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2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA

4.3 O dissídio coletivo de greve

Observa-se pela redação do §3º do artigo 114 que o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar o dissídio coletivo “em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público”.

Não há qualquer possibilidade de o Ministério Público ajuizar o dissídio coletivo quando não se tratar de greve nos moldes da previsão constitucional, ou seja, deve-se tratar de paralisação de “atividade essencial” e “com possibilidade de lesão do interesse público”, não bastando a ocorrência de apenas uma dessas hipóteses.

Embora o §3º do art. 114 utilize a mesma locução do §2º, no sentido de competir à Justiça do Trabalho “decidir o conflito”, no caso do dissídio de greve, não se vislumbra a possibilidade de essa decisão criar direitos para as partes. A decisão deve apenas se limitar a declarar ou não a abusividade da greve, requerendo providências para assegurar a prestação dos serviços indispensáveis,

343 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo. Malheiros, 1995, p. 41.

nos termos do art. 12 da Lei de Greve344, sem entrar no mérito das reivindicações dos trabalhadores, pois o conflito deverá permanecer aberto. Essa é a lógica.

Os interesses perseguidos são os da sociedade, de cujo atendimento básico depende. Só neste conflito é que o Estado deve intervir, ou seja, no conflito entre as necessidades da sociedade (não do patrão ou dos empregados) e os efeitos que a greve lhe causa.

As redações dos §§ 2º e 3º do art. 114, comparadas, não deixam dúvida. Na primeira hipótese se fala em “ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica”, enquanto na segunda não há essa qualificação (econômico). Também na primeira hipótese se fala em decisão do conflito respeitando disposições mínimas de trabalho, enquanto na segunda se fala apenas em decisão do conflito. Normando Rodrigues345 bem nos esclarece:

Portanto, o conflito de que trata o § 3º é procedimental do movimento paredista, e não o conflito coletivo de trabalho, tratado no parágrafo anterior. Interpretação diversa, calcada na duplicação da materialidade do § 2º,rebatendo-a para o §3º, desafia a sistemática do art. 114. No segundo, é clara a intenção de se possibilitar ao Judiciário Trabalhista a solução das diferenças entre as partes, desde que por estas legitimado. No terceiro, visa-se não à composição das diferenças, mas à garantia das necessidades inadiáveis da população. [...] Garantidas as necessidades da população, pela regulação heterônoma da Greve, as partes poderão prosseguir em conflito até futuro consenso, dissolução ou esgotamento de forças, ou ainda recurso consensual ao mesmo judiciário, que então, e só então, estaria legitimado a tratar das diferenças entre elas.

Mas há quem discorde desse entendimento. Para Otávio Brito Lopes346, não são esses os limites de atuação do Ministério Público nem da decisão judicial. Assim se manifesta o autor:

O que justifica a intervenção do Estado-Juiz para dirimir o conflito e impor a solução às partes envolvidas é o interesse da sociedade prejudicada. Neste caso, o Ministério Público age em nome da sociedade com o objetivo claro de preservar seus direitos,

344 Lei 7.783/89, art. 12. “No caso da inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público, assegurará a prestação dos serviços indispensáveis”.

345 RODRIGUES, Normando. A Greve após a EC 45/04: decisão do conflito sem Poder Normativo. In RAMOS FILHO, Wilson (coord) Direito Coletivo do Trabalho depois da ED 45/04. Curitiba. Genesis Editora, 2005, p. 237.

346 LOPES, Otávio Brito. A Emenda Constitucional n. 45 e o Ministério Público do Trabalho Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. Síntese. Vol 71 – nº 1 – jan/abr 2005, p. 186.

restabelecendo os serviços essenciais, pondo fim ao movimento, mediante a imposição de uma solução.

Da mesma forma entende Cássio Mesquita Barros347 que, ao comentar o dispositivo constitucional, disse que o dissídio coletivo econômico suscitado pelo Ministério Público “pode estabelecer condições de trabalho”.

Ora, da forma como pensam Brito Lopes e Mesquita Barros, o direito de greve fica prejudicado. Não se deve impor solução às partes. As partes devem se entender diretamente, sob pena de esvaziar por completo o direito de greve assegurado constitucionalmente como direito fundamental dos trabalhadores, aliás, sua principal arma, senão única. A greve não deve mesmo afetar a sociedade em suas necessidades básicas mínimas, mas tem que cumprir seu objetivo de afetar ao máximo o empregador.

Neste sentido é a opinião de Raimundo Simão de Melo348:

[...] A instauração de dissídio coletivo, embora autorizado em lei, não nos parece ser o meio mais adequado, devendo ser utilizado apenas em casos gravíssimos e excepcionais, visto que, como é induvidoso, a melhor forma para a solução dos conflitos de trabalho é a negociada e não aquelas impostas pelo Estado-juiz (a Justiça do Trabalho) ou por um terceiro (árbitro). Ora, se as partes envolvidas no conflito não querem a solução heterônima, até porque muitas vezes, mesmo durante a greve, continuam negociando, não é aconselhável que o Ministério Público do Trabalho ajuíze o dissídio, exatamente para não “abortar” o exercício constitucional do direito de greve e o desenvolvimento da negociação coletiva, como postulados básicos da democracia trabalhista, como temos afirmado.

Na mesma linha se manifesta Cássio Casagrande349:

Por derradeiro, quando o Ministério Público do Trabalho optar por ajuizar o dissídio coletivo de greve em atividades essenciais, parece claro que a atuação deve se limitar à declaração da abusividade do movimento de paralisação, não sendo razoável presumir que a legitimação, na hipótese, inclua a possibilidade do o parquet requerer o exercício integral do poder normativo, com a apreciação

347 BARROS, Cássio Mesquita. A Reforma Judiciária da Emenda Constitucional n. 45. Revista LTr vol.

69, nº 2, fev de 2005, p. 186.

348 MELO, Raimundo Simão. Dissídio Coletivo de Trabalho. São Paulo. LTr. 2002, p. 108.

349 CASAGRANDE, Cássio. O Direito de Greve e a nova competência material e hierárquica da Justiça do Trabalho. Atribuições do Ministério Público do Trabalho. In RAMOS FILHO, Wilson (coord).

Direito Coletivo do Trabalho depois da ED 45/04. Curitiba. Genesis Editora, 2005. p. 221.

sobre o conteúdo das reivindicações grevistas, pois quanto a este interesse a legitimação é exlcusiva das entidades sindicais.

Além do mais, não se pode esquecer que o conflito econômico entre as partes é interesse disponível, o que extrapola a incumbência reservada ao Ministério Público pelo art. 127 da Constituição (defesa dos “interesses sociais e individuais indisponíveis“).

O texto constitucional deixa claro que desaparece a possibilidade de o empregador ajuizar o dissídio coletivo para ver declarada a abusividade da greve.

Somente o Ministério Público terá legitimidade para tanto.

Arnaldo Süssekind350, no entanto, entende que o direito de ação é

“facultado a qualquer das partes envolvidas no conflito coletivo, quando o procedimento da greve estiver lesando ou ameaçando violar legítimo direito da categoria representada”. Não concordamos com isso. Se as partes quiserem, nada as impedirá, já quando deflagrado o movimento, que ajuízem o dissídio coletivo de natureza econômica, mas de comum acordo, nos termos do §2º do art. 114 da CF.

O que resta enfatizar é que o dissídio de greve instaurado por iniciativa do Ministério Público é dissídio coletivo de natureza jurídica, não econômica. Não haverá criação de norma, mas apenas a aplicação do direito já regulado pela lei de greve. Logo, não há que se falar em Poder Normativo neste caso. O poder é apenas jurisdicional, de aplicar a lei ao caso concreto.