• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – O terrorismo e o contraterrorismo

II. 2. O Contraterrorismo

2.3 A importância dos mass media

O desenvolvimento das TIC aumentaram a margem de atuação dos terroristas, reduzindo o tempo de resposta das autoridades competentes. Compreender o seu papel no contraterrorismo implica avaliar os seus possíveis efeitos negativos e positivos.

No campo dos efeitos negativos, os media são frequentemente encarados como “o oxigénio do terrorismo” (Ranstorp, 2007), isto é, um aliado (não intencional mas por vezes ingénuo) do indivíduo ou grupo terrorista pois (i) publicitam e dão visibilidade aos seus propósitos centrais (recrutamento e propaganda) e (ii) potenciam e/ou amplificam os nefastos efeitos da violência perpetrada. Os atos são maximizados, assistindo-se à criação de “um clima de medo irracional” (Hobsbawn, 2008) nas populações: “like a ‘ghost’, [it’s] everywhere but physically nowhere and provides it with a self-generating momentum to replicate, replenish losses and shift direction globally at a moment’s notice” (Ranstorp, 2007: 2). Deste modo, os media podem contribuir para um possível efeito de contágio (ao encorajar a formação de novos grupos e/ou a radicalização) bem como potenciar a perturbação dos esforços das forças de segurança ou, em última instância, frustrar uma determinada operação antiterrorista.

9 Sob o nome de código “Vault 7” a organização revela que a CIA “perdeu o controlo do arsenal de espionagem”, dispondo de “um vasto número de armas tecnológicas e cibernéticas” ou “software that could allow people to take control of the most popular consumer electronics products used today” (i.e smartphones, televisões) (Mortimer, The Independent, 2017; JN, 2017; Wikileaks, 2017).

Por estes efeitos, vários têm sido os apelos a um “blackout” de notícias uma vez que seria uma estratégia dissuasora ou possivelmente benéfica que minimizaria os efeitos psicológicos (nas populações) ou até intimidaria o terrorista a ponto de bloquear a ação planeada. Esta argumentação foi recentemente reanimada após os ataques em França (2015), nomeadamente por parte do Diretor do Le Monde, Jerome Fenoglio, ou de cadeias de televisão como a BFM-TV, a fim de prevenir “the possible posthumous glorifying effects” (Associated Press, The Telegraph, 2016). É uma medida altamente controversa porque confronta os valores dos regimes democráticos como o direito (e dever) à liberdade de expressão e de informação.

No campo dos efeitos positivos, os mass media podem servir como um possível contraponto ao efeito de contágio pois, ao constituírem um veículo de expressão, reflexão, alerta e pressão sobre os governos e forças de segurança, poderão estimular o interesse público na prevenção da ameaça.

Os mass media funcionam assim como um “duplo porta-voz de discursos opostos” (Faria, 2012) ao amplificarem os efeitos da violência e, simultaneamente, constituírem meios de pressão política. Parece-nos que o equilíbrio da sua ação reside em saber como e quando divulgar a informação ou noticiar os ataques. Além disso, “não há estudos científicos que provem que os media sejam uma causa direta do terrorismo ou do aumento da ocorrência de ataques” (Faria, 2012).

2.3.1 O perigo da internet e das redes sociais

O jogo perpetrado pelos grupos terroristas como o ISIS é o da “jihad mediática”. O game-changer da propaganda terrorista (islamista) deu-se a partir de 2007 com a divulgação de um vídeo (e mensagens de áudio) de Bin Laden pela al-Qaeda. Atualmente, essa propaganda (ISIS) é realizada através do uso intensivo de vários instrumentos do meio digital como as redes sociais (Facebook, Twitter, YouTube), ou através da criação de apps tecnológicas similares ao WhatsApp como o Telegram e das suas próprias agências noticiosas (i.e. A’maq News Agency) e revistas como a Rumiyah que têm tradução para 10 línguas diferentes (TE-SAT, 2008; TE-SAT, 2017).

Todo este material é usado para difundir os mais diversos materiais como filmes, vídeos, panfletos ou cartazes no intuito de “providenciar uma visão coerente do mundo; adquirir recursos, estabelecer de redes ou pontos de contacto (networks)” (TE-SAT, 2008: 21). Os relatórios TE-SAT (2007-2017) sublinham que são principalmente usados para esta

difusão de propaganda mas também são utilizados como veículos de recrutamento e financiamento.

No entanto, segundo dados da EUROPOL, apesar desta sua “máquina propagandística” (Shamieh e Szenes, DATr, 2015), a estratégia comunicacional do ISIS em 2016 não teve o alcance esperado, tendo-se verificando um decréscimo no volume de mensagens durante esse ano (TE-SAT, 2017: 29). Este efeito é eventualmente um produto das ações desenvolvidas pelos gigantes informáticos que se têm unido para combater as ideologias extremistas.10

Numa análise sobre as estratégias de comunicação do ISIS, Robert Simcox (CTC, 2017) demonstra que é a propaganda online o principal catalisador para o recrutamento de membros, sendo os jovens pré e adolescentes ocidentais o grupo demográfico mais aliciado (a média situa-se entre os 16 e 18 anos). Simcox alerta, porém, que este não é um novo fenómeno existindo outros múltiplos exemplos de jovens radicalizados pela influência dos meios de comunicação (i.e. entre os bombistas suicidas da al-Qaeda no underground londrino em 2005 figurava um rapaz de 18 anos, Hasib Hussain). Segundo o autor, o ISIS é o grupo terrorista com maior sucesso e influência sobre os jovens ocidentais: “between September 2014 and December 2016, a total of 34 plots or alleged plots were organized by ISIS-inspired or directed teens and pre-teens”.

A popularidade desta forma de propaganda entre os jovens da “geração milénio” (sobretudo muçulmanos) justifica-se, entre outros fatores, pela narrativa poderosa difundida (apelo ao “homo jihadicus”, ao “verdadeiro muçulmano”), a simplicidade e a produção cuidada na difusão da mensagem (utilização de meios informáticos sofisticados), o caracter descentralizado (forte presença [do ISIS] em chats, apps, ou dispositivos móveis) ou até a rapidez na resposta. Para o Diretor do SIED, “os novos media são as mesquitas radicais do século XXI” (Seminário Internacional NOVA IMS - SIRP - IDN, 2016).

Toda esta estratégia complexifica a ação contraterrorista, nomeadamente em identificar e controlar os extremistas, a qual é especialmente dificultada pelo recurso dos grupos terroristas à chamada “dark web” ou a sistemas de encriptação: “[those] involved in terrorist and extremist activities use encryption or obfuscation in order to evade interception of their communications by law enforcement and intelligence agencies” (TE-

10 Em finais de 2016, o Facebook, a Microsoft, o Twitter e a Google desenvolveram uma base de dados conjunta a fim de retirar das suas plataformas imagens ou vídeos alusivos ao terrorismo (TE-SAT, 2017: 29). A Google, em particular, anunciou que “vai utilizar táticas de publicidade online para criar anúncios destinados a potenciais recrutas do Estado Islâmico. Ao clicarem no conteúdo, as pessoas serão redirecionados para páginas e vídeos com mensagens contra o terrorismo e o discurso de ódio”

SAT, 2016: 17). Além disso, as estratégias de comunicação acompanham a evolução da era global e tecnológica, sendo continuamente revistas e adaptadas a fim de contrariar os esforços das forças de segurança e/ou avançar nos seus propósitos como o alargamento da sua base de apoio.

Porém, ressalvem-se dois aspetos. Primeiro, a existência de iniciativas provenientes do mundo islâmico como a plataforma noticiosa “New Islamic Media”- Desde 1970, tem trabalhado para dirimir os efeitos do uso dos mass media através da promoção de um “soft islam” (e não de “televangelismo”), a qual para muitos tem permitido contrabalançar as perceções xenófobas e as vozes extremistas relativamente às comunidades muçulmanas e, até, prevenir uma possível radicalização (POMEPS, 2017: 4). Segundo, a internet e as redes sociais são facilitadores mas o cerne da radicalização radica sobretudo no contacto humano, nas ligações que são estabelecidas entre pares e comunidades, como exemplifica o caso do jovem Hamaad Munshi11.