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CAPÍTULO IV – A prevenção e combate contra a radicalização:

IV. 2. O Reino Unido

2.3 A evolução do terrorismo no Reino Unido (2001-2016)

Tal como a França, o Reino Unido possui também uma longa história de violência política. Historicamente, as principais ameaças de terrorismo contra os interesses britânicos provêm dos grupos terroristas da Irlanda do Norte como o IRA. Os anos conturbados conhecidos por “The Troubles” marcam essa ameaça11. Com a assinatura do acordo de Belfast em Abril de 1998 (Good Friday Agreement) – que visava o estabelecimento de um governo regional independente – “verificou-se uma queda significativa na atividade terrorista”, todavia os grupos dissidentes como o CIRA, IRA e o ONH ainda representam uma “ameaça séria e persistente” (Prevent, 2011). A SDSR (2015: 16) corrobora: “there is still a threat from Northern Ireland related terrorism. (...) Violent dissident republicans aspire to target Great Britain, and some groupings remain capable of conducting one-off attacks, but currently consider Northern Ireland to be their main focus”12. Segundo o MI5 a

10“Os níveis de ameaça são designados a fim de indicar a probabilidade da ocorrência de um ataque terrorista”. O nível de ameaça relativo ao terrorismo na Irlanda do Norte ou a outras formas de terrorismo doméstico no Reino Unido é determinado pelo MI5 e não pelo JTAC. O JTAC, criado em 2003, é uma entidade que congrega representantes de 16 departamentos governamentais e agências que “analisa, avalia toda a intelligence relativa ao terrorismo internacional, no território nacional e no exterior”. A determinação do nível de ameaça depende “de vários fatores como das informações disponíveis (intelligence), da capacidade e das intenções dos terroristas ou da circunstância (timescale)”.

Os níveis de ameaça nacionais estão disponíveis ao público desde 2006 (a partir de 2010, sobre o terrorismo na Irlanda do Norte): “sharing national threat levels with the general public keeps everyone informed. It explains the context for the various security measures (for example airport security or bag searches) which we may encounter in our daily lives” (MI5, s/data, A).

11 A questão irlandesa domina a política britânica desde o final do século XIX. De forma simplificada, no centro das discrepâncias estão as divergências entre “nacionalistas” ou “republicanos” - maioritariamente Católicos - a favor da expulsão das forças britânicas e da união da Irlanda do Norte com a República da Irlanda e “unionistas” ou “loyalists”, a maioria Protestante, a favor da manutenção da Irlanda do Norte no Reino Unido (CEP, 2017b: 5-6). “Organizações paramilitares de ambos os lados conduziram campanhas terroristas, especialmente durante as três décadas de conflito a partir de 1960 que resultaram em mais de 3.000 vítimas mortais” (MI5, s/data, B).

12 CIRA (The Countinuity IRA). ONH (Óglaigh na h’Eireann). “Aside from attacks against the security forces, dissent republicans also conduct punishment shootings and beatings against alleged criminals in an effort to enhance community support and undermine the Police Service of Northern Ireland (PSNI). Many (...) are also heavily involved in criminal activities for personal gain, including smuggling and extortion” (MI5, s/data, B).

27 de Maio de 2017, o risco de ameaça no Reino Unido proveniente da Irlanda do Norte situa-se no nível SUBSTANCIAL, indicando uma forte possibilidade de ataque.

Em 2001, o foco principal da segurança britânica inverte-se. Acompanhando a evolução das transformações a nível internacional e na Europa, o foco do governo britânico – e do contraterrorismo internacional – centra-se não no terrorismo doméstico mas nas ameaças provenientes do “exterior”, em grupos como a al-Qaeda e seus afiliados quer no Sudeste Asiático quer na Península Arábica. Desde então, refere o MI5, o meio internacional tem assistido ao aparecimento de grupos islamitas em vários países, que têm aproveitado para explorar os conflitos como uma oportunidade para “ganhar força e proteção” (strength and refuge) (Parker, MI5, 2013). Em 2013, o serviço de informações apontava que aqueles grupos eram as ameaças primordiais do país, alertando para o perigo do conflito na Síria: “a growing proportion of our casework now has some link to Syria, mostly concerning individuals from the UK who have travelled to fight there or who aspire to do so” (Parker, MI5, 2013). Em 2015, o governo britânico reiterava a seriedade da ameaça referindo que o Reino Unido enfrenta “um nível de ameaça sem precedentes estando a Síria e o Iraque na posição dianteira do trabalho do MI5” (Parker, MI5, 2015).

Em resultado deste panorama, nos últimos 10 anos (2006 - 2016) o Reino Unido deteve 1.298 indivíduos e condenou 551 (anexo B2). Não temos dados empíricos suficientes para afirmar se há ou não uma correlação direta entre detidos e condenados, todavia os números parecem ser indicativos não só dos esforços das autoridades governamentais no controlo da ameaça mas também do seu perigo iminente.

No Global Peace Index (2016), o Reino Unido figura em 47º lugar no ranking a nível mundial e, a nível regional, na 27º posição. À semelhança da França, conforme afirma o relatório, estes resultados estão relacionados com uma deterioração no indicador da “paz a nível externo” que se deve sobretudo ao seu envolvimento no exterior, especialmente no Médio Oriente com recurso ao poder militar.

De acordo com a análise do ICSR (2012: 11), existem outros fatores que no seu conjunto contribuem para estes resultados e levaram a que o Reino Unido fosse considerado um alvo-chave para a al-Qaeda (e agora também para o ISIS): “grande fluxo de islamitas provenientes do Mundo Árabe e Sudeste Asiático durante os anos 1970 e 1980; um «estado multicultural» altamente tolerante que, de acordo com vários, terá [ignorado] o crescimento do extremismo islamista no país durante a década de 1990; ou ainda uma política externa similar à dos Estados Unidos da América”. O testemunho de Adam Deen, um ex-extremista

islamista do grupo terrorista proscrito al-Muhajiroun13, confirma esta multiplicidade de

fatores (enfâse nosso):

“Actions speak louder than words and so began a plot of their own. (...)14

The rationale behind such an attack would be to attack the British government, to punish them for what was perceived to be a war on Islam and a war on Muslims. For their invasion of Iraq, their aggressive foreign policy against Muslims and their cooperation with the USA. We wanted to make an impact, for them to realise they shouldn’t meddle with Muslim affairs and that there is a consequence in targeting Muslims.” Para o ICSR, os aspetos culturais e religiosos são também fatores “[which] have facilitated a surge in UK-related terrorism”. Neste ponto, o ICSR destaca o fato da sociedade inglesa ser constituída por uma grande porção de população de jovens oriundos do Paquistão “that could relatively easily access terrorist training camps and militant groups in Afghanistan and Pakistan, and a further influx of Arab jihadists in the mid-1990s who were directly linked to al-Qaeda”. Segundo as estatísticas do World Factbook da CIA ([2011], 2016), 87.2% da população é de etnia caucasiana (“white”) e 1.9% britânica- asiática (Paquistão), sendo este o terceiro grupo mais populoso a seguir aos indivíduos de etnia africana que corresponde a 3% do total populacional. De notar que “a maioria dos condenados são cidadãos britânicos, muitos são de origem paquistanesa” (ICSR, 2012).

Aliás, segundo a estratégia contraterrorista do Reino Unido de 2011 (última versão), “a maior ameaça para o país tem advindo de grupos com base no Paquistão. Os nacionais britânicos (entre outras centenas de europeus) têm recebido treino ou operado no Paquistão e alguns pretendem viajar para o Afeganistão” (CONTEST, 2011: 26). Ademais, segundo o Conselho Americano de Política Externa, “entre 1999 e 2000, mais de um quarto de todos os atos (offences) relacionados com o islamismo foram da responsabilidade de cidadãos britânicos-paquistaneses ou de cidadãos paquistaneses” (AFPC, 2017: 8). Ainda, no que concerne à religião, notamos que os cristãos (nas suas mais diversas formas) representam 59.5%, da população, sendo os muçulmanos o segundo grupo religioso com

13 Grupo fundado em 1980 por Omar Bakri Muhammed, um clérigo extremista, e Anjem Choudary, um advogado britânico que se tornou pregador e é atualmente uma das vozes mais ativas do Islão radical no Reino Unido. A organização é vista como uma rede que espelha uma versão extremista do Islão e apela a um Reino Unido governado à luz da sharia (Dodd e Gierson, The Guardian, 2017). Adam Deen trabalha atualmente na organização Quilliam International em conjunto com outros ex-extremistas (como Maajid Nawaz) e académicos na luta contra o extremismo violento, em particular o jihadista. Tem presença assídua em canais televisivos britânicos como a BBC.

14 “We actually wanted to target Tower Hill tube station because it was connected underground, it was connected to the river and the water supply. So the idea was that if we could put a bomb there that it would completely flood the underground system”. (Deen in Mays, UNILAD, 2017).

maior evidência na sociedade britânica, perfazendo um total de 4.4% da população (CIA [2011], 2016)15.

2.4 O contraterrorismo no Reino Unido