• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – A prevenção e combate contra a radicalização:

IV. 2. O Reino Unido

2.4 O contraterrorismo no Reino Unido

Os princípios gerais do contraterrorismo britânico estão delineados na estratégia CONTEST. Lançada em 2003 e revista até ao momento três vezes (2006, 2009 e 2011), a CONTEST “estabelece a visão, o enquadramento e os meios de prevenção e resposta relativos à ameaça” (Matos, 2016d: 133). O objetivo central da nova estratégia de 2011 é “reduzir o risco do terrorismo no território nacional e no exterior” (CONTEST, 2011: 40) sendo também a sua principal inovação: contrariamente às estratégias anteriores, a CONTEST 2011 recupera os princípios estipulados na “Revisão da Estratégia de Defesa e Segurança” de 2010 e alarga o seu âmbito passando a incluir todas as formas de terrorismo quer tenham origem interna ou externa. Acompanhando os princípios de segurança nacional, a estratégia enfatiza a necessidade de “abordar não só a ameaça direta dos ataques mas também os fatores a longo prazo que possibilitam o desenvolvimento e o crescimento dos grupos terroristas” (Idem). A luta contra o terrorismo no Reino Unido segue uma abordagem holística que envolve a coordenação com outros programas governamentais e é orientada por quatro linhas de ação:

(1) Perseguir (Pursue) – Desmantelar os ataques terroristas, quer a nível interno ou externo. Implica a “deteção e investigação de possíveis ataques com a maior antecedência possível, a disrupção da atividade terrorista e a prossecução dos responsáveis” (CONTEST, 2011: 45)

(2) Prevenir (Prevent) – Prevenir o envolvimento de indivíduos em atividades terroristas ou a sua promoção. Apesar de incluída na CONTEST, o Prevent é considerado uma “estratégia” per si, a qual foi implementada em 2007 e posteriormente incluída em 2009, na segunda revisão da CONTEST. Dedica-se ao fenómeno da radicalização, procurando (a) combater a ideologia subjacente ao extremismo violento; (b) prevenir a radicalização de indivíduos e apoiar aqueles mais vulneráveis a um possível recrutamento bem como abordar as causas (grievances) exploradas pelo processo de radicalização e (c)

15 O inquérito realizado pela WIN/Gallup International (2017), que abarcou 68 países, demonstra umas estatísticas diferentes: o Reino Unido é um dos países “menos religiosos”, sendo que 11% da população afirma ser ateia e 58% não religiosa. (Oliver, World Economic Forum, 2017)

fortalecer as comunidades, trabalhando com “vários sectores da sociedade, incluindo, em particular, a educação, fé, saúde, internet ou a justiça criminal” (CONTEST, 2011: 62).

(3) Proteger (Protect) – Reforçar a proteção do país contra um ataque quer no território nacional ou no exterior, a fim de reduzir não a ameaça do terrorismo (isso é a tarefa dos dois pilares anteriores) mas antes a vulnerabilidade quanto a um ataque terrorista (Idem: 81). As prioridades nesta linha de ação passam por “(a) fortalecer da segurança nas fronteiras; (b) reduzir a vulnerabilidade da rede de transportes; (c) potenciar a resiliência das infraestruturas e (d) aumentar a segurança em espaços públicos (crowded places)”. Essas prioridades são dadas pelo NSRA (CONTEST, 2011: 79).

(4) Preparar (Prepare) – Mitigar o impacto de um ataque terrorista quando não pode ser parado. Esta linha de ação implica trabalhar para combater o ataque e a recuperação pós o incidente. Entre outros propósitos, requer-se o reforço da capacidade dos serviços de emergência durante o ataque e o fortalecimento da partilha de informações e comunicações relativas a possíveis ataques. “O Prepare tem evoluído no sentido de refletir as prioridades explanadas na Estratégia de Segurança Nacional”, a qual enfatiza a necessária coesão entre os níveis local e nacional, alertando também para a educação da população sobre os riscos que o Reino Unido enfrenta (CONTEST, 2011: 94)

Segundo Matos (2016d: 130), a CONTEST baseia-se num modelo contraterrorista de law enforcement (ou “Criminal Justice Model”), pelo que o terrorismo é encarado como “um crime e, como tal, necessariamente prevenido e reprimindo pela ação dos serviços de informações e forças policiais [bem como] e sistema penal e prisional”. O modelo britânico tem sido criticado por tender a preferir a via militar (Matos, 2016d). Como refere Morrie e Hoe (1987: 113), “there are governments who will stand up to the terrorist threat and respond with vigour and purpose. The British view is particularly hardline and uncompromising”.

A definição de terrorismo no Reino Unido remonta ao Prevention of Terrorism Act de 1989, a qual foi posteriormente alargada com a implementação do Terrorism Act em 2000 (TE-SAT, 2007: 39). Até ao 11/9, “a maioria da legislação antiterrorista era direcionada para resolver os problemas relativos ao conflito na Irlanda do Norte” (Wilkinson [2007] apud Matos, 2016d: 132), “contudo, desde 2000 e especialmente após o 11/9, a atenção do governo britânico tem sido orientada a fim de lidar com o crescimento do terrorismo internacional” (Tuval, IDI, 2008). O Terrorism Act de 2000, considerada a lei base para a perpetração de terroristas e proscrição de organizações terroristas, “anulou a legislação de exceção no Reino Unido (british emergengy legislation) orientada para o

conflito na Irlanda do Norte e reformulou os mecanismos legais destinados ao combate da ameaça (Idem). Sobretudo, a inovação desta nova lei reside em ter alargado a definição para incluir atos terroristas internacionais, juntamente aos domésticos” (US Bureau, 2001: 42). O artigo 1 tipifica a seguinte definição (DILP, AR, 2015: 19):

“O uso ou ameaça de ação criados para forçar o Governo ou uma organização internacional ou intimidar a população (…), inspirado em causas políticas, religiosas, raciais ou ideológicas e envolva violência grave contra uma pessoa, danos contra propriedade, coloque em perigo a vida de uma pessoa que não a que conduza o ato, constitua um risco grave à saúde ou tanto à segurança pública como a um sector da população ou seja concebido com o objetivo de perturbar ou afetar um sistema eletrónico”. Tal como podemos notar pela definição apresentada (2000), “o ordenamento jurídico do Reino Unido contempla um vasto conjunto de ilícitos associados ao fenómeno terrorista”. Ou seja, verificamos que o terrorismo na lei britânica é encarado de forma difusa cuja legislação, segundo a Assembleia da República Portuguesa, é “aprovada em função das especificidades inerentes ao próprio fenómeno” (DILP, AR, 2015: 47).

Em 2003, o Crime International Co-operation Act implementa a definição estipulada no Framework Decision da União Europeia (TE-SAT, 2007: 39) e em 2006, o governo aprova um novo Terrorism Act o qual passa a incluir na definição novos elementos (TE-SAT, 2009) como “a proibição da incitação ao terrorismo e disseminação de propaganda terrorista (secções 1-4), a proibição de atos preparatórios e o treino de terroristas (secções 5-8) e a proibição da posse e o uso de substâncias radioativas e nucleares (secções 9-12) bem como agravou as penas aplicadas para atos relativos ao terrorismo (Tuval, IDI, 2008). Sob a aprovação do Terrorism Act de 2000, “entre o 11/9 e 2003, a polícia deteve 537 indivíduos sendo 94 condenados com ofensas relativas ao terrorismo” (US Bureau, 2003: 56). Samina Malik foi a primeira cidadã britânica condenada à luz dessas disposições pela posse de determinados documentos que poderiam ter sido usados para cometer um ato terrorista (Idem). Detida em Outubro de 2006, Malik “had a library of material useful to terrorists in her apartment. She was found guilty of possessing records likely to be used for terrorism” (US Bureau, 2007: 100). Segundo o The Telegraph, “Malik, 24, posted a series of poems on websites across the internet about killing non- believers, pursuing martyrdom and raising children to be holy fighters. (…) [She] was given a nine-month jail sentence (…) for preparing an act of terrorism under Section 58 of the Terrorism Act 2000”. (Gardham, The Telegraph, 2008)16.

16 A britânica estava na posse de vários documentos “including al-Qaida Manual, the Terrorist’s Handbook, the Mujahedeen Poisons Handbook and several military manuals”. “She also wrote on the back of a till receipt: «The desire within me increases every day to go for martyrdom»”. (Glendinning,

A nível de estrutura institucional, a principal entidade responsável pela segurança interna e o contraterrorismo no Reino Unido é o Ministério do Interior (Home Office), estando a cargo do seu Ministro a “formulação de políticas e legislação contraterroristas, bem como o controlo executivo sobre o serviço de informações interno do país, o MI5. Outras entidades como as agências de intelligence de defesa também têm um papel relevante nesse âmbito mas estão sob a coordenação dos Ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. O trabalho de todas estas entidades e outros ministérios são coordenados através de “cross-departmental committes” (Foley, 2013: 78).

À semelhança da França, o Reino Unido conta também com o apoio dos parceiros a nível internacional na luta contra o terrorismo. Entre outros organismos, o Reino Unido compromete-se com as resoluções das Nações Unidas e com os parceiros na União Europeia, atribuindo especial relevância à necessidade de partilha de informação, à implementação de medidas que dificultem a entrada de terroristas no espaço europeu ou à identificação dos fatores que contribuem para o recrutamento e promoção do terrorismo. É membro da Financial Action Task Force against Money Laundering (FATF) e trabalha ativamente dentro do G8 (CODEXTER, 2007: 9). Os relatórios norte-americanos sublinham também a participação do Reino Unido na NATO e no Counter Terrorism Action Group (CTAG), sendo também membro do GCTG.