• Nenhum resultado encontrado

2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA

4.2 A necessidade de “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio coletivo

4.2.1 Constitucionalidade da exigência do “comum acordo”

Desde a publicação da Emenda 45/04, muitos têm sustentado que a inovação do §2º do art. 114, no que diz respeito à exigência do “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio coletivo, afigura-se inconstitucional. Para essa corrente, a alteração estaria ferindo o princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV333, o qual deveria ser salvaguardado por tratar-se de cláusula pétrea conforme dispõe o §4º do art. 60334.

Com esses argumentos, várias Confederações de trabalhadores (setor de alimentação, comércio, indústria, empresas de crédito, turismo, saúde, transporte marítimo e terrestre) atacaram o dispositivo legal com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3423/2005). Também a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura (CNTEEC) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de

333 CF/88, art. 5º, XXXV. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Ensino (CONFENEN) ajuizaram ações semelhantes (ADI 3431, ADI 3432 e ADI 3520) 335.

Nessas ações são atacados tanto o §2º como o §3º do art. 114. Com relação ao §3º o questionamento é no sentido de atribuir exclusivamente ao Ministério Público do Trabalho a legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo no caso de greve em atividade essencial, "excluindo os legítimos representantes dos trabalhadores, principais interessados em ver o deslinde do impasse provocador da paralização”336.

Segundo o advogado das confederações na ADI 3423/2005, Sid Riedel, tal dispositivo da reforma do Judiciário (§2º do art. 114) é inconstitucional, pois contraria cláusulas pétreas da Constituição, que asseguram o direito a qualquer pessoa ao acesso a Justiça. Enaltecendo sua indignação, o advogado faz a seguinte comparação: "Imagine uma pessoa que me deve R$ 5.000. Tento resolver o problema negociando, mas a pessoa não me paga. Aí quero entrar na Justiça, mas só posso recorrer ao Judiciário se essa pessoa estiver de acordo" 337.

Referida comparação pode ser confrontada como o seguinte questionamento de Antônio Álvares da Silva338: “Acaso no Direito Privado, quando um contrato não se realiza, por desacordo das partes, pode uma delas entrar em juízo e pedir ao juiz que, compulsoriamente, substitua ambas as vontades e decida sobre o mérito da obrigação pretendida?”

Segundo Antônio Álvares da Silva339, com quem concordamos neste aspecto, não há qualquer inconstitucionalidade quanto à exigência do “comum acordo”. O autor parte da premissa de que o Direito Coletivo do Trabalho tem princípios próprios (que não se confundem sequer com os princípios do Direito Individual do Trabalho), dentre eles o da “não interferência do Estado”, cuja base está na autonomia sindical (Convenção 87 da OIT e art. 8º da CF/88). O autor ainda

334 CF/88, art. 60, §4º. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir .... IV – os direitos e garantias individuais”.

335 Matérias publicadas no site do STF nos dias 7 e 11.3.2005 (www.stf.gov.br)

336 Matérias publicadas no site do STF nos dias 7 e 11.3.2005 (www.stf.gov.br)

337 Matéria publicada no site do TRT da 6ª Região em 7.3.2005 (www.trt6.gov.br)

338 SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. Tr, 2005, p. 346.

339 SILVA, Antônio Álvares da. Idem p. 345-349.

assevera que “o dissídio coletivo é instituto inexistente no direito comparado porque aniquila a liberdade sindical e a negociação coletiva” e restringe também o direito de greve. Portanto a condição imposta pela EC 45/04 apenas removeu a contradição existente na Constituição, compatibilizando o dissídio coletivo com a liberdade sindical.

Deve-se distinguir a ação de dissídio coletivo da ação comum. Nesta existe um direito subjetivo derivado da lei. No dissídio coletivo, não há reconhecimento de um direito, mas sim criação de um direito por atividade anômala do Poder Judiciário. O princípio do acesso ao judiciário se aplica em relação a um direito positivo, concreto, existente na lei340.

Como destaca Otávio Brito Lopes341, tal qual previsto antes da EC 45/2004, o Poder Normativo exercido pela Justiça do Trabalho no dissídio coletivo só tinha forma de jurisdição, pois na essência tratava-se de verdadeiro poder legiferante. Logo, se não tinha natureza jurisdicional, com sua retirada não se pode falar em ofensa ao princípio do acesso à jurisdição.

E não há como equiparar a possibilidade do ajuizamento unilateral do dissídio coletivo (prevista na antiga redação do art. 114/CF) com o direito de ação (acesso ao Judiciário) previsto no art. 5º, XXXV da CF. Esse, assim como a liberdade sindical (art. 8º/CF), a negociação coletiva (art. 7º, XXVI/CF) e o direito de greve (art. 9º/CF) são efetivamente direitos fundamentais (positivados no catálogo próprio da CF) e não podem ser extirpados porquanto protegidos como cláusulas pétreas. Mas aquele - dissídio coletivo - não se trata de direito fundamental e não tem a mesma proteção.

Ainda que se entendesse o dissídio coletivo como extensão do direito fundamental de ação, nada obstaria que ele fosse restringido, como de fato o foi, porquanto não atingido o seu núcleo fundamental. Conforme esclarece Ingo Wolfgang Sarlet342:

340 SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. LTr.

2005, p. 350.

341 LOPES, Otávio Brito. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.

45 Revista LTr vol. 69, nº 2, fev de 2005, p. 168.

342 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2001. p 359-362

De concreto, resta, contudo, a pertinente preocupação com a petrificação da ordem constitucional, justificando a elaboração de propostas de cunho conciliatório, sustentando que as ‘cláusulas pétreas’ não podem ser compreendidas como limites absolutos à reforma da Constituição, já que é necessário alcançar-se certo equilíbrio entre a indispensável estabilidade constitucional e a necessária adaptabilidade da Constituição à realidade, não sendo exigível que as gerações futuras fiquem eternamente vinculadas a determinados princípios e valores consagrados pelo Constituinte em determinado momento histórico [...].

Além disso, entendemos que a necessária adaptabilidade da Constituição pode ser suficientemente assegurada por meio de uma adequada exegese do alcance das ‘cláusulas pétreas’ [...].

A garantia das cláusulas pétreas assegura esses conteúdos apenas na sua essência, não se opondo a desenvolvimentos ou modificações que preservem os princípios naqueles contidos. [...]

Assim, as cláusulas pétreas não objetivam a proteção dos dispositivos constitucionais em si, mas sim os princípios neles plasmados, não podendo estes ser esvaziados por uma reforma constitucional.

[...] Mera modificação no enunciado do dispositivo não conduz necessariamente a uma inconstitucionalidade, desde que preservado o sentido do preceito e não afetada a essência do princípio objeto da proteção. [...] a proteção imprimida por tais cláusulas não implica absoluta intangibilidade do bem constitucional protegido. O núcleo do bem constitucional protegido é constituído pela essência do princípio ou direito. [...]

Por núcleo essencial dos direitos e dos princípios fundamentais estruturantes poderá considerar os elementos que constituem a própria substância, os fundamentos, os elementos ou componentes deles inseparáveis, isto é, os elementos essenciais e não meramente acidentais. O grau de proteção de cada direito fundamental irá depender, em última análise, da adequada delimitação de seu núcleo essencial.

Como assevera Juarez Freitas343, o sistema jurídico deve ser visto como

“uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de norma e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição”.

Não podemos deixar de lembrar que, quanto aos princípios fundamentais pregados no artigo 1º da Constituição Federal, dispõe o seu parágrafo

único que o povo exerce seu poder por meio de seus representantes “legitimamente eleitos”. Não são os juízes. Estes, através do dissídio coletivo, agridem o princípio da autonomia coletiva e da liberdade sindical como um todo.

As antinomias do Poder Normativo da Justiça do Trabalho com tais princípios são gritantes dentro da Constituição. Portanto, a Reforma do Judiciário nada mais fez do que remover obstáculo ao pleno desenvolvimento da negociação coletiva direta entre as partes, porquanto, esta sim, se trata de princípio fundamental.