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A evolução do contexto e o sector energético

No documento Tese_Doutoramento 27dez.pdf (páginas 37-47)

CAPÍTULO 1. OS REFERENCIAIS TEÓRICOS DA ABORDAGEM DA

1.3. A evolução do contexto e o sector energético

Nesta secção abordar-se-á a evolução do enquadramento do sector energético, enfatizando o papel de fatores que lhe são específicos, bem como os condicionalismos associados à emergência de novos ameaças e riscos, sendo referidas as implicações no domínio teórico, focalizadas na explicação de fenómenos reportados a esta esfera, concluindo pela abordagem das consequências no domínio da segurança energética.

Começando pelas grandes alterações registadas pelo contexto (a afirmação do mercado e a emergência de dificuldades crescentes), é de referir que no período analisado uma das evoluções mais marcantes foi a reorientação do sector energético (petróleo, gás natural e eletricidade), dando enfâse ao papel da iniciativa privada em detrimento do sector público, tendência visível a partir da década de 80 (no respeitante ao petróleo, vide S. Randall, p. 2005, em especial, p. 293).

Os impactos da liberalização nos três subsegmentos foram muito distintos no que respeita às cronologias e resultados, sendo de relevar no referente aos países-líder:

a) No respeitante ao mais avançado (o petróleo), é de relevar que nos EUA, o processo de desregulação subsequente às crises petrolíferas da década de 70, foi concluído no início da era Reagan, tendo originado uma forte reconversão/ integração da esfera empresarial, coroada pela afirmação da matéria-prima como

commodity (vide S. Randall, 2005, pp. 291-301 e, NPC, Topic Paper #30, 2007); b) Quanto ao gás natural a desregulação foi lançada em 1978 nos EUA, país que concluiu este processo em década e meia. Trata-se porém, de um combustível em que reinam mercados regionais, dada a simultaneidade histórica da subalternidade (town gas) e da utilização condicionada (transporte, vide P. Stevens, 2010, pp. 3- 12);

c) No que respeita à eletricidade, o processo foi lançado, em 1984, no Reino Unido, tendo alastrado à EU, aos Estados Unidos, e a outros países, com sucesso muito variável, inclusive, nos diferentes estados norte-americanos (para uma perspetiva sintética, vide P. Joskow, 2006, pp. 11-13),

Das evoluções acima referidas daremos enfase à afirmação do petróleo, começando pela constituição do mercado mundial respetivo, domínio em que passou a imperar um sistema de preços assente nos índices WTI e Brent, em detrimento das pretensões da OPEP (vide, W. Nordhaus, 2009, pp. 1-4, P. Noel, 2002, pp. 44-46, e B.

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Fattouh, 2011, pp. 7-8). Entre 1986 e 1988 este cartel cedeu, mostrando-se incapaz de continuar a impor as cotações por via administrativa, situação que prevalecia desde o desencadear da crise de 1973/74, tendo esta alteração resultado da conjugação da quebra da procura mundial e do grande incremento da oferta não controlada por este grupo de produtores (vide, B. Fattouh, op. cit., p. 15-17, e J. L. Williams, 2011, pp. 4-6).

Trata-se do principal item que integra o Dow Jones-UBS Commodity Index, correspondendo-lhe em 2011 uma ponderação de 15% (cf. R. Newell, 2011, p. 11). De acordo com algumas interpretações, a afirmação deste mercado global tem correspondência na afirmação da hegemonia dos EUA (vide na perspetiva da segurança energética, P. Noel 2002, pp. 44-68 e na da geopolítica Sébille-Lopez, 2006, pp. 71-104). Esta situação de predomínio arrastou-se cerca de 15 anos, podendo o índice ser tomado como indicador avançado, ainda que tenha evidenciado alguma volatilidade na passada década de 90, recuperando protagonismo a partir do início do presente século (vide dados de J. L. Williams, 2011, p. 1 e interpretações de P. Noel).

Por outro lado, esta evolução é indissociável de um conjunto de esforços convergentes que para além dos estímulos à oferta de longo prazo, adotados pela IEA (cf., 1994, pp. 56-59), compreendem medidas implementadas por distintos países, em especial pelos EUA, em articulação com ações empresariais, que constituem o lastro do sistema, de que referiremos:

a) Os estímulos à autoprodução, incluindo a exploração de áreas remotas (Alasca) e a mobilização dos recursos energéticos dos países vizinhos, em particular do Canadá (cf., S. Randall, pp. 291-292);

b) A mobilização dos recursos não controlados pela OPEP (Mar do Norte) e, numa fase posterior, na África Subsaariana;

c) A expansão para mercados da Ásia Central, tirando partido do desmembramento da União Soviética (cf. G. Germanovich, 2008, A. Jaffe et al., 2007, p. 40); d) Numa fase mais recente o arranque da exploração de hidrocarbonetos não

convencionais, incluindo areias betuminosas, petróleos pesados, e petróleo e gás e gás de xisto, hidratos de carbono e coal bed methane (cf., NPC, Topic Papers 22

Heavy Oils, #27, Oil Shales, 2007, e KPMG Global Energy Institute, 2011). Sem menosprezo do papel de outros fatores é de referir o contributo da tecnologia, tendo presente que esta vertente não pode ser desinserida do seu quadro institucional e de implementação, em que releva a envolvência de uma multiplicidade de agentes (vide, O.

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Neto et al., 2008, pp. 2-5, e noutro plano G. Dosi, 1982). No caso em apreço são de evidenciar novas soluções na pesquisa e produção (evoluções da sísmica, perfuração horizontal, etc.), no respeitante ao offshore (tipos e complexidade das plataformas, ROV, etc.), e quanto aos hidrocarbonetos não convencionais, a adoção do fracking (vide, P. Noel, 1999, pp. 10-12, NPC, 2007, Topic Paper #26, J. B. O. Neto et al., 2008, pp. 5-9, A. C. Silva, 2012 (2), pp. 22-23). Importante é também a recuperação da matéria-prima não aproveitada nos furos abandonados ou em exploração, possibilitada pelo recurso às técnicas EOR, que envolve diferentes vias, como a injeção de CO2 ou o recurso a processos térmicos ou químicos, sendo de referir que, em 2009, a primeira daquelas soluções representou cerca de 6% da produção norte-americana de crude, sendo-lhe atribuído um potencial compreendido entre 26 e 61*109 bbl, o triplo das reservas atuais dos EUA (cf. NEORI, 2012, pp. 1-10, que se refere aos EUA, e na ótica global, Oil & Gas Journal, 2008 Worldwide EOR Survey, 2008).

Porém, cerca da transição do milénio começou a assistir-se à emergência dos BRIC, que evidenciaram ritmos diferenciados de crescimento económico, evolução inseparável do acréscimo nas necessidades em energia (vide, D. I. Stern, 2010, que releva que estes inputs, subalternizados em situações de abundância, evidenciam a sua importância em contextos de escassez). No período compreendido entre 1990 e 2009, os países da OCDE, registaram um crescimento anual do consumo de fontes de energia primária de 0.8% enquanto na China, na Índia e no Brasil os ganhos ficaram compreendidos entre 3 e 5.2%, disparidade que contribuiu para que os países industrializados perdessem a posição maioritária na estrutura em causa (cálculos baseados em IEA/WEO 2011).

No que respeita ao petróleo, a evolução foi ainda mais acentuada, evidenciando- se na 1ª década deste século, a tendência para uma quebra ligeira do consumo na OCDE, contrastante com a acentuada dinâmica da procura dos BRIC em especial, da China (respetivamente, -0,8%, +4.5% e +6.6%, ao ano), sendo de salientar que face a um acréscimo da procura global de 11.2*106 b/d, os BRIC absorveram 57.3%, correspondendo 2/3 desta parcela, ou 4.3 *106 b/d, à China (cálculos baseados em BP 2011, vide também B. Fattouh, 2011, p. 71, Platts, 2011, p. 107, D. Rosen, 2007).

A introdução da vertente demográfica vem evidenciar a natureza de icebergue deste problema; considerando apenas os dois países asiáticos, temos que as populações respetivas representam mais de 1/3 cerca do total mundial, pelo que se estas nações

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ascendessem ao padrão de consumo dos EUA, as capitações nelas vigentes atualmente, seriam multiplicadas, em média, pelo fator 10 (cálculos baseados em BP, 2011).

Mas a oferta global apresenta uma capacidade de resposta limitada tendo, durante toda a primeira década do presente século, a produção registado um aumento de 9.6% (7.2*106 b/d), pelo que o crescimento da procura foi ajustado, sobretudo, através da evolução de cotações que entre 1999 e 2008 mais que quintuplicaram, passando as respetivas médias anuais de 19.31 para 100.06 dólares por barril. Nesta ótica ressaltam profundas disparidades entre os contributos da produção e os potenciais respetivos, sobretudo pelos países da OPEP, cujas reservas provadas em 2010 atingiam 77.2% do total mundial e que, no entanto, disponibilizaram cerca de 39% do aumento total do consumo registado no primeiro decénio deste século, menos de 3.2*106 b/d (vide, BP 2011 e B. Fattouh, 2011). Este contributo limitado ocorreu no quadro de uma exploração técnica e económica muito mais favorável no Médio Oriente, tendo presente as condições médias vigentes na indústria tendo-se assistido, nesta zona crucial, ao protelamento de investimentos, com incidência na deterioração da capacidade de produção excedentária (spare capacity), sobretudo, do produtor-líder, a Arábia Saudita (vide figura nº 2.1, N. Gagnon et al., 2009, pp. 10-12, e R. Newell, 2011, p. 21)

Sem menosprezar o papel de outros fatores explicativos, considerados em ponto subsequente, é de aludir, na sequência de J.-H Hesse, à dimensão supply constrained que em última análise remonta a uma medida tomada pelos países da OPEP ao longo da década de 70, a nacionalização das reservas a que a literatura específica, acrescenta o nacionalismo de recursos (vide, J.-H Hesse, 2008, S. Randall, 2005, pp. 286-289, e a secção 1.4.3. deste trabalho).

No mundo real, a expressão desta situação centrou-se no reconhecimento da existência de reais dificuldades de abastecimento, que comporta nuances, como a procura da salvaguarda dos recursos próprios por parte das instâncias oficiais dos EUA, orientação que remonta pelo menos, a 1929, ainda que então, o país fosse grande exportador líquido da matéria-prima (cf. S. Randall, 2005, p. 2). Considerando a evolução recente, é de referir que, a um primeiro nível, estas preocupações não parecem fundamentadas, tendo entre 2000 e 2010 os níveis das reservas provadas e os valores do rácio R/P (o número de anos em que, num dado período, as reservas provadas permitem responder ao correspondente ritmo de utilização), reportado ganho (o último indicador passou de 40.4 para 46.2 anos (cálculos baseados em BP, 2011). No entanto a interpretação linear

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daqueles resultados potencia equívocos, como ilustra a conjuntura recente, em cuja fase final avultou o adensamento de um clima que antecipava de ruturas de abastecimento, posição que alastrou a meios oficiais (vide G. Caruso, da EIA ou ilustração gráfica apresentada em NPC #23), e aos próprios gigantes da indústria (cf., posições de altos quadros da ENI e o relatório da ExxonMobil, de 2006).

As abordagens precedentes remetem para um nível superior de abordagem em que se analisa, de forma diferenciada, o papel deste instrumento face a um m contexto em que a dotação de recursos, ainda que não completamente conhecida, é finita. Neste quadro, será de aludir às posições de Adelman, que avulta entre os defensores do papel do mercado, considerando que este mecanismo é suscetível de dar respostas adequadas, afastando, assim, o fatalismo geológico. Quanto aos oponentes desta perspetiva, são de referir duas versões, a primeira, mais radical (peak oil), focada na rigidez da dotação de recursos, indissociável da realidade geológica, remonta a 1956 e à predição de M. K. Hubbert, que fixou a data de 1972 como início do declínio da produção dos EUA; o êxito desta projeção e o subsequente adensamento da envolvente, levou os seus discípulos a extrapolarem a aplicação do método aos distintos combustíveis fósseis, aos minerais e ainda às localizações da produção (vide P. Criqui et al., 2010, pp. 1-6 e M. Ericsson et

al., 2010). A segunda, comporta variantes sendo de referir a formulação undulating oil

plateau, da autoria do CERA que, reconhecendo a realidade geológica atribui também ao mercado um papel relevante, via ajustamento dos preços e pela dinâmica tecnológica, resultando numa relativa estabilidade da produção e num período correspondente bem mais alargado (vide P. Criqui, 2010, e CERA, 2006).

Outro desenvolvimento relevante refere-se ao plano empresarial, focando-se na discussão IOC vs. NOC, que conduziu alguns analistas a qualificar as primeiras como fat

boys, sem grandes perspetivas a prazo, em contraste com os progressos registados pelas segundas, (cf., A. Jaffe e V. Vivoda). De referir que as posições dos defensores do mercado registaram um revés considerável, dado o inadequado volume de investimentos das IOC no período de baixas cotações, situação reconhecida pelo Cabinet Office, evolução que, segundo A. M. Jaffe et al., decorreu da preferência da afetação dos elevados

cash-flows obtidos por estes atores, à distribuição de dividendos (cf. respetivamente T. Behr, 2009, pp. 13-14, e cf. A. M. Jaffe et al., 2007, pp. 15-17). Esta opção radicou na degradação das expectativas da remuneração de investimentos (recorde-se o nível de cotações e a onerosidade dos custo em função das localizações disponíveis), face a um

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quadro marcado pela forte exigência de atratividade das aplicações alternativas no mercado acionista (A. M. Jaffe et al., 2007 e Deloitte, 2011). De salientar que este comportamento não foi replicado pelas Independentes que continuaram a expandir a sua exposição no upstream da indústria petrolífera, o que levou aquela autora a interrogar-se se o interesse da nação americana não seria melhor defendido por uma NOC nacional (idem). Esta postura é aprofundada por outras abordagens que apontam para o amortecimento da posição relativa das IOC, não limitada às debilidades nos níveis de reservas e da produção, abarcando um escopo que compreende a perda de posições no plano tecnológico (NPC Topic Paper #26) e o esbatimento das performances financeiras pelo que, a salvaguarda de bons níveis de rentabilidade, aconselharia estes atores a uma crescente convergência com os seus émulos do passado recente (vide V. Vivoda, 2009).

Um fator que terá contribuído para agudizar o desfavorável panorama referido, foi a financeirização da economia, um fenómeno que adquiriu especial expressão na esfera energética. Os desenvolvimentos recentes que culminaram na crise de 2007-2008, vieram evidenciar uma realidade que não sendo nova, adquiriu expressão ímpar e características próprias, em consequência das alterações de contexto, do avolumar dos meios financeiros e da sofisticação tecnológica; trata-se da financeirização da economia, i. é, o reflexo sistemático do reforço da esfera financeira face à esfera real, um termo cunhado por autores marxistas (vide, C. Lapavitsas, 2010, p. 20 e no respeitante à vertente quantitativa, cf., Mckinsey & Co., 2011).

Esta evolução, também, produziu reflexos profundos na esfera energética, através do reforço da capacitação das grandes empresas do sector, ou devido a alguns episódios extremos reportados ao gás e à eletricidade (de que a Enron constitui caso emblemático) mas é a discussão em torno do contributo da especulação financeira para a explosão das cotações do crude que é especialmente marcante (recorde-se que em 3 Julho de 2008 o

WTI Spot Price superou a fasquia dos 145 dólares por barril). A conjugação da dimensão ímpar do mercado spot em torno das cotações daquele bem (em 2009, o volume de transações do Nymex, representava o séptuplo das transações reais, cf. S. Medlock et al., 2009, p. 7), com a origem dos intervenientes nestas operações que, cada vez mais deixaram de representar interesses industriais, e com a ausência de regulação das operações relativas a uma commodity muito representativa, sujeita a condicionalismos na oferta, e enfrentando uma procura em crescimento, levantou uma querela de grande escopo e de impossível consenso (B. Fattouh, 2011, pp. 17-19, discorda da existência de

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nexos de causalidade entre os dois fenómenos, R, Newell, 2011, p. 35, e A. Turner et al., 2011, pp. 1-3 têm dúvidas, e S. Medlock et al., 2009, p. 11, M. S. Kahn, 2009, p. 8 e, T. Behr, 2009, p. 19-21, defendam esta tese).

Em conclusão, cerca da transição do milénio e após uma fase de afirmação os EUA e os países da OCDE viram-se confrontados com um novo enquadramento do negócio do crude, tendo os condicionalismos vigentes na oferta feito sentir os seus efeitos perante o reforço da procura dos BRIC a ausência de estímulos ao investimento no

upstream, situação que a financeirização terá ainda agudizado. As alterações estruturais introduzidas naquele espaço económico (eficiência, novas fontes de energia primária, com destaque para o gás natural), avultam entre os fatores que permitiram obviar maiores perdas no nível de atividade e condicionado a elevada renda petrolífera obtida pelos exportadores (cf., entre outros, D. Green, 2007, e B. J. Balin, 2010).

Para além dos fatores considerados, são de salientar os impactos associados à evolução da envolvente geral, sendo de referir a afirmação de novos fatores de risco e de ameaça (sustentabilidade, economia virtual e terrorismo transnacional), que abordaremos a partir de dois ângulos distintos, a interação com o meio natural e a emergência de novos fenómenos no domínio social.

A interação da esfera energética com o meio natural remete para a sustentabilidade do processo de desenvolvimento global, um quadro de reflexão cujo antepassado foi o Clube de Roma, que recebeu um impulso considerável com a publicação do relatório Brundtland, que veio adicionar a dimensão ambiental às vertentes socioeconómica e tecnológica daquele processo (vide Our Common Future, 1987, pp. 16-17).

O novo conceito foi refinado a partir das duas aceções, a económica, mediante a qual a utilidade das gerações futuras não deverá sofrer redução, e a física, que enfatiza que a utilização de recursos naturais para fins económicos, deverá salvaguardar a capacidade de regeneração dos ecossistemas; trata-se de duas perspetivas, em larga medida conflituais, em que a primeira tem prevalecido (cf., H. Daly, 2002, p. 1). Dada a importância da energia no processo desenvolvimento e as exigências futuras que este coloca, levantam-se óbvios problemas de sustentabilidade, que compreende diversas interfaces, como os domínios da extração, conversão e uso de energia, a relação desta esfera com a eco-eficiência, as bases tecnológicas e sociais respetivas e o recurso a medidas corretivas de política (cf., S. Connors, 1997, pp. 3-7).

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Não sendo possível explorar um conjunto tão alargado de enfoques, iremos considerar a Iniciativa-Quadro das Alterações Climáticas (UNFCCC), que é a orientação de carácter global que melhor ilustra a profunda imbricação entre os dois domínios referidos, ainda que compreenda outras vertentes. Com efeito, o fenómeno designado por aquecimento global traduz-se no reconhecimento que, no último século, a temperatura média na Terra aumentou 0.7º C, enquanto nas 3 últimas décadas esse incremento foi de 0.2 º C, um resultado que as interpretações prevalecentes no meio científico imputam sobretudo às emissões de gases com efeito de estufa, à cabeça dos quais surge o CO2. Esta evolução é atribuída, essencialmente, a atividades antropogénicas, posição que é fundamentada no registo dos níveis de concentração de poluentes no pós-industrialização. Em 1750, este indicador atingia 280 ppm e volvidos dois séculos e meio, ele registava um aumento de 35% (vide, Relatório Stern, 2006, pp. 1-16). De acordo com estas análises, no cerne deste processo encontram-se as atividades relacionadas com a energia, que em 2000, foram responsáveis por quase dois terços das emissões totais de GEE, com destaque para o subsector elétrico e para os usos associados aos transportes e à indústria que em conjunto, contribuíram com cerca de 52% para aquele total (idem, p. 171).

A prossecução do crescimento económico nos mesmos moldes, em especial no domínio da energia, terá implicações muito negativas no horizonte temporal-de dois séculos, traduzindo-se em aumentos consideráveis da temperatura média do ar, que serão acompanhados por elevadas perdas económicas; a amplitude destes prejuízos e a sua gravidade nas distintas macrorregiões, dependerão do cenário considerado mas no final do presente século, os parâmetros climáticos deverão conhecer aumentos da ordem de 4º C (ibidem, pp. 144-165). Tendo presente que a fundamentação da tese que associa aquecimento global e emissões antropogénicas de GEE, é matéria que envolve grande polémica (v. R. Carter e I. Byatt, 2006), a verdade é que as soluções propostas pela UNFCCC, consubstanciadas nas políticas da mitigação e da adaptação, têm obtido crescente aceitação no plano internacional. (cf. Relatório Stern, pp. 308-400 e 403-444),

Dada a focalização da nossa abordagem, referiremos as questões relacionadas com a mitigação, i. é., a prossecução de um nível de emissões sustentável no longo prazo, estabelecida em torno do limiar das 550 ppm, que exige a redução do nível atual em cerca de 75%. Nesta ótica de análise, trata-se de uma janela de oportunidade, que carece de aproveitamento no mais curto espaço de tempo, sob pena dos esforços a desenvolver se tornarem altamente onerosos. Conquanto as linhas axiais a seguir não se limitem aos

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sectores energéticos (vide, p. e., a relevância que adquire o combate à desflorestação), os principais esforços deverão visar a redução da procura de bens e serviços intensivos em energia e adotar medidas de eficiência energética, que exigem esforços consideráveis no desenvolvimento de tecnologias adequadas (cf., idem, pp. 193-236).

Trata-se de ações obrigatoriamente concertadas, em função da natureza global do fenómeno, das responsabilidades históricas neste processo e das perspetivas distintas que se abrem quanto ao futuro. Contudo, a realização máxima neste domínio, o Protocolo de Quioto, mecanismo suportado pela EU e pelo Japão, não contou com a adesão efetiva dos maiores poluidores (EUA e da China, com quotas de 17.9 e 23.6% do total mundial), o que deixa antever o nível de conflitualidade em presença (cf., IEA, 2011, tabelas pp. 46- 48, valores referidos à queima de combustíveis, em 2009).

Em síntese, retomando o foco da nossa análise, as crescentes preocupações reportadas ao foro ambiental, justificadas até pelo aumento da ocorrência de acidentes climáticos extremos (ex., furacão Katrina), vieram por em causa o ritmo e os padrões de consumo de energia, apontando para o recurso acrescido a fontes renováveis, em detrimento dos hidrocarbonetos, bem como para a introdução e difusão de soluções e tecnologias economizadoras deste input, e para o reforço da cooperação internacional.

A emergência de novas ameaças e riscos com grande potencial disruptor nas cadeias energéticas, fez-se também sentir, através do alastramento de fenómenos de base tradicional (terrorismo, pirataria, sublevações, etc., …), pela afirmação de novos domínios relacionados, sobretudo, com a evolução tecnológica (ciberterrorismo), tendências bem ilustrada pela expressão de G. Ercolani (cf. 2007, p. 10), segundo a qual, num curto espaço de tempo, se passou da Criative imagination (o 09/11/1989), à

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