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CAPÍTULO II – O terrorismo e o contraterrorismo

1.3 As causas do terrorismo

Da mesma forma que não existe concordância quanto a uma definição do terrorismo, a academia também não é consensual na identificação das suas causas. O terrorismo não é um produto de uma única causa mas, antes, de um conjunto diverso de fatores que se relacionam entre si e variam de um contexto para outro. As causas são dinâmicas, mutáveis e difíceis de prever, dificultando as respostas governamentais em matéria de contraterrorismo.

No entanto, os académicos têm identificado diversos motivos organizando-os por norma em quatro níveis: individual, grupal, social e governamental (Sinai, 2007). A literatura não é homogénea nesta divisão encontrando-se outras esquematizações como a do USIP (s/data), que distingue entre motivos psicológicos, ideológicos e estratégicos, ou o estudo de Crenshaw (2012) que diferencia entre fatores “pré-condicionantes” e “precipitantes”. Não obstante a miscelânea de motivos ou categorizações, podemos dividir as causas do terrorismo em dois grupos gerais: (i) os fatores contextuais (relativos ao contexto em que determinado grupo ou indivíduo se insere e que incluiria os níveis grupal,

social e governamental suprarreferidos) e (ii) os fatores individuais (aqueles do foro psíquico).

No grupo dos fatores contextuais, os motivos sublinhados relacionam-se com a vulnerabilidade das sociedades ou com determinadas condições ou políticas governamentais que afetam diretamente a qualidade de vida dos cidadãos. “Aspetos socioculturais, como a religião, a história, ou os usos e costumes (…) influenciam as atitudes coletivas (…) [que podem] favorecer sentimentos de intolerância, de radicalismos nacionalistas, religiosos ou ideológicos, podem dar lugar a surtos de violência e, eventualmente, alimentar a prática do terrorismo” (Martins, 2010: 46). Nos países da OCDE, os sentimentos de injustiça social ou de insatisfação em geral com o sistema político são as variáveis fundamentais que potenciam o terrorismo. Nos países “em desenvolvimento”, os fatores causais potenciadores estão sobretudo relacionados com conflitos políticos internos (GTI, 2015). Países que possuam baixas taxas de alfabetização e escolarização, em contextos de pobreza extrema, conflitos étnicos ou em que não estejam assegurados os direitos sociais e civis, são mais propensos a demonstrações ativas de descontentamento e, em última instância, à ocorrência de atividades terroristas (Sinai, 2007).

No entanto, este correlato entre o terrorismo e a (falta de) condições socioeconómicas não é suportado pelas investigações empíricas, como demonstra o estudo de Alan Krueger (2007). Conclui o autor (apud Atran, 2008: 4) que: (1) não é a pobreza ou os baixos níveis educacionais5 que constituem as causas para o terrorismo mas, antes, a

privação de liberdade política; e (2) as democracias são o tipo de regime político mais visado porque os terroristas procuram visibilidade e são o mais responsivo e tolerante ao debate público”. Explica Hobsbawn (2008: 116) que “a retórica liberal sempre falhou no reconhecimento de que nenhuma sociedade funciona sem ser usada alguma violência na política (nem que seja na forma de greves e protestos públicos)”. Essa violência é particularmente notória “em países fortes e estáveis e de instituições políticas liberais [pois] estabelece[-se] uma distinção entre dois termos que se excluem mutuamente, «violência» e «não-violência»”. Os dados estatísticos confirmam esta lógica: os ataques terroristas são mais frequentes em estados mais desenvolvidos a nível tecnológico, social ou económico

5 Os potenciais recrutas da al-Qaeda eram “oriundos da classe média e alta, quase todos com educação universitária, com uma forte inclinação para a engenharia e ciências naturais” (Gambetta apud Hobsbawn, 2008b: 121). Um estudo do USIP (apud GTI, 2015: 73), para o qual foram entrevistados 2.032 indivíduos ex-combatentes pela al-Qaeda no Afeganistão e Iraque, revela que a al-Qaeda “only recruited the most devout and reliable people (…) [but] had an inadequate understanding of Islam [as] faith was routinely practised but was not a dominating force”.

(embora menos frequentes em países com uma elevada capacidade administrativa e burocrática) (Hendrix e Young, 2014: 329-330).

No grupo dos fatores individuais, que a literatura académica tende a sobrevalorizar, os motivos destacados apoiam-se nas teorias da Psicologia. O estudo destes fatores pode ser explorado sob vários pontos de vista: (i) terrorista (análise das características pessoais); (ii) relação do terrorista com o contexto político, religioso ou ideológico ou (iii) efeitos da atividade terrorista (Horgan, 2007: 107-108).

O início das primeiras investigações psicológicas sobre o terrorismo remonta a finais de 1960 e, até meados de 1980, as alegadas causas do fenómeno apoiavam-se na ciência da “psicopatologia do terrorismo”. Com base em especulações clínicas e em teorias como a Psicanálise freudiana, a privação relativa de Ted Robert Gurr (relação entre frustração e agressão) ou o narcisismo, a violência terrorista era encarada como um produto de um comportamento desviante, “motivada por motivos inconscientes e impulsivos, que teriam as suas origens na infância” (Borum, 2004). Mais do que um foreign fighter (os anos 60 legitimavam o uso desse rótulo), o terrorista era sobretudo - aos olhos de psicólogos e criminalistas - um “psicopata”.

Com base neste panorama, várias foram as tentativas de elaborar “tipologias” para classificar os terroristas. Como pioneiros nesta matéria aparecem os nomes dos psiquiatras Frederick Hacker (1976) e, também ex-agente da CIA, Jerrold Post (1980). Entre “cruzados”, “crazies”, “anarquista-ideológico”, “nacionalista-secessionista” ou “criminosos”, as designações pareciam revelar alguma lógica dadas as investigações prévias. Similarmente, vários tentaram identificar um “perfil de terrorista” como demonstra o estudo de Russel e Miller (1977)6. Todavia nem as propostas dos psiquiatras nem os

esforços de “profiling” (cf. glossário) obtiveram o sucesso desejado sendo rejeitados pela comunidade científica e académica.

A psicopatologia é atualmente uma ideia largamente desacreditada: “[it] has been nearly unanimous in its conclusion that mental illness and abnormality are typically not critical factors in terrorist behaviour” (Borum, 2010: 34). Embora os “terroristas” cometam atos supostamente típicos de um “psicopata”, as investigações científicas posteriores demonstraram que não existem indícios que o confirmem, para além de ser difícil garantir com assertividade a veracidade dessa hipótese: “as for empirical support, to date there is no

6 O autores analisaram o cadastro de mais de 350 indivíduos com ligações a organizações terroristas ativas entre 1966-1976 de 18 países diferentes e delinearam um protótipo: “young (22-25), unmarried male who is an urban resident, from a middle-upper class family, has some university education and probably held an extremist political philosophy” (Borum, 2004: 37).

compelling evidence that terrorists are abnormal, insane, or match a unique personality type.” (Friedland ([1992] apud Borum, 2004: 30). Pelo contrário, na expressão de Horgan, “most of terrorists are dangerously normal” e os relatos de antigos jihadistas radicais como Maajid Nawaz ou Adam Deen sobre os seus processos de radicalização e recrutamento, podem confirmá-lo. Os terroristas tomam uma escolha deliberada e intencional e as suas personalidades são consideradas estáveis, não existindo quaisquer indícios (empíricos) de abuso de substâncias ou tentativa de suicídio prévio (Merari apud Borum, 2004: 33). Entre outros aspetos, enquanto os terroristas têm vínculos a uma determinada ideologia (estando dispostos a sacrificar-se por tal) ou a outros indivíduos que partilhem dos mesmos princípios, os psicopatas não possuem as mesmas disposições.

Atualmente, do ponto de vista psicológico, os conceitos-chave para entender os fatores que levam indivíduos a juntar-se a determinados grupos ou a desenvolver atos de natureza terrorista são o “motivo” (emoção, desejo, necessidade psicológica ou impulso) e a “vulnerabilidade” (suscetibilidade, tentação). Segundo Borum (2004; 2010), a literatura aponta três fatores proeminentes: (1) a perceção de injustiça ou humilhação; (2) a necessidade de ter uma identidade estável ou desejo de status-quo e (3) a necessidade de pertença. Martha Crenshaw (1985) (apud Borum, 2004) acrescenta também “a oportunidade para a ação” e a “aquisição de uma recompensa material”.

Sem surpresa, atualmente preferem-se abordagens multidimensionais, que combinem elementos psicológicos e contextuais. No nosso parecer, tendo em conta as evidências científicas, a ideia da psicopatologia - apesar de tentadora - deve ser afastada. Se eventualmente considerada requer um olhar mais atento e prudente, devendo ser sustentada ou complementada com uma análise contextual.

1.3.1 O terrorismo suicida

Como vimos, o recurso ao martírio é um dos principais métodos do pós 1979. Termo sem consenso é encarado pela maioria dos lexicógrafos como “o ato de cometer suicídio em nome de uma causa, normalmente religiosa, no intuito de demonstrar fé ou devoção por aquela” (Barkun, 2012: 485).

A relação entre o terrorismo e religião não é usual mas a prática do martírio ao seu serviço não é um fenómeno moderno. A utilização da prática como instrumento de terror remonta à época medieval, perpetrada originalmente pelos Assassinos. No século XX, argumenta-se que o martírio terá sido utilizado pela potência do eixo japonesa na guerra do

Pacífico, nomeadamente pelos pilotos kamikaze cujo objetivo era fazer colidir o avião, de forma deliberada, contra os porta-aviões das forças aliadas. Apesar da raiz etimológica sugerir uma possível comparação com os bombistas suicidas (“vento divino” de kami, Deus, e kaze, vento), a analogia tem sido contestada7.

É a partir de 1980 que a tática suicida ganha proeminência pois apresenta-se como uma estratégia inovadora e é utilizada por grupos terroristas não-estatais: argumenta-se que foi utilizada pela primeira vez em 1983 no ataque contra a embaixada norte-americana em Beirute, tendo marcado uma “nova era para o terrorismo suicida” (Borum, 2004). Desde então, foi replicada em vários pontos do globo e tem-se verificado um crescimento significativo do seu uso: de uma média de três ataques por ano em meados de 1980 para dez nos anos 90 e, desde 2000, mais de cem (Heywood, 2011: 294). Face ao panorama, Moghaddam (2008, CTC) aponta para o surgimento da “globalização do martírio”, a qual se deve a dois fatores relacionados: (1) “a transformação da al-Qaeda num grupo terrorista global” e (2) “o aumento da atração pela ideologia salafista-jihadista (cf. glossário)”.

A análise de Hafez (2012) sobre os insurgentes suicidas da Guerra do Iraque permitem concluir que as motivações para o martírio (ou as narrativas jihadistas formuladas para o efeito) são de natureza ideológica e emocional. Do ponto de vista ideológico, de forma simplificada, está a ideia de “purificar” ou salvar o Islão bem como contestar o modelo democrático-ocidental. Do ponto de vista emocional, as motivações diferem daquelas de um suicídio dito clínico (normalmente associado a sentimentos de depressão). Estas conclusões não nos parecem surpreendentes pois as narrativas para o martírio são indissociáveis da mensagem ideológica, todavia dependentes da personalidade de cada indivíduo pois nem todos os afetos à ideologia levam a cabo atos suicidas. Segundo Borum (2004), a atração pelo martírio surge especialmente associada à crença numa recompensa eterna, na “vida depois da morte” (afterlife) ou, de acordo com o Hadith8, à expectativa de

um paraíso islâmico “in which 70 virgins await each young man who has sacrificed himself for his religion” (Heywood, 2011: 294).

7 Segundo Marton (2013), a antropóloga Ohnuki-Tierney adverte que é imprudente fazer comparações com os terroristas suicidas pois os kamikaze eram recrutados sob chantagem nacionalista ou patriótica e não tinham intenção de matar civis como os primeiros.

8 Segunda fonte de fé da religião muçulmana, a seguir ao Alcorão (Qur’an). De raiz árabe, significa “narrativa”. Também designado por «Suna do Profeta» (Sunna), o hadith é o conjunto dos preceitos e ações da vida de Maomé. Em bom rigor, existem centenas de milhares de hadiths, embora diferentes consoante a tradição sunita ou xiita (Tincq, 2007: 303; 306). Teti e Mura (2009: 93) apresentam uma conceção diferente ao distinguirem a Sunna do hadith – A Sunna, entendida por tradição, é o conjunto do Alcorão com o Hadith e não um sinónimo deste último. Os princípios do Islão baseiam-se assim em três fontes: o Alcorão, o hadith e a sharia (shari’a), que é a jurisprudência islâmica.

Contudo, como refere Rapoport (2004) ou Krieger (2013), não existem evidências empíricas diretas da correlação entre o terrorismo e o Islão ou até com qualquer outra religião (apesar dos elementos históricos). Pese embora as teses discordantes como a de Max Abrahms (2011), a persistência da utilização desta prática bem como o seu crescimento justifica-se geralmente pelas vantagens táticas, isto é, por ser um método pragmático e eficaz tanto no seu objetivo de criar pânico ou em alcançar determinados objetivos políticos: dados de 1980 revelam que 6 em 11 ataques suicidas “correlate with significant policy changes by the target state toward the terrorists’ major political goals” (Pape [2003], apud Borum, 2004: 34).