868 e 1871, a Festa celebrar-se-ia em Dezembro. Em 1875, realizar-se-ia em Novembro. Em 1876, em Agosto. E, finalmente, em 1893, celebrar-se-ia em Setembro. O principal motivo que terá estado na base destes pontuais adiamentos da Festa, terão sido as chamadas «emigrações sazonais». Por essa altura, sabe-se que milhares de pessoas residentes no concelho de Loulé emigravam, temporariamente, à procura de trabalho. E a maior oferta de trabalho era a tradicional «apanha das colheitas», que, por essa altura, tinha lugar. Era, desta forma, frequente a deslocação temporária de grandes massas de louletanos, que no Alentejo, nas Beiras e em Espanha, nomeadamente nas vastas plantações da vizinha Andaluzia, iam para a chamada «apanha das colheitas»84. Nessas seis ocasiões, o peditório pelos campos, foi, também ele, adiado. Deixou de se efectuar vinte dias antes da Festa, como de costume, e passou a ser realizado nos dois meses imediatamente antecedentes ao mês para o qual a Festa tinha sido adiada.

A partir de 1835 e até ao final do século XIX, assiste-se a uma tendência de crescimento nesta rubrica. A receita amealhada pela Mordomia, no dia da Festa, vai aumentando. Chegando, em 1895, ao valor máximo de 206$585 réis.

Ao nível do peso relativo desta rubrica no total da receita anual da Mordomia, verifica-se que o seu mínimo relativo foi em 1813 (6,5% do total da receita anual desse ano), e o seu máximo relativo deu-se em 1900 (39% do total da receita anual desse ano).

O facto de as receitas obtidas no dia da Festa apresentarem, praticamente, uma tendência de crescimento, deve ser visto num quadro de constante aumento

83 Cf. Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho LEAL, op. cit., p. 448, e, cf., igualmente,

SANTA MARIA, Frei Agostinho de, Santuário Mariano, tomo VI, 1716, p. 412.

populacional, registado quer ao nível da população residente na vila, quer ao nível da população residente no concelho, ao longo de todo o século XIX. A população registada na vila mais do que triplicou ao longo do século XIX, passando de 7.368 pessoas, em 1802, para 22.478 pessoas, em 1900. Ora, este facto deve, também ele, ter concorrido para o aumento do número de fiéis que participavam na Festa. Sobre esta rubrica das receitas da Mordomia, veja-se os gráficos n.º 10 e n.º 11.

Gráfico n.º 10:

Gráfico n.º 11:

Fontes: A.M.L., Livro de Contas da Mordomia de Nossa Senhora da Piedade, 1806- 1842; A.M.L., Livro de Contas da Mordomia de Nossa Senhora da Piedade, 1842-1865; A.M.L., Livro de Contas da Mordomia de Nossa Senhora da Piedade, 1866-1909; A.M.L., Livro de Contas da Mordomia de Nossa Senhora da Piedade, 1910.

- 50,0 100,0 150,0 200,0 250,0 1835 1841 1846 1851 1856 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896 1901 1906 1911

Receitas obtidas no dia da Festa Grande, entre 1835 e 1911 (em réis)

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 1835 1841 1846 1851 1856 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896 1901 1906 1911