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2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA

3.6 A evolução do Poder Normativo da Justiça do Trabalho no Brasil

Os parâmetros desse Poder Normativo, tal como foi concebido, eram o mínimo legal e o interesse público calcado também na sobrevivência empresarial.

Era limitado no tempo (vigência da sentença normativa), no espaço (base territorial das partes em conflito) e quanto às pessoas (aos integrantes da categoria).

O Regime ditatorial imposto, com o controle estatal dos sindicatos, proibição de greves e a outorga abundante e demagógica de leis “protetivas” aos trabalhadores como forma de compensar o direito de reivindicação que lhes foi usurpado, contribuiu para a velada indignação das massas até que sobreviesse a Constituição de 1946.

A discussão sobre a constitucionalidade desse poder levou o constituinte de 1946 a prevê-lo expressamente no texto constitucional 308. Todavia a polêmica não acabou e era necessário definir melhor os contornos e limites nos quais esse Poder Normativo poderia ser exercido.

O § 2º, do art. 123 da Constituição de 1946, dispunha que “a lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.

A polêmica inicialmente travada quanto ao alcance desse Poder Normativo era se o texto constitucional prescindia ou não de regulamentação ao dispor que “a lei especificará”. Embora os sindicatos patronais sustentassem a inconstitucionalidade do exercício amplo do Poder Normativo enquanto não sobreviesse lei especificando seus limites, a corrente vitoriosa foi no sentido de que o texto constitucional não estava excluindo os casos já especificados em lei. A jurisprudência se firmou pacífica no sentido de uma ampla competência normativa dos Tribunais, até onde a lei não proibisse.

Até o início da década de sessenta, os dissídios coletivos eram em sua quase totalidade sobre a fixação de salários normativos, os quais eram

308 A Constituição de 1946 também incluiu a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário.

estabelecidos, em função da eqüidade, limitados apenas ao parâmetro da lei ordinária (salário justo e justa retribuição do capital, conforme disposição do art. 766, da CLT309). Os sindicatos se acomodaram e nada fizeram para conquistas de outros direitos para os trabalhadores além daqueles já previstos na legislação. Nenhuma luta havia, por exemplo, para limitação de jornada extraordinária ou manutenção dos postos de trabalho, tolerando o pagamento de indenização pela dispensa imotivada, até mesmo daqueles que obtinham estabilidade. Em síntese, as negociações diretas não se proliferaram, até mesmo em razão do desestímulo que o sistema jurídico delineava, e os dissídios coletivos eram pobres porquanto não se discutiam direitos outros senão os salários normativos.

Porém, com o golpe militar e o regime instalado em 1964, esse quadro sofreu drásticas mudanças. Ocorreram centenas de intervenções em sindicatos e destituições de dirigentes sindicais, os quais eram substituídos por adversários ou funcionários do Ministério do Trabalho. Além disso, o novo governo investiu fortemente contra a negociação coletiva e o Poder Normativo, subordinando-os a um disciplinamento econômico. Com este intuito surgem leis regulamentando o direito de greve (Lei 4.430/64) e disciplinando o dissídio coletivo (Lei 4.725/65).

Através de Decretos-lei (nos 15 e 16/66), o governo fixa regras e critérios de reajustes salariais310.

No exercício do Poder Normativo, os Tribunais não poderiam conceder reajustes salariais superiores aos índices oficialmente autorizados pelo governo, muitas vezes maquiados em detrimento da classe trabalhadora.

Os sindicatos tentavam então obter nos Tribunais vantagens por meio de outras cláusulas que refletissem melhores condições de trabalho, fugindo, então, daquele quadro estagnado do uso do Poder Normativo. Mas o momento político era outro e o Supremo Tribunal Federal não tardou em rever suas posições quanto aos recursos patronais relativos à inconstitucionalidade (sustentando que o texto constitucional necessitaria de regulamentação), que passaram a ter acolhida.

309 CLT, art. 766. Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas.

310 PINTO, Almir Pazzianotto. Justiça do Trabalho e Poder Normativo. Revista LTr. São Paulo. LTr. v.

62, n. 08, agosto, 1998, p. 1021.

Outros problemas passaram a abalar o Poder Normativo e o colocaram em descrédito, como o efeito suspensivo que era possível ser concedido pela presidência do TST nos recursos em dissídios para aquele tribunal e a demora nos julgamentos que permitia até mesmo estarem simultaneamente em curso dois ou mais dissídios envolvendo as mesmas categorias.

Sobreveio o Decreto-lei 229/67 que reformulou o Título VI da CLT, regulamentando as Convenções Coletivas de Trabalho, valorizando as negociações coletivas ao impor certas condições para a instauração do dissídio coletivo, como quórum em assembléias do sindicato (art. 612 da CLT) e esgotamento de medidas com vistas à negociação direta (art. 616 da CLT).

Esse quadro não se alterou nos anos que se seguiram, tendo a Constituição promulgada em 1967 (art. 134, §1º) e sua Emenda Constitucional em 1969 (art. 142, §1º) mantido o texto da Constituição de 1946 quanto ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, igualmente remetendo à lei ordinária a especificação de seu modo de exercício. Assim dispunham tanto a Carta de 67 como a Emenda de 69: “A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos dissídios coletivos poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.

A norma regulamentadora prevista CF/67 e na Ementa de 69 (assim como aquela anteriormente prevista no § 2º do art. 123 da CF/46) nunca foi editada.

Esclarece Ives Gandra Martins Filho311 que de início o TST curvou-se ao entendimento do STF312, mas que posteriormente reviu sua posição. Embora se tratasse de norma de eficácia limitada (não auto-aplicável) que condicionaria o Poder Normativo às hipóteses que a lei viesse especificar, preferiu o TST entendê-la como se fosse norma de eficácia contida, de aplicação imediata e sujeita a restrições posteriores.

A década de 70, e os primeiros anos da década de 80, foi um período marcado por certo enriquecimento nas decisões normativas. A partir de 1970 algumas daquelas vantagens que eram paulatinamente inseridas nas pautas

311 MARTINS FILHO, Ives Gandra. Obra citada, p. 40/42.

312 Jurisprudência da STF: “Não é possível o estabelecimento de cláusula, em dissídio coletivo do trabalho, sem lei em que possa apoiar-se” (RE 101.124-6, Rel. Min. Aldir Passarino, DJU de 19.4.85, pág. 5457).

de negociações, como forma de compensar as já inviáveis cláusulas de reajustes salariais, passaram a ser aceitas pelo TST. Exemplo disso foi a estabilidade provisória da empregada gestante deferida pelo TST em 1970. Por outro lado, se essa evolução no conteúdo das decisões normativas valorizavam os dissídios coletivos, acabavam por reduzir a importância das negociações diretas.