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01 – A Festa da Piedade no virar do século XIX para o século XX: uma das

Em Abril de 1901, podia-se ler nas páginas d’O Pregoeiro que a Imagem de Nossa Senhora da Piedade «é sem dúvida alguma, a de maior número de devotos que há no Algarve»213. Era assim em 1901; continua a ser em 2013.

Em Abril de 1895, um articulista do jornal O Século, noticiava o seguinte: «Os festejos da Piedade estão esplendorosos. O arraial é o melhor que se tem feito na província. A iluminação é brilhantíssima, os fogos de primeira ordem e a procissão verdadeiramente majestosa. A concorrência excedeu a expectativa. Mais de 20.000 pessoas! A banda de caçadores 4 tocou magistralmente. Foi completa a ordem e extraordinário o entusiasmo»214.

Passados seis anos, em Abril de 1901, uma reportagem sobre a Festa Pequena desse ano, publicada numa edição d’O Pregoeiro, dava conta do seguinte: «Como o dia estava o que se chama um dia de Primavera e aquela imagem é sem dúvida alguma, a de maior número de devotos que há no Algarve, a concorrência de fiéis era numerosíssima, não inferior a 10 mil»215.

Passados nove anos, em Abril de 1910, num «acto de desagravo pelas injúrias arremessadas por filhos transviados à tão boa e terna Mãe»216, a Igreja conseguiu reunir entre «30.000 a 40.000 fiéis»217 numa peregrinação à ermida de Nossa Senhora da Piedade. Essa manifestação de desagrado, organizada pela Igreja, visava demonstrar a indignação que trespassava pela alma do povo católico, uma vez que, segundo eles, a Virgem tinha sido desfeiteada pelos republicanos de Lisboa218. Ou, por outras palavras,

213 Cf. O Pregoeiro, de 11 de Abril de 1901.

214 Cf. «Festejos em Loulé», in O Século, n.º 4.767, de 30 de Abril de 1895, p. 2. 215 Cf. O Pregoeiro, de 11 de Abril de 1901.

216 Cf. «Romaria a Nossa Senhora da Piedade», in Noticias de Loulé, n.º 46, de 10 de Abril de

1910, p. 1.

217 Cf. «Imponentíssima Manifestação de Fé. Aclamam a Virgem Santíssima da Piedade 30.000 a

40.000 fiéis», in Noticias de Loulé, n.º 48, de 24 de Abril de 1910, p. 1.

visava combater o cada vez mais aguerrido laicismo evidenciado pelos republicanos. O semanário louletano Noticias de Loulé, na sua edição de 16 de Abril de 1910, informava que: «Já as confrarias se encontravam no adro junto ao andor de Nossa Senhora e ao altar previamente preparado para a Missa Campal, e ainda a ladeira e a estrada, até próximo do convento de Santo António, se viam cheias de gente».

«No adro e nas propriedades vizinhas a aglomeração era já enorme».

«As arvores d’onde se avistava o altar estavam chumbando, não com o peso dos frutos, mas das pessoas nelas empoleiradas».

«Fala-se em 35.000 [pessoas]»219.

A reportagem referente à Festa de 1914, publicada n’O Algarve, informava que a afluência à Festa da Piedade desse ano tinha sido «extraordinária, certamente excedente a quinze mil pessoas»220.

Mas, se a Festa da Piedade era a maior festa religiosa da província algarvia, como seria comparativamente, no que diz respeito à concorrência de fiéis, em relação às restantes festas religiosas celebradas no país?

Ora, na segunda metade do século XIX, as maiores romarias religiosas do país tinham lugar no Minho. Tal como ainda hoje em dia. São Torcato (a uma légua de Guimarães), o Bom Jesus do Monte e a Senhora do Sameiro (ambos em Braga), a Senhora da Agonia (em Viana do Castelo) e a Senhora do Alívio (em Soutelo, Vila Verde) eram algumas das mais concorridas festividades sacro-profanas da região do Minho221. E, por conseguinte, de todo o país.

Porém, esta popularidade era, por vezes, mais ancestral. Segundo Pedro Penteado, em 1692, no dia da festa principal em honra do Senhor Bom Jesus de

Por outro lado, o Noticias de Loulé avançava com uma explicação mais pormenorizada do que tinha acontecido em Lisboa: «Não há muitos meses, foi em dezembro, no dia em que os filhos de Maria festejam solenemente a Imaculada Conceição da Mãe de Deus e dos homens, que alguns loucos julgaram ser ocasião oportuna para, afrontando as crenças da grande maioria do país, mostrarem a delicadeza e generosidade dos seus sentimentos, dirigindo os maiores insultos à Virgem, Padroeira do Reino» in «Romaria a Nossa Senhora da Piedade», in Noticias de Loulé, n.º 46, de 10 de Abril de 1910, p. 1.

219 Cf. «Imponentíssima Manifestação de Fé. Aclamam a Virgem Santíssima da Piedade 30.000 a

40.000 fiéis», op. cit.

220 Cf. «Senhora da Piedade», in O Algarve, n.º 319, de 3 de Maio de 1914, p. 2.

221 Cf. CASCÃO, Rui, «Vida quotidiana e sociabilidade», in O Liberalismo (1807 – 1890),

coordenado por Luís Reis Torgal e por João Lourenço Roque, volume V da História de Portugal, dirigida por José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 521.

Matosinhos, a igreja do Bom Jesus de Matosinhos teria acolhido «mais de 20 000 visitantes» 222 ou, «segundo cálculos mais optimistas, teria acolhido 25 mil visitantes»223.

Em 1742, nos dias da romaria celebrada em honra de Nossa Senhora da Nazaré (Nazaré), passaram pelo Sítio cerca de «20 000 pessoas»224.

Em Junho de 1871, «por ocasião das bodas de prata de Pio IX com a thiara, realizou-se uma grande peregrinação ao Sameiro, composta por 50 a 60.000 pessoas»225. Em 1884, na altura das cerimónias de comemoração do primeiro centenário do Bom Jesus do Monte, em Braga, ter-se-ão deslocado ao santuário uma quantidade nunca antes vista de romeiros. Os números, porém, não coincidem entre si. Pedro Penteado fala em «50 mil visitantes»226, Rui Cascão menciona «cerca de 90 000 romeiros»227. Sabe-se, no entanto, que só o comboio «tinha trazido a Braga 16.800 passageiros»228, para participarem nessas comemorações. Refira-se que o início da exploração da linha ferroviária Porto – Braga, em Maio de 1875, foi decisivo no sentido de ter concorrido para o aumento do número de peregrinos que se deslocavam aos santuários mais populares da região229.

Porém, não era só a região minhota o palco de grandes romarias. Em 1880, perto de Oliveira de Azeméis, no Monte dos Crastos, a capela de Nossa Senhora de La

222 Cf. Pedro PENTEADO, «Peregrinações e Santuários», in História Religiosa de Portugal,

dirigida por Carlos Moreira Azevedo, volume II, Humanismos e Reformas, coor. João Francisco Marques e António Camões Gouveia, Lisboa, Circulo de Leitores, 2000, p. 355.

223 Cf. Pedro PENTEADO, «Para Uma História dos Santuários Portugueses», in Piedade

Popular. Sociabilidades – Representações – Espiritualidades, Centro de História da Cultura e História

das Ideias, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Terramar, 1999, p. 45.

224 Cf. Pedro PENTEADO, «Peregrinações e Santuários», op. cit., p. 350. 225 Cf. Alberto PMENTEL, op. cit., p. 406.

226 Cf. Pedro PENTEADO, «Para Uma História dos Santuários Portugueses», op. cit., p. 52. 227 Cf. Rui CASCÃO, op. cit., p. 521.

228 Cf. Pedro PENTEADO, «Para Uma História dos Santuários Portugueses», op. cit., p. 49. 229 Cf. PENTEADO, Pedro, «Para Uma História dos Santuários Portugueses», op. cit., p. 49.

Sallete230 era solenemente inaugurada sob a presença de «15 a 20 mil devotos no local»231.

Em 1916, perto de Miranda do Corvo (distrito de Coimbra), a festa do Senhor do Semide reunia cerca «20 mil forasteiros»232.

Mais para Sul, nomeadamente na freguesia da Atalaia (concelho do Montijo), a festa da Senhora da Atalaia era a que movimentava um maior número de fiéis. Em 1873, Pinho Leal, no seu, sempre útil, Portugal Antigo e Moderno, referia-se ao santuário da Senhora da Atalaia como sendo o «mais célebre santuário do Alentejo e da Extremadura, não pela magnificência do edifício, mas pela devoção popular, que traz aqui todo o verão uma multidão de romeiros, de muitas léguas de distância»233. Acerca desta romaria, Leite de Vasconcelos escreveria o seguinte: «No distrito de Lisboa pode afirmar-se que são aquelas as festas mais concorridas pela classe popular. Alguns anos têm-se ali juntado cerca de 10.000 pessoas. Dura três dias»234. Ainda sobre esta festa, Rui Cascão informa que, em 1876, estiveram presentes 25 círios235. Sabendo-se que o número médio de peregrinos por círio andava à volta de 350236, facilmente se chega ao número de 10.000 romeiros.

Sabe-se, igualmente, que no princípio do século XX a romaria do Senhor da Serra, em Belas (concelho de Sintra), atraía «em anos normais» entre «10 000 e 12 000 pessoas»237.

Ora, sendo assim, e tomando como acertadas as estimativas quanto ao número de fiéis atrás expostas, pode-se concluir, que no virar do século XIX para o século XX, a Festa da Piedade, celebrada em Loulé em honra de Nossa Senhora da Piedade,

230 A Nossa Senhora tinha aparecido em La Sallete, Isère, na região dos Alpes franceses, em

1846. A primeira aparição da Virgem Maria teve lugar no 19 de Setembro de 1846 a duas crianças: Maximin Giraud, de 11 anos, e Mélanie Calvat de 15 anos.

231 Cf. Pedro PENTEADO, «Para Uma História dos Santuários Portugueses», op. cit., p. 49. 232 Cf. ibidem, p. 52.

233 Cf. Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho LEAL, op. cit., pp. 250-251.

234 Cf. José Leite VASCONCELOS, in Contos Populares e Lendas, volume II, coordenação de

Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1969, p. 499.

235 Cf. CASCÃO, Rui, op. cit., p. 520.

236 Cf. MARQUES, Luís, Tradições Religiosas Entre o Tejo e o Sado. Os Círios do Santuário da

Atalaia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2005, p. 276.

237 Cf. Rui CASCÃO, op. cit., p. 520, e cf., igualmente, PENTEADO, Pedro, «Para Uma História

concorria, em número de fiéis, com as maiores romarias realizadas a sul do Douro; ficando, neste particular, somente atrás das maiores romarias celebradas na região do Minho, nomeadamente nos arrabaldes de Braga.