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As exigências no plano ambiental

No documento Tese_Doutoramento 27dez.pdf (páginas 117-121)

CAPÍTULO 2 – O GOLFO DA GUINÉ E O PETRÓLEO

2.3. Fatores explicativos do sucesso relativo da indústria petrolífera na região

2.3.4. As exigências no plano ambiental

Outro fator a considerar corresponde ao domínio ambiental, isto admitindo que o grau de exigência associado à aplicação do quadro legal em causa é menor, nos países do golfo da Guiné, do que o aplicado noutros países produtores, nomeadamente, na área da OCDE (a este propósito, vide, H. Baümuller et. al, 2011, pp. 37-39 que, relativamente a este espaço económico, coloca a questão na ótica das exigências que impendem sobre a vertente empresarial). Existem duas causas imediatas que dão substrato à hipótese colocada no parágrafo anterior, os derrames de petróleo (oil spills) e a queima de gás natural (gas flaring) e, ainda que ambas se reportem à mesma esfera de atividade (a indústria dos hidrocarbonetos, em especial, ao upstream), são fenómenos distintos, sendo boa parte das suas consequências também diversas, importando acrescentar que a informação disponível, no respeitante à área geográfica em análise, tende a ser mais opaca no primeiro domínio (cf., idem).

Começando pelo gas flaring, importa referir que se trata de uma solução com larga aplicação, uma consequência do facto, comum, de crude e gás natural surgirem

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associados em muitas explorações, sendo, tradicionalmente, este último combustível tomado como um subproduto sem aproveitamento económico, uma prática em que se vislumbra tendência declinante à escala global mas, ainda, vulgar no presente (a este propósito é de salientar o combate continuado que o Banco Mundial tem movido a este procedimento tendo, em 2002, integrado a Global Gas Flaring Reduction Initiative, lançada na sequência da Cimeira Mundial para o Desenvolvimento sustentável, realizada, em Joanesburgo, neste mesmo ano). À escala global entre 2000 e 2010, a relação entre queima e produção de gás, passou de 6.8 para 4.2%, sendo que a Nigéria acompanhou esta tendência geral, permanecendo porém um dos principais responsáveis pelo fenómeno, ascendendo o seu contributo, neste último ano, a 11.3% do total mundial, e representando, em simultâneo, 61.6% do gás assim eliminado em toda a região do golfo da Guiné (cálculos próprios baseados em dados da BP e da NOAA, ambos, datados de 2011).

Atendendo à expressão absoluta do problema e ao facto de se tratar de um caso mais documentado, iremos tomar o caso nigeriano como referência, pese embora, o facto de se reconhecer que o panorama vigente nos restantes países da região, nada ter de favorável, seja em Angola ou na maioria dos pequenos países produtores aqui localizados (cf., dados estatísticos da NOAA, que apontam para uma pequena redução da queima de gás neste grupo de países, que entre 1995 e 2010, passou de 10.2 para 9,5% do total mundial respetivo). Na Nigéria, a magnitude do fenómeno redundou no alastramento de problemas de saúde, designadamente, nos domínios gástrico, dermatológico, oncológico e do aparelho respiratório), na vincada deterioração da qualidade de vida das populações, um panorama que, em geral, é apresentado de forma bem mais desfavorável, a que acresce o contributo desta prática para o aquecimento global, atendendo a que, em 2010, foram desperdiçados 15.18 bcm (vide, H. Baümuller et. al, 2011, pp. 22-23, e K. G. Kingston, 2011, p. 1). No que respeita aos derrames de petróleo, as disponibilidades estatísticas são bem mais limitadas, reportando-se, essencialmente, à Nigéria, uma vez que as autoridades angolanas apenas revelam dados relativos a situações extremas, tomando como limiar mínimo, os 4000 barris (cf., H. Baümuller et. al, 2011, p. 18). Porém, mesmo no que respeita àquele país anglófono, os valores referidos tendem a ser parciais, a omitirem pormenores relevantes, incluindo a não autonomização das situações relacionadas com o

bunkering (o roubo de petróleo, uma prática enraizada no delta do Níger e que envolve fluxos muito consideráveis desta matéria-prima) e, ainda pior, a não serem coincidentes.

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Com efeito, considerando apenas os principais trabalhos, temos que as estimativas da UNDP, apontam para valores da ordem de 9.2 milhões de barris, no período 1976-2009, enquanto um estudo de FMoE et al., datado de 2006, que toma como referencial os últimos cinquenta anos, estimativa um montante compreendido entre os 9 e os 13 milhões, acrescendo que uma entidade que trabalha neste domínio específico, a NOSDRA, concluía, relativamente ao período 1976-2005, que essas perdas se tenham cifrado em 3 milhões de barris (vide, K. G. Kingston, 2011, p. 5, e H. Baümuller et. al, 2011, p. 18).

A ocorrência de derrames tem consequências ambientais fortemente negativas, em particular, em ecossistemas complexos como o do delta do Níger, concluindo um relatório conjunto, duma entidade nacional e de duas reputadas ONG, todas da área ambiental, que estes ecossistemas eram dos mais ameaçados pela exploração de petróleo à escala mundial, pondo, assim, em causa as condições de sobrevivência de comunidades locais, muito dependentes do meio natural, e originando, também, problemas graves no domínio da saúde (cf., respetivamente, NCF/WWF UK/ CEESP-IUCN, 2006, p. 1, e H. Baümuller

et. al, 2011, pp. 20-22). No entanto, não é a falta de regulamentação legal que inviabiliza a erradicação do gas flare ou a redução substancial dos derrames de petróleo, uma vez que existe legislação nacional, enquadrada nos tratados internacionais vigentes neste domínio, bem como um leque de entidades, cuja missão é administrar a aplicação desses preceitos (vide, a este propósito, a síntese elaborada por H. Onyeukwu, 2010). Uma razão plausível que poderia explicar os impasses existentes, como as sucessivas derrogações de calendário relativas à erradicação do gas flare, cujo prazo-limite, mais recente, foi estabelecido para finais de 2012, passa por assumir que as empresas petrolíferas são as grandes beneficiadas com os sucessivos impasses, uma tese que é apresentada de forma recorrente, que H G. Kingston estrutura em bases estatístico-matemáticas e de que, em simultâneo, capta as linhas essenciais, que compreendem:

a) A poluição associada aos derrames é benéfica para as empresas, porque lhes reduz os custos de transação, uma consequência do laxismo vigente, que permite que estes atores não compensem os prejuízos que causam;

b) O paraíso de poluição, assim criado, decorre da estrutura federal do país, que é muito deficiente e relativamente disfuncional, estando os poderes concentrados neste nível de governação, tornando os poderes subordinados incapazes de aplicar a legislação;

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c) Na realidade, o estado federal depende dos rendimentos dos hidrocarbonetos, pelo que não pode impor regras penalizadoras a terceiros, preservando, ao invés, os seus e os interesses, e em simultâneo, os das TNC;

d) Deste modo, a dependência económica dos recursos naturais, profundamente articulada à subordinação a interesses externos, inviabiliza o desenvolvimento sustentável do país, como, em simultâneo, a estrutura centralizada do poder facilita a corrupção e a manipulação dos agentes públicos pelas empresas (cf., 2011, em especial, pp. 11-12).

Outros autores reconhecem a responsabilidades das IOC, divergindo, porém, no que respeita aos graus de responsabilidade relativa em presença, dando mais ênfase ao papel desempenhado pelos atores estatais nigerianos, sobretudo, ao nível federal, adensando, assim, o quadro da situação vigente. Estão neste último caso, nomeadamente, O. Okafor, e H. Baümuller et al., com o primeiro a apresentar um quadro alargado de causas que contribuem para o arrastar da situação, que ainda que contemple o papel das empresas petrolíferas, se centra em fatores de ordem interna, reportado, sobretudo, à responsabilidade do foro político alargado, a que acrescem razões sociais mais latas e, ainda, de natureza económica, estas últimas centradas na racionalidade estrita das alternativas à combustão do gás (cf., 2011, em especial as conclusões, pp. 47-57). Esta perspetiva não é muito divergente do que é apresentada no relatório encomendado pelo Parlamento Europeu, que começa por remeter para a reduzida capacidade de implementação e de aplicação da legislação vigente, isto reconhecendo a subalternidade da tutela direta. Neste contexto, a responsabilidade das empresas é mais diretamente relacionada com a ausência de recurso a soluções tecnológicas mais recentes e ao reduzido conteúdo das iniciativas desenvolvidas no quadro da C. S. R ficando implícita que as mesmas incorrem em situações que as beneficiarão mas que envolvem decisões de entidades públicas, como a existência de clausulas confidenciais nos PSC e, sobretudo, a incapacidade do estado para assegurar a sua quota-parte no financiamento de projetos de investimento, a desenvolver no quadro de JV, visando o aproveitamento do gás (cf., H. Baümuller et. al, 2011, pp. 23-24 e 31-32).

Em conclusão, apesar da articulação a fatores que contribuem para obscurecer a questão, parece iniludível que, de forma direta, a vertente ambiental potencia a obtenção de benefícios-extra para as IOC, resultado que, no entanto, não se poderá dissociar dos impactos negativos, assim criados, na região do delta do Níger.

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