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A Evolução do Sistema Fiscal e das Relações Fiscais na China

CAPÍTULO II – Elementos de experiências relevantes para angola: A Descentralização Tributária em

2.4 A Descentralização (Desconcentração) Tributária na China

2.4.3 A Evolução do Sistema Fiscal e das Relações Fiscais na China

2.4.3.1 A Pré-Reforma do Sistema Fiscal no Período 1949 - 1978: Sistema de Controlo Central

A centralização do planeamento, finanças e administração dominou os primeiros trinta anos da República Popular da China (1949‐1978).Tratava‐se de um sistema em que todas as decisões sobre as necessidades colectivas eram tomadas a partir do topo.

As receitas eram arrecadadas pelos governos locais e encaminhadas para o governo central. O sistema de orçamento consolidado proibiu o poder discricionário de gastos para os governos locais. Embora de acordo com Oksenberg e Tong no contexto industrial e agrícola subdesenvolvido então predominante na China, o sistema de planeamento central funcionou83.

O sistema fiscal não contemplava impostos sobre os rendimentos pessoais ou corporativos. As receitas provinham em grande parte das remessas de lucros de propriedade das empresas estatais (SOE’s), cuja rentabilidade era assegurada por preços fixados pelo Estado. No final da década de 1970, os lucros das empresas estatais respondiam por quase metade das receitas totais do Governo. Embora as províncias participassem no aumento da receita, as suas despesas eram orçamentadas pelo centro.

A Administração fiscal estava articulada de forma muito simples, já que havia relativamente poucos contribuintes, e aqueles poucos eram principalmente os estatais. A arrecadação de impostos era delegada aos governos locais. As contas das empresas estatais

83 Oksenberg, Michel and James Tong, The China Quartery - The Evolution of Central–Provincial Fiscal

Relations in China, 1971–1984 The Formal System, volume 125/March 1991, pg.1‐32; http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=3553672&fileId=S030574100003 0289. Ùltima visista 09/10/2015. Trata‐se de um ponto de vista que justifica a centralização de decisões em determinados momentos da vida de um país.

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eram fáceis de monitorar e as suas receitas eram fáceis de determinar devido aos preços indicativos fixos e a produção e vendas planificada84.

No que se refere às despesas e orçamentos, os gastos eram determinados essencialmente no centro. Sob o sistema de orçamento consolidado, o governo central definia prioridades de gastos, aprovava os orçamentos locais de acordo com as necessidades de gastos locais, e determinava escalas de salários da função pública, pensões e benefícios de desemprego, educacional e os padrões de cuidados de saúde, etc. Na ausência de orçamentos independentes, os governos subnacionais não tinham o poder de gastos discricionários, eram unidades orçamentais idênticas às estatais (meros agentes do governo central).

Relativamente à atribuição das despesas, o governo central era responsável pela defesa nacional, desenvolvimento económico, a política industrial, e administração das instituições nacionais. Enquanto que os governos subnacionais tinham a responsabilidade da administração pública corrente e os serviços sociais, tais como educação primária e secundária, segurança pública, saúde, segurança social, habitação, entre outros serviços urbanos e locais.

2.4.3.2 A Descentralização no Período 1979-1993: A Contratação Fiscal e o Sistema de Partilha Fiscal

As séries de reformas fiscais ao longo do período 1979‐1993 foram impulsionadas principalmente devido a redução significativa na arrecadação de receitas fiscais em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) e o declínio precipitado de receitas por parte do governo central. O governo central começou a enfrentar uma considerável pressão fiscal e por isso, foi atribuindo responsabilidades de despesas aos governos subnacionais, uma decisão que levou á negociações complexas sobre os esquemas de compartilhamento entre diferentes níveis de governo.

As reformas fiscais neste período eram destinadas a promover o desenvolvimento económico local através do aumento de responsabilidades dos governos locais e aumentando a sua autonomia na realização das funções fiscais, ao mesmo tempo preservando um grau

84 Wong, Christine; Central-local Relations Revisited: the 1994 Tax Sharing Reform and Public Expenditure

Management in China, World Bank Office in China July 2000.

http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.201.8596&rep=rep1&type=pdf.Última visita 31/10/2015.

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adequado de controlo fiscal pelo governo central. Três sistemas de partilha de receitas foram introduzidos em 1980, 1985 e 198885.

Em 1980, foi introduzido o Sistema de Responsabilidade Contratual onde o sistema altamente centralizado foi substituído por um sistema de partilha de receita fiscal, o que forneceu aos governos subnacionais um incentivo para cobrar receitas. Sob esse sistema, as regras de compartilhamento do governo central‐provincial foram estabelecidos pelo governo central; as relações província‐municípios eram regidas pela província; e este princípio foi alargado às relações município‐freguesia.

Havia três tipos básicos de receitas: as receitas centrais fixas, as receitas locais fixas, e as receitas compartilhadas. Durante o período de 1980‐1984, cerca de 80% das receitas compartilhadas foram transferidas para o governo central e 20% retidas pelos governos locais. As bases e as taxas de todos os impostos, compartilhados ou fixos, eram determinadas pelo governo central.

As empresas deveriam pagar impostos ao nível do Governo para o qual estavam subordinadas. As maiorias das receitas eram arrecadadas por agências governamentais locais. A fórmula de repartição uniforme horizontal durante o período 1980‐1984 aumentou a cobrança de receitas em muitas áreas, mas também originou deficits nas províncias mais pobres.

Em 1985, o Conselho de Estado redesenhou os acordos de partilha de receitas, criando escalões com base nos saldos orçamentais de nível local dos anos anteriores. As Províncias financeiramente mais fracas foram autorizadas a reter mais receitas, mas as regiões mais ricas, como Xangai, Pequim, Tianjin, Liaoning, Jiangsu, Zhejiang foram penalizadas. Como consequência, as receitas dessas regiões cresceram mais lentamente do que a média nacional, uma vez que o sistema entusiasmou o nível local a expandir as suas bases fiscais.

No período 1988‐1993, foi implementado o Sistema de Contratação Fiscal. Este sistema exigia que cada nível de governo contratasse com o seu nível subordinado e cumprisse certas metas de receitas e despesas. Seis tipos de métodos de partilha de receitas centrais‐provincial foram adoptadas e aplicadas para determinados tipos de regiões. Os Governos subnacionais

85 Shen, Chunli and Jing Jin and Heng‐fu Zou, Fiscal Decentralization in China: History, Impact, Challenges

and Next Steps, CEMA, Central University of Finance and Economics, Beijing, China; Annals of Economics and

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passaram a ser obrigados a financiar os seus próprios gastos através de receitas auto‐geradas e compartilhadas.

Estas reformas foram descritas como um exemplo de federalismo "preservador de mercado", que se refere a um tipo especial de federalismo que limita o grau para o qual o sistema político de um país poderá usurpar dos seus mercados (recursos) locais e também como forma do governo incrementar eficiência no fornecimento de bens públicos86.

2.4.3.2.1 Consequências da Contratação Fiscal e do Sistema de Partilha Fiscal

Apesar dos persistentes esforços para renovar o sistema, os finais dos anos 80 e início dos anos 90 foram marcados por uma série de desafios, nomeadamente, o declínio contínuo das receitas orçamentais comparativamente ao PIB nacional; pela interferência dos governos locais no sector privado aumentando as disparidades fiscais regionais; pela devolução de responsabilidades de despesas (acompanhada de desvio de recursos a partir dos orçamentos formais em canais extra‐orçamentais); e grande desconfiança entre o centro e o nível local87.

A contratação fiscal fragilizou ainda mais o poder fiscal do Centro. Uma vez que a afectação das receitas não era clara, os governos subnacionais continuaram a apropriar‐se das receitas centrais. O abuso do poder local fiscal foi instigado por um ciclo vicioso de concorrência de jurisdição. A participação do Governo central na receita caiu de 33% em 1988, para apenas 22% em 1993. Por outro lado, os governos locais aumentaram a sua quota de receitas, particularmente aqueles que eram os principais contribuintes para as receitas do governo central. Os contractos fiscais não eram rigorosamente respeitados e foram revistos repetidamente para algumas regiões. A situação resultou num fenómeno descrito como "weak

trunk with strong branches”88, o que enfraqueceu o papel do governo central para colmatar

disparidades fiscais regionais e o seu apoio na concretização de serviços públicos.

O sistema de contratação fiscal da década de 80 criou ainda distorções no sector privado, pois o sistema alinhou os interesses do Governo com as empresas públicas, levando os Governos subnacionais a interferir no funcionamento das empresas e, portanto, impedindo o processo de separação entre Governos e empresas públicas. Esta interferência também foi

86 Qian, Yingyi and Barry R. Weingast; Federalism as a Commitment to Perserving Market Incentives, The

Journal of Economic Perspectives; vol.11, Nº4 1997, pg. 83‐92. http://www.jstor.org/stable/2138464?&seq=5#page_scan_tab_contents.Última visita 31/10/2015.

87 ob.cit. Chunli Shen and Jing Jin and Heng‐fu Zou; 2012. 88 Idem ob.cit. Chunli Shen and Jing Jin and Heng‐fu Zou; 2012.

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prejudicial à economia de mercado, levando a um tratamento especial para as empresas estatais pondo em causa a lealdade da concorrência com o sector privado. Também o facto do sistema previr que os governos locais poderiam ter iniciativas e liberdade para promover seus próprios interesses fiscais no sentido de ampliar as suas bases tributárias através da expansão das empresas locais, gerou sobreposição na construção e o desenvolvimento de empresas estatais locais inter‐regionais, e proteccionismo local.

O sistema de contratação fiscal também contribuiu para aumentar as disparidades fiscais regionais. Com uma variedade de contractos fiscais a serem manipulados, o sistema foi principalmente o resultado da negociação política entre o governo central e as províncias individualmente, e funcionou de uma forma prejudicial para as regiões pobres. As províncias ricas da região costeira, como Cantão, Xangai e Shandong, foram capazes de realizar contractos mais vantajosos devido às suas estratégias de desenvolvimento e a sua influência política. Estas províncias acumularam uma base de receita crescente e substancial, retendo a maior parte das receitas incrementais no interior da província, o governo central tornou‐se financeiramente incapaz de reduzir os desequilíbrios regionais.

O “stresse fiscal” ao nível do centro forçou o governo central a cortar as transferências intergovernamentais e sobrecarregou com mais responsabilidades de despesas os subníveis de governo. Verificou‐se na realidade, que as despesas locais cresceram muito mais rápido do que os gastos centrais, especialmente, relativamente ao seguro‐desemprego, fundos de pensão, e subsídios de habitação. O papel dos governos locais passou de simples fornecimento de serviços para actuar tanto como financiador como provedor.

As relações fiscais intergovernamentais no início de 1990 destacaram‐se por um clima de desconfiança. O governo central reconheceu que a contínua queda fiscal resultou da incapacidade do mesmo para arrecadar impostos, enquanto os governos locais também desviavam fundos orçamentais para canais extra‐orçamentais.

Do ponto de vista local, as repetidas mudanças nas regras de partilha de receitas eram vistas como um sinal de falta de compromisso firme entre o centro e o nível local para a construção de finanças locais sólidas. Além disso, em várias ocasiões durante a década de 1980, o governo central reviu a propriedade de sectores‐chave e introduziu novos impostos com o fim de aumentar a sua quota de receitas.

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Como consequência, “o governo central teve que “pedir empréstimos” às receitas dos

governos locais, como forma de absorver as suas receitas excessivas. As acções manipuladoras do centro convenceram os governos locais que receitas excedentárias não estavam a salvo de comportamento predatório do centro, e assim receitas significativas foram subtilmente comutando para miríade extra-orçamental de fundos”89.

Entretanto, embora as reformas fiscais dos anos 1980 não conseguiram reverter a tendência de quebra das receitas fiscais, o seu lado positivo verificou‐se no facto de que as reformas fiscais durante este período previram mecanismos para mobilizar a cobrança de receitas locais num esforço para promover o desenvolvimento económico local. Uma reforma radical do sistema fiscal foi finalmente preparada em 1994, no auge da luta fiscal na China90.