• Nenhum resultado encontrado

02 – As promessas registadas a Nossa Senhora da Piedade (1958 1974)

Os livros de promessas são compostos por um conjunto de promessas realizadas, e registadas, a Nossa Senhora. Contém, normalmente, como informação o nome da pessoa que realiza a promessa, o motivo da promessa e a data em que a promessa foi registada. Ao todo, os dois livros contém registadas um total de 1.579 promessas. O que dividindo pelos 134 meses em análise dá uma média de aproximadamente 12 promessas registadas por mês.

Mas, afinal, o que é uma promessa? Para o sociólogo Pierre Sanchis as promessas «constituem para muitos um investimento de rotina, entram na ordem normal das coisas e inserem-se naturalmente no desenrolar da existência e no movimento do universo. Graças a estas trocas recorrentes, estabelece-se e mantém-se uma solidariedade entre as duas sociedades, a humana e a ‘divina’»332. «Em troca, ganha-se um maior sentimento de segurança, uma certeza de protecção, uma presença do sagrado que acompanhará o desenrolar quotidiano da existência. Trata-se, com efeito, de uma verdadeira economia, graças à qual o mundo vive em paz e a vida continua»333. Uma «economia do dom, ou mais exactamente de troca de dons»334. O «ser numinoso» concede ao fazedor da promessa um determinado dom solicitado por este; que, em troca, promete ao «ser numinoso» «exaltar a sua glória entre os homens»335, processo simples a que Sanchis denominou de «economia de troca»336.

Os motivos que levavam os fiéis a registar as suas promessas são vários. Havia quem fizesse promessas para «ter juízo», «ter inteligência», «passar no exame», «passar de ano escolar». Havia, também, aqueles que realizavam os chamados tipos de promessas sentimentais (namoro, casamento), de saúde (operações e doenças) e, ainda, outros para que a viagem que fossem fazer corresse bem. Havia, também, quem realizasse a sua promessa para fugir à tropa, não ser chamado para a guerra do Ultramar, ou, então, para conseguir exilar-se em França afim de não ser incorporado militarmente. Em troca prometia-se à Virgem rezar uma ou mais missas em sua glória na ermida;

332 Cf. Pierre SANCHIS, op. cit., p. 48. 333 Cf. ibidem.

334 Cf. ibidem, p. 83. 335 Cf. ibidem. 336 Cf. ibidem, p. 84.

deslocar-se a pé um determinado número de vezes até à sua ermida; subir descalço a ladeira do monte da Piedade; ou oferecer a Nossa Senhora da Piedade várias peças de valor, entre elas, «brincos», «pulseiras», «colares», «talheres de mesa», «faqueiros completos» e até «mantos» processionais, que tanto podiam ser confecionadas em prata como em ouro.

Durante o período em análise regista-se um constante decréscimo ao nível das promessas registadas. Como é bem visível através da visualização do gráfico n.º 1.

Gráfico n.º 1:

Fonte: A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1958- 1962 e A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1967- 1974.

Procedendo-se, somente, à análise dos anos que se encontram completos, regista-se que entre 1959 e 1968 o número de promessas registadas a Nossa Senhora da Piedade decresceu cerca de 72%, e entre 1968 e 1973 esse decrescimento chegou aos 193%. Este facto encontra-se relacionado com o processo de secularização e de laicização verificado na sociedade portuguesa na segunda metade do século XX. E, também, segundo o clero local, devido ao facto de o registo das promessas, em livro próprio, deixar de ser uma tradição da própria Igreja.

Se procedermos, agora, a uma análise mensal, verifica-se uma tendência ao longo dos anos: o período anual com um maior número de registo de promessas é o período compreendido entre Abril e Agosto. Abril (média mensal de 18,8) por ser, normalmente, o mês da Festa; Maio (17,6) e Junho (13,5) por serem os meses dos exames escolares (liceu e universidade); e Julho (18,1) e Agosto (13,4) por serem os

0 50 100 150 200 250 300 350 1958 1959 1960 1961 1962 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974

meses, tradicionalmente, de férias, em que muitos louletanos emigrados aproveitavam para regressar a Loulé para visitar os seus familiares. Como o gráfico n.º 2 indica.

Gráfico n.º 2:

Fonte: A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1958- 1962 e A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1967- 1974.

Os Livros de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, que abarcam o período compreendido entre 1958 e 1974, permitem-me concluir que os fiéis que durante esses anos registaram as suas promessas à «Senhora de Loulé» eram oriundos de várias latitudes do país. Se a maior parte provinha das freguesias do concelho de Loulé, havia, também, quem se tivesse deslocado de outras localidades do Algarve (p. ex: Albufeira, Faro, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel). Porém, na segunda metade do século XX, o culto a Nossa Senhora da Piedade já não era um culto devocional regional, mas, sim, nacional. As fronteiras regionais encontravam-se ultrapassadas, como nos provam o registo de promessas de fiéis oriundos do Alentejo (p. ex: Saboia337, Odemira338), da região centro (p. ex: Cacilhas – Almada339, Lisboa340, Estoril341), da

337 Cf. A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1967-1974, fl. 10 e

fl. 47.

338 Cf. A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1958-1962, sem

folha numerada.

339 Cf. ibidem.

340 Cf. ibidem, e, cf., igualmente, A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da

Piedade, 1967-1974, fl. 9.

341 Cf. A.P.S.S., Livro de Registo de Promessas à Nossa Senhora da Piedade, 1958-1962, sem

folha numerada. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

região norte (p. ex: Porto342, Guimarães343) e até do estrangeiro (p. ex: França344, Casablanca – Marrocos345, Venezuela346). O culto alargava-se a outras latitudes. Disso são prova as localidades dos fiéis que deixaram registadas as suas promessas. A explicação para esta expansão do culto deverá ter em conta dois diferentes factores: por um lado, a melhoria dos meios e das vias de comunicação a nível nacional; e, por outro, a emigração louletana para outras localidades do país e até do estrangeiro.

Outro facto de nota é a elevada percentagem de crianças e de jovens a registar as suas promessas, facto, esse, que deixa pressupor uma forte tendência familiar na transmissão, de geração para geração, da devoção a Nossa Senhora da Piedade.

Refira-se, ainda, o registo de promessas escritas em três diferentes idiomas: português, francês347 e espanhol348.

VIII.03 – Registo de sacerdotes que celebraram cerimónias eucarísticas na ermida,