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2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA

3.1 Conflitos coletivos de trabalho

O vocábulo conflito, do latim conflictus, significa combater, lutar e designa posições antagônicas 241. O conflito de interesse está presente desde as primeiras aglomerações e comunidades. O homem manifesta sua vontade, que, invariavelmente, colide com a vontade dos demais componentes do conjunto. O conflito de trabalho é um conflito de interesse em sentido lato e acompanha o homem desde o momento em que passou a existir trabalho por conta alheia 242.

Como observa Ari Possidonio Beltran 243, talvez não exista campo mais propício para a análise dos conflitos do que o das relações do trabalho. O conflito é inerente ao relacionamento humano e é fato típico nas relações de trabalho. De fato, a contradição de interesses é o traço mais acentuado das relações trabalhistas. O aumento de um direito quer significar a diminuição de alguma vantagem da outra parte.

Apoiando-se nas lições de Donald Pierson, Beltran 244 aponta a diferença entre conflito e competição. Esta, ainda que de forma inconsciente, é uma constante na luta pela existência. Quando se tem consciência de que se está competindo com alguém ou com certo grupo por algo que só existe em quantidade limitada a competição se transforma em conflito.

No mesmo sentido Amauri Mascaro Nascimento 245 adverte que o conflito não é apenas a insatisfação com as condições de trabalho, mas também a

241 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 289

242 Com a evolução da civilização, os homens passaram a depender cada vez mais uns dos outros, na medida em que o desenvolvimento das tarefas fez com que cada homem realizasse apenas parte de suas necessidades, buscando no trabalho alheio a satisfação das outras necessidades. Os conflitos de trabalho aumentam consideravelmente com o advento da revolução industrial e a doutrina do liberalismo que pregava a não intervenção do Estado na economia e nos meios de produção.

243 BELTRAN, Ari Posidônio. Autotutela nas Relações do Trabalho. São Paulo. LTr. 1996, p.37.

244 BELTRAN, Ari Posidônio. Idem, p. 38.

245 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 290

exteriorização dessa insatisfação, que pode ser evidenciada de forma branda, como no pleito de novas condições de trabalho visando uma negociação, ou, de forma extrema, como na greve.

A doutrina normalmente faz distinção no que tange aos vocábulos conflito, controvérsia e dissídio. José Cláudio Monteiro de Brito Filho246 bem ilustra essa diferenciação, em geral, posta nos seguintes termos: o conflito seria o primeiro momento em que se observa a tensão entre as partes, cada qual pretendendo um interesse sobre um mesmo bem; a controvérsia seria o conflito em fase de procedimento, judicial ou não, de solução; já dissídio seria o procedimento judicial de solução do conflito perante a jurisdição. Para Otávio Bueno Magano247, conquanto possa ter sentido essa diferenciação, o termo “conflito” é palavra genérica que pode abranger todas essas situações.

Russomano248 define o conflito de trabalho como “litígio entre trabalhadores e empresários ou entidades representativas de suas categorias sobre determinada pretensão jurídica de natureza trabalhista, com fundamento em norma jurídica vigente ou tendo por finalidade a estipulação de novas condições de trabalho”.

Observa-se pela definição acima que, em sentido amplo, um conflito de trabalho pode englobar tanto os conflitos individuais como os coletivos de trabalho e pode ter fundamento tanto na aplicação de regras já existentes como na criação de novas regras sobre condições de trabalho. Daí se extraem as duas principais formas de classificação dos conflitos249:

1) Conflitos individuais e conflitos coletivos 2) Conflitos de direito e conflitos de interesses.

Quanto à primeira forma, os conflitos individuais se relacionam com os interesses particulares de trabalhadores e empresários determinados, enquanto os coletivos envolvem determinados grupos, de categoria econômica ou profissional,

246 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Obra citada, p. 259.

247 MAGANO, Octavio Bueno. Obra citada, p.160.

248 RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p. 226.

249 RODRIGUES, Américo Plá. Estudo preliminar. In DE BUEN, Nestor (coord). A solução dos conflitos trabalhistas. (trad Wagner D. Giglio). São Paulo. LTr, 1986. p. 10.

normalmente envolvendo interesses gerais e abstratos da categoria, cuja quantidade de pessoas não se pode determinar com precisão.

Quanto à segunda forma, os conflitos de direito (também chamados de jurídicos) versam sobre a interpretação e aplicação de um direito adquirido e atual, preexistente, seja do contrato de trabalho, da convenção coletiva ou da lei. Os conflitos de interesses (também chamados econômicos) se fundam na reivindicação tendente a modificar um direito existente, ou a criar novo direito.

Amauri Marcaro Nascimento250 nos mostra de forma clara a diferenciação dessas espécies:

Pode, no entanto, entender por individuais os conflitos entre um trabalhador ou diversos trabalhadores, individualmente considerados, e o empregador. São conflitos sobre o contrato individual de cada um. O Conflito coletivo, ao contrário, é mais amplo. Não surge de um contrato de trabalho, individualmente considerado, nem é destinado a superar controvérsias em torno dele. Alcança um grupo de trabalhadores e um ou vários empregadores e se refere a interesses gerais do grupo, ainda que possa surgir questões sobre os contratos individuais de trabalho.

[...]Econômicos, ou de interesses, são os conflitos nos quais os trabalhadores reivindicam novas e melhores condições de trabalho.

Jurídicos, ou de direito, são os conflitos em que a divergência reside na aplicação ou interpretação de uma norma jurídica. A diferença entre os dois conflitos está na finalidade de um e de outro.

Observa Américo Plá Rodrigues251 que as duas classificações são, no entanto, independentes e harmonizáveis, de forma que combinadas resultem em quatro tipos de conflito: os individuais de direito, os individuais de interesses, os coletivos de direito e os coletivos de interesse. Esse ponto de vista também é compartilhado por Russomano252.

Wagner D. Gigio253, divergindo, entende que “os litígios individuais visam a aplicação de norma jurídica preexistente ao caso concreto, enquanto os

250 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 291

251 RODRIGUES, Américo Plá. Obra citada p.10.

252 Russomano critica a relação clássica, a seu ver não mais aplicável, entre os critérios objetivo e subjetivo de conflitos de interesses, segundo a qual: (a) os conflitos individuais são, sempre, conflitos de natureza jurídica; (b) os conflitos coletivos podem ser, indistintamente, de natureza jurídica e de natureza econômica. Para ele é possível criar novas condições de trabalho ou mesmo modificar aquelas existentes em casos individuais e concretos. (RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada.

p.231/232.)

253 GIGLIO, Wagner Giglio. A solução dos conflitos trabalhistas no Brasil. In DE BUEN, Nestor (coord) A solução dos conflitos trabalhistas. São Paulo. LTr, 1986. p. 55.

coletivos buscam a criação de norma jurídica (litígios de natureza econômica) ou sua interpretação em tese (natureza jurídica)”.

A classificação se mostra importante porque há modos específicos de solucionar os conflitos econômicos e os conflitos jurídicos. A maioria dos sistemas jurídicos só aceita a solução jurisdicional para dissídios coletivos de natureza jurídica. No Brasil se adota a solução jurisdicional para ambos os tipos.

Uma definição específica da espécie que aqui nos interessa, o

“conflito coletivo de trabalho”, é bem elaborada por Ari Possidonio Beltran. Para ele, seria:

[...] todo movimento que gere perturbação da atividade, provocado por um grupo de trabalhadores, assistido por entidade legalmente representativa ab initio ou no curso do movimento, contra empregador ou grupo de empregadores, tendo por objetivo reivindicações, relacionadas com o contrato de trabalho, perseguindo interesses abstratos da coletividade 254.

O autor põe em relevo a necessidade da representação se dar por entidade sindical, em sentido lato. No Brasil, no sistema ainda vigente, os trabalhadores devem estar assistidos ou representados por sindicato, federação ou confederação. Também se destaca o interesse abstrato do grupo nas suas reivindicações. O objetivo é criar normas aplicáveis a todos os componentes do grupo.

O objetivo natural é a criação de normas pelas próprias partes.

Excepcionalmente, esse poder normativo das partes é entregue a terceiro, até mesmo de forma compulsória, conforme a forma dê solução do conflito, o que veremos adiante.

254 BELTRAN, Ari Posidônio. Obra citada, p. 64.