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Da descrição empírica à explicação dos fenómenos: pistas teóricas

No documento Tese_Doutoramento 27dez.pdf (páginas 125-132)

CAPÍTULO 2 – O GOLFO DA GUINÉ E O PETRÓLEO

2.4. Riscos associados ao petróleo do golfo da Guiné

2.4.2. Da descrição empírica à explicação dos fenómenos: pistas teóricas

Iremos, agora, procurar relacionar os desenvolvimentos teóricos elencados na secção 1.4.3., com a região produtora do golfo da Guiné, tendo presente que se tratará de um exercício parcial, uma vez que nos iremos focalizar em teses explicativas formuladas pelas correntes enquadradas no mainstream, opção tanto mais limitativa quanto se recorde as dificuldades crescentes que estas enfrentam, a que acresce, na sequência da solução adotada noutras secções, a referência privilegiada aos casos nacionais mais relevantes.

Começaremos por referir um único autor associado à escola neorrealista, M. Klare que na sua obra fundamental omitira o continente africano, tendo privilegiado as grandes regiões produtoras do Médio Oriente e da Ásia Central (cf, Resource Wars, obra datada de 2001, que dedica um capítulo a cada uma destas grandes províncias petrolíferas). A crescente escassez da matéria-prima que se tornara evidente com o virar do milénio, elemento fulcral da análise deste autor, foi a razão central que conduziu este analista a considerar uma geografia produtiva antes menosprezada, i. é., a África e, em especial, o golfo da Guiné, representaram a resposta possível às crescentes preocupações dos meios especializados, incluindo, dos altos quadros das grandes petrolíferas norte-americanas, problemas que não deixaram de ter o devido acolhimento no plano da segurança.

Nesta última ótica, é dado o devido destaque às conclusões do relatório Cheney que, em 2001, concluíra pela crescente importância da Nigéria e de Angola; a subsequente implementação de políticas conformes com esta perspetiva é, depois, identificada nas suas distintas vertentes (política, económica, diplomática e militar), matéria que

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abordaremos nos dois próximos capítulos. Pese embora eventuais redundâncias, não deixaremos de salientar alguns desenvolvimentos contidos nesta análise, nomeadamente, os perigos associados às idiossincrasias vigentes na região face à mobilização de recursos consideráveis e, noutro plano, o aparecimento de um novo concorrente, a China, que, numa ótica não alarmista vem introduzir a necessidade dos EUA atenderem à salvaguarda de outros equilíbrios exigidos a nível global (vide, The African “Oil Rush” and American National Security, 2006, pp. 5-11).

Passando à ótica neoliberal, importa recordar que, no plano teórico, os

desenvolvimentos correspondentes se balizam nas teses resource curse, estado rentista e

resource wars com manifestas interligações entre si mas de que privilegiaremos as duas primeiras (a respeito dessas interconexões vide, R. Dannreuther, 2010, pp. 6-7, que alude a The Bottom Billion de P. Collier, com data de 2007, e a First Law of Petropolitics de T. Friedman, de 2004). Começando pela tese resource curse, que defende que a disponibilidade de recursos naturais, sobretudo, petróleo, em coexistência com quadros institucionais fracos, tende a traduzir-se em disfuncionalidades políticas, de que a eclosão de conflitos violentos constitui caso extremo, e em problemas económicos que impedem o adequado aproveitamento dos avultados meios disponíveis para o desenvolvimento (vide, ponto 1.4.3. deste trabalho, P. Collier, 2008, L. Hinojosa, 2010, S. Jones, 2008, A. Mälher, 2010 e M. Ross, 2010).

A tese dutch disease corresponde a um quadro mais restrito de análise, centrado na componente estritamente economicista, em especial, nos efeitos a nível da indústria, um fenómeno originado em situações que afligiram países desenvolvidos, razão que nos conduziu a subalternizar esta perspetiva, dada a expressão qualitativa e quantitativa, alcançada pelo sector secundário no golfo da Guiné (vide a este propósito, J. Page, 2008 e, quanto às evoluções recentes, o ponto 2.1.3. deste trabalho).

Retomando a resource curse, temo que M. Ross faz remontar a respetiva génese histórica à década de 70, salientando o papel fulcral das nacionalizações das reservas de petróleo, decretadas por grande número de países produtores, fator que ao conduzir à subalternização relativa das sete irmãs, no contexto desta indústria, facto que teve como posterior contraponto, o controle, por um número crescente de atores nacionais, de enormes e, também, voláteis riquezas, um resultado indissociável das especificidades e dos constrangimentos inerentes ao funcionamento dos mercados desta commodity (vide, nomeadamente, M. Ross, 2010). Trata-se de uma tese, de base empírica, geralmente,

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fundamentada em técnicas econométricas, tendo como ponto focal as rendas do petróleo, análise que tende a incidir num conjunto alargado de países, o que não invalida a alusão e, mesmo a apresentação de desenvolvimentos relativos a casos nacionais, constituindo referências claras, neste último âmbito, os países Subsaarianos, que muitas vezes, servem de exemplos extremos, nomeadamente, a Nigéria, a Guiné Equatorial e Angola (vide, P. Collier, 2008, M. Arezki et al, 2010, M. Ross, 2010 e, quanto ao último aspeto, A. Mälher, 2010, é uma boa referência relativamente ao país anglófono).

A contestação em torno desta formulação tem várias origens, reportando-se quer à fraqueza das bases metodológicas, nomeadamente, quanto à imprecisão dos mecanismos de transmissão em presença, quer no que respeita aos resultados alcançados, sendo de referir, quanto a estes últimos, a incapacidade de enquadrar parte dos atores nacionais, e o reconhecimento, pelos próprios expoentes da teoria, que a mesma só se aplica no quadro do longo prazo (vide, respetivamente, M. Basedau, 2005, S. Jones, 2008, A. Mälher, 2010 e, quanto ao último aspeto, M. Ross, 2010).

Na ótica destas correntes críticas, será de referir um case study, focado na Nigéria, trabalho que tem presente a perspetiva histórica e que, no plano instrumental, assenta na destrinça entre fatores contextuais específicos das situações dos países “ricos em recursos”, tendo presente que estes se repartem em domésticos, os mais determinantes, e internacionais; trata-se duma análise indutiva-exploratória a parir de uma perspetiva histórica, que começa por traçar um quadro evolutivo do conflito e que, depois, analisa, o papel de cada fator retido (vide A. Mälher, 2010, pp. 9-11). De acrescentar que a tese

Resource Curse, não só, tem larga difusão no plano teórico como, de acordo com o explicitado no ponto 1.4.3., está articulada a um conjunto de prescrições de política, cujo objetivo é a correção dos males detetados, uma perspetiva de que, no entanto, apenas desenvolveremos de forma (acerca destas relações vide, p. e., S, Jones, 2008, pp. 33-36, que enfatiza um dos seus vetores, a EITI).

Passando a considerar a análise do Estado rentista, temos que o respetivo conceito tem como objetivo explorar o impacto que as rendas, sobretudo, as derivadas dos hidrocarbonetos, têm na natureza dos Estados, bem como nos sistemas políticos dos países ricos em recursos energéticos, uma análise que começou por se reportar aos países do Médio Oriente e que, na passada década de noventa, deu origem a um nova abordagem, denominada Civil Wars and Natural Resources, tendo como base geográfica de incidência, sobretudo, os países da África Subsaariana (vide, W. Ostrowsi, 2010. p. 4).

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Neste último âmbito Collier e Hoeffler identificaram como causas explicativas da existência de guerras civis em países ricos em recursos naturais, os mecanismos que designaram por Greed & Grievance, tendo concluído pela prevalência dos primeiros (reportados à vertente financeira), sobre os segundos (relacionados com fatores étnicos e religiosos), uma análise que, no respeitante ao papel dos mecanismos de transmissão, seria refinada, posteriormente, por M. Ross e por P. le Billon, entre outros autores (vide, P. Collier et al., 2002, pp. 1-2, W. Ostrowvski, pp. 14-17. e P. le Billon, 2003, em especial, pp. 15-18).

Neste quadro de abordagem, será de salientar a ênfase que vários autores colocam nas características dos diversos recursos naturais, uma análise bem balizada pelo petróleo e pelos diamantes que, nesta ótica, potenciam implicações distintas na configuração e no arrastamento dos conflitos em causa; deste modo, M. Ross, explora a dimensão lootable destes bens, formulando um conjunto de hipóteses que, em parte, procura aplicar a um conjunto alargado de conflitos, incluindo Angola, o Congo Brazaville, e na R.D.C. (cf., M. Ross, 2003, 47-68, e P. Le Billon, 2003). Importa referir os contributos que privilegiam o legado histórico subjacente e a natureza neopatrimonal do(s) Estado(s), um problema que, nesta ótica, se terá agravado com a queda da União Soviética; deste modo, a força motriz propulsora dos conflitos em torno dos recursos naturais, foi uma cultura

rent-seeking, herdada pelos regimes pós-coloniais e fertilizada pelas especificidades organizacionais das sociedades africanas (em termos de síntese, vide, W. Ostrowsi, 2010. pp. 17-21, e para uma análise mais fundamentada de especificidades nacionais no processo de transição, M. Bratton et al., 1994, pp. 468-484).

Passando a considerar alguns casos pontuais de aplicação empírica, começaremos por referir o estudo sobre a Nigéria a que já aludimos, que tem como foco a NNPC e como objeto o papel desta NOC no sistema complexo de clientelismo (patronage), em torno do petróleo e dos conflitos do delta do Níger, uma analise com âmbito mais alargado mas que, ainda assim, é bem ilustrativo, ao apresentar como fator distintivo, a referência, numa base sistemática, às distorções existentes, naquela perspetiva, nas relações entre cada um dos atores de interface (Presidência da República, Governo, IOC) e, até, entre alguns destes últimos players entre si (cf. M. Thurber et al., 2010, em especial, pp. 5-32). Outro exemplo ilustrativo corresponde ao caso da Guiné Equatorial, para o que, também, recorreremos a um artigo já mencionado, de B. Mcsherry, que enfatiza os traços negativos mais salientes do poder político atualmente instalado em Malabo, designadamente, o seu

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autoritarismo crónico, uma abordagem que para além de estar articulada à problemática dos recursos naturais, e à sua versão, mais recente, dos hidrocarbonetos, desenvolve, ainda, a vertente dos conflitos latentes associados, considerando os antagonismos tradicionais entre as etnias Fang e Bubi, uma análise que apresenta a particularidade de remeter para os teorizadores deste domínio de estudos (vide, B. Mcsherry, 2006, em especial, pp. 30-35).

Finalmente, e apesar de haver outros casos nacionais relevantes, como o da R.D.C., acrescentaremos, apenas, uma referência a Angola, para o que consideraremos um artigo de Le Billon, que aborda o papel do petróleo e dos diamantes na guerra civil, tendo presente a sua associação, respetivamente, ao MPLA e à UNITA, e tendo presente que estes recursos não foram a causa nem a motivação única deste conflito, sendo focado o papel do clientelismo, sobretudo, estatal, matéria que, aliás, viria a conhecer vários desenvolvimentos, sobretudo, em relação com a transparência do poder do Presidente da República e da Sonangol, seu instrumento operacional (vide, P. Le Billon, 2001, pp. 55- 80 e, quanto ao segundo aspeto, Human Wrights Watch, 2010 e COSISA/ Global Witness, 2011).

Antes de concluir a abordagem deste tópico, importa fazer uma breve alusão a uma obra de R. S. Oliveira que, não se inscrevendo no quadro da ideologia liberal, introduz algumas novas pistas interpretativas acerca da natureza dos Estados da África Subsaariana ricos em petróleo, considerando que se tata de Estados falhados de sucesso, uma vez que o fracasso em termos de política de desenvolvimento socioeconómico e ocupação do território, não obstou à afirmação de elites e, inclusive, à legitimação internacional reforçada, no período mais recente, por razões contextuais que já referimos (cf., 2007, respetivamente, pp. 39-122, 123-152 e 269-307). Aquele autor leva em consideração as especificidades dos diversos casos nacionais em presença e que a abordagem, para além de incidir sobre a história recente, esboça preocupações do domínio prospetivo, onde se evidencia o quadro condicionado em que tem vivido a industria do petróleo mas que, a prazo, coloca a possibilidade de rutura do paradigma energético vigente, wild-card com ´óbvias consequências, também, para estes atores nacionais e respetivos interesses domésticos (idem, 307-327).

Passando ao Resource Nationalism, tese cuja génese não se inscreve nas correntes liberais mas que pode ser revertida, com facilidade, por estas posições, importa referir que é um fenómeno que P. Stevens considera que apresenta duas componentes, a de

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Quanto aos fatores de explicação endógenos contidos naquela análise, i. é., relacionados com os países produtores, é de assinalar que, não obstante a sua natureza ser mais alargada, a dimensão económica está bem presente dado, em última análise, estar em causa a repartição da renda e, em consequência, o volume de recursos a afetar aos fins de desenvolvimento; neste âmbito é de referir o papel instrumental das NOC, cujas fortunas foram, em cada um dos três períodos acima referidos, tendencialmente opostas às que conheceram as IOC. Ainda que a ótica de P. Stevens não seja consensual, sobretudo, por não enfatizar a vertente geopolítica inseparável do fenómeno e da respetiva génese, a verdade é que ela consubstancia as linhas de força presentes num quadro alargado de definições que compreendem, para além de outras formulações deste autor, as de B. F. Price, 2006, N. Ait-laoussine, 2008, IEA, 2007, S. Guriev et al., s/ data, e J.Stanislaw, 2008 (vide, H. Ward, 2009, caixa de texto da p. 16), a que acrescentaremos a aceção de de G. Luciani (cf., 2011, p. 1). É nesta perspetiva que privilegiaremos o enfoque de natureza económica, tanto mais que este comporta a dimensão instrumental que o fenómeno do resource nationalism assume no golfo da Guiné, uma região que, em geral, não é mencionada nos principais artigos que analisam esta matéria, que preferem centram as suas atenções na análise dos grandes produtores à escala mundial, sobretudo, nos do Médio Oriente (veja-se, p. e., o tratamento dado em P. Stevens, 2008 e em G. Luciani, 2011). Essa omissão vem, uma vez mais, evidenciar a subalternidade da nossa geografia produtiva, pelo que a deteção do fenómeno tem que passar por pistas concretas a que aludem parte das aceções supracitadas, em especial a apresentada pela IEA, que se foca em mudanças súbitas e unilaterais nas regras do jogo vigentes no upstream, seja na ótica das explorações em curso ou quanto a novos projetos, ou, de forma ainda mais explícita, por P. Hill et al., que se reporta a instrumentos específicos, i. é., à fiscalidade,

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a orientações relativas a licenças e à introdução de novas regras regulatórias (vide, respetivamente, H. Ward, op, cit., p. 16 e P. Hill et al., 2012, p. 2),

Numa perspetiva simplificada, o que terá acontecido na fase mais recente, i. é., entre 2003 e 2008, em que se assistiu ao retorno do resource nationalism, foi que muitos governos africanos terão exigido uma parte adicional do lucro obtido com a extração de recursos naturais, questão exemplificada através de alguns casos nacionais reportados a este continente (cf., Oxford Analytica, 2011), uma apreciação que podemos considerar em sintonia com o referido no ponto 2.3.3 desta trabalho, sobretudo, na subsecção intitulada Alterações contratuais e fiscais. Como mencionado, o government take corresponde a um indicador de síntese neste âmbito, importando, acrescentar que, a este propósito, Angola constitui um exemplo claro de sucesso extremo, com este indicador a alcançar, neste período, 85% (cf., N. Shaxson, 2009, pp, 63-64, que alude a dados do Banco Mundial, de 2006, e que relaciona a evolução tendencial deste fenómeno com o nível de cotações salientando, porém, a perversidade implícita no comportamento destas últimas).

Numa ótica explicativa distinta e numa leitura extrema, não poderemos dissociar a violência endémica vigente no delta do Níger do resource nationalism, referindo vários autores a existência deste fenómeno ao nível subfederal, de que nacionalismo constitui exemplo, afinal um elemento de um puzzle complexo em que se manifesta o legado da história recente e em que o papel do petróleo está omnipresente (vide, p. e., D. M. Metumara, 2010 e, numa perspetiva mais enquadrante, N. Watts, 2004).

Em conclusão, ainda que refletindo algumas diferenças, os países produtores do golfo das Guiné estão profundamente afetados pelos vícios graves diagnosticados pelas correntes liberais (recorde-se a expressão dark underbelly, referida no ponto 1.4.3.); a implementação das medidas corretivas preconizadas, por esta escola, dada a sua extensão e amplitude, é uma matéria difícil de apreciar, que não desenvolveremos. No entanto, as informações disponíveis não parecem dar margem a grandes otimismos, sendo de referir a título de exemplo, as más posições que os três maiores produtores regionais ocupavam no 2010 Revenue Watch Index, ou o reconhecimento das limitações da C S R nesta geografia, in J. Rosenstein, 2005. Acresce que propostas que, em última análise se focalizam na procura da racionalidade económica estrita defrontam, para além dos determinantes endógenos dificilmente conformáveis com esta perspetiva (caso do clientelismo), novas e poderosas influências exógenas que, em função dos interesses e

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constrangimentos respetivos, apresentam alternativas muito mais sedutoras, seja no plano financeiro ou nos condicionalismos que impõem aos decisores locais (cf. operatória da China em Angola, vide A, C. Alves, 2010, que corresponde a um caso cada vez menos isolado).

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