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2 A RELIGIOSIDADE DO MUNDO AFRICANO: TRADIÇÃO, ISLAMISMO E

6.1 Experiência de campo

6.1.2 A experiência das cápsulas

A experiência da cápsula, realizada com o narrador Wellington, foi tímida. Nem eu, tinha a habilidade necessária para deixa-lo à vontade, e nem ele era tão desenvolto. Além disso, percebi que Wellington mantinha sempre um controle do que iria falar, tanto que ele vai pontuar sua narrativa por temas, numa sequência que ele mesmo determina. Na verdade, captar uma cápsula não é uma tarefa muito fácil, porque os narradores estão mais habituados a responder o que lhes é perguntado, tal qual uma entrevista, do que falar suas experiências de vida de maneira livre, espontânea, como se caracteriza na cápsula.

A primeira cápsula aconteceu na residência do narrador. Não o conhecia, mas ele nos recebeu de maneira muito gentil. Foi muito cordial. Sua residência fica no bairro Ponta Grossa, em Maceió e como não sou muito habituada a andar por estes lados da cidade, um amigo meu, Laudemi Oliveira, foi minha companhia e me ajudou a registrar a cápsula narrativa, com o equipamento dele.

Apesar de sentir-se constrangido no início, aos poucos ele foi se soltando, ficando mais à vontade em falar suas experiências. Durante a gravação, alguns ruídos vindos de fora, como vozes de crianças, cães latindo atrapalharam um pouco, tiraram a concentração, fiquei um pouco ansiosa, querendo que o silêncio se restabelecesse, mas no final, correu tudo bem e o áudio, apesar de ter captado os ruídos, deu para ser transcrito.

Como o narrador não tinha conhecimento do que se tratava meu objeto de estudo, pois isto não é revelado, apenas lhe é dito que se fará um registro da sua experiência de vida, Wellington inicia sua fala a partir de sua puberdade, quando da separação dos pais. Até ele iniciar a fala sobre o que tratamos como nosso tema ele demorou um pouco. Talvez, devido a minha ansiedade, mas tentei não deixar transparecer para ele esse meu sentimento e acredito que ele não tenha percebido. Já no final de sua narrativa, ele toca no assunto do xangô e no que a religião significa para ele, enquanto espaço de identificação e acolhimento.

Na cápsula, feita com Paulo Victor, o momento foi bem distinto. Primeiro, porque marcamos em minha residência. Acreditava que seria mais tranquilo, pelo menos sem os ruídos de crianças e cães. E assim foi. Contei mais uma vez com a ajuda de meu amigo Laudemi Oliveira.

Em minha frente, tinha um narrador mais preparado, mais desenvolto em sua narrativa. Foi como se ele tivesse intuído o que eu queria ouvir, apesar de termos iniciado com o mesmo verbo: precisava registrar a experiência de vida.

Paulo Victor tem como experiência principal, o nascimento praticamente dentro de um terreiro de xangô, daí, provavelmente ele ter iniciado sua fala já comentando sobre essas experiências.

Sua formação acadêmica, graduado em Economia e mestrando em Ciências Sociais, acredito que tenha ajudado. O narrador, fala com eloquência, gosta de falar, Tanto que tive alguns transtornos, como a primeira bateria descarregar e eu sair as pressas para comprar novas pilhas. Porém, a qualidade delas não foi muito boa, e estas vieram a descarregar muito mais depressa que as primeiras. Por isso, a narrativa ficou entrecortada, mas não percebi uma grande perda nisso, visto, como falei, a eloquência do narrador. Ele retomou sua fala do ponto que paramos. Nessa cápsula, precisávamos marcar outro encontro. Até mesmo para ele complementar suas primeiras falas, dar continuidade a sua história, porém isso não foi feito. Decidi permanecer apenas com uma cápsula de cada narrador.

A terceira cápsula, realizada com Edson, foi marcada em minha residência, devido ao espaço de silêncio que precisávamos e da disponibilidade do narrador. Transcorreu muito bem, mas o recurso tecnológico foi outro. Utilizei meu smarthphone e não utilizei recurso de vídeo. Só a voz foi registrada, mas transcorreu de maneira muito eficiente e Edson se mostrou bem interessado para falar. Antes de registrar a narrativa, o narrador, muito curioso, queria saber quais perguntas eu gostaria que ele respondesse, então, tive que explicar-lhe que seria o registro da experiência de vida dele sem minha intervenção, enquanto ele estivesse falando e que eu não poderia opinar ou direcionar sua fala. No entanto, sua narrativa apresentou-se muito técnica. Diferentemente dos outros narradores, Edson não narrou sua experiência de vida. Fez um apanhado mais técnico do perfil dos orixás e das entidades que o regem. Sua narrativa demonstra um total controle de sua parte em sua fala. Discorreu como um texto pronto, premeditado, construído antecipadamente. Talvez por não querer falar de sua vida, propriamente dita, como demonstraram Paulo Victor e Clébio, e até mesmo Igbonan. Edson não se deixou levar por uma espontaneidade, que poderia muito bem ter ocorrido, visto ele já me conhecer de outro momento. Penso que essa característica de sua narrativa, significa um

controle para não revelar não só sobre sua vida particular, mas também sobre o segredo religioso, tal qual percebi na fala de Wellington e Igbonan, no entanto, cada um com sua peculiaridade de narrar. Porém, mostrou-se solícito para um futuro encontro e muito disponível e interessado para entender o processo. Não tivemos um novo encontro.

Apesar das circunstâncias me aconselharem a descartar sua cápsula, o interesse do narrador em ajudar, me fez tentar “salvar” sua narrativa. Com um pouco mais de leituras e pesquisas, irei perceber que a narrativa de Edson seria importante para meu trabalho. Algumas dúvidas que surgiram posteriormente eu as tirei com ele utilizando um aplicativo de mensagens para smarthphone. O tempo de Edson, devido ao trabalho é muito pouco. Tivemos que conversar por meio desse programa. Sua colaboração posterior coloquei em notas de rodapé.

A quarta cápsula, realizada com Clébio Araújo46, foi, ao meu ver, o encontro com meu narrador pleno. Nas palavras de Caldas (2013, p. 95):

O narrador pleno é aquele que não somente esteja aberto às entrevistas, mas aquele que consegue dar uma dimensão a sua vida que ultrapassa o simples contar, seja em densidade, seja até em quantidade de páginas, conquistando um tecido narrativo denso. [...]

A entrevista foi marcada na residência da matriarca da família do narrador. Era aniversário dela e por conta disso, tivemos que nos adequar à necessidade dele e ao mesmo tempo à sua disponibilidade, pois o mesmo não reside em Maceió, e sim, em Arapiraca. Posicionamo-nos no local mais silencioso da casa: o quintal. Utilizamos como recurso tecnológico o smarthphone. A última experiência com ele transcorreu de forma mais tranquila. E por 58minutos a entrevista foi realizada de forma muito espontânea. Ao término de sua narrativa, percebi a necessidade que ele teve de narrar outros acontecimentos, e mesmo tendo perdido alguns segundos de sua fala, resolvi registrar a partir dali, e isso significou mais 8minutos de narrativa bastante significativa. Acredito que a formação do narrador influenciou consideravelmente a facilidade e fluência da narrativa. Na ocasião, ficamos acordados que eu iria visitar o terreiro em Arapiraca no dia da festa dos inhames novos, momento em que Clébio será iniciado e também farei o registro.

A quinta e última cápsula realizada foi com Igbonan Rocha. Seu nome de registro é Antonio Rocha dos Santos Filho, mas o narrador não se identifica com o nome de batismo e utilizamos, portanto, seu nome artístico. Igbonam também tem um sentido muito forte em sua

46 Clébio Araújo é professor de História e atualmente assume o cargo de vice-reitor da Universidade do Estado

vida, pois é seu nome de iniciado no candomblé, que significa quentura, de acordo com informação do próprio narrador.

Igbonan é um artista e como tal, muito emotivo, sensível. Tivemos que fazer suas cápsulas em dois momentos distintos. No primeiro momento ele se emocionou e tive que cancelar, muito embora, o registro desse primeiro encontro está presente em nosso trabalho, mesmo porque, ele narra pontos extremamente significativos para sua vida, desde a forma de seu nascimento, até a história de seus pais.

Nosso segundo momento não foi muito fácil de agendar. Foi um período de festas na cidade, final de ano, praticamente. Sua agenda de shows estava repleta, mas ele sempre se mostrou atencioso e prestativo e conseguimos nosso segundo encontro, onde eu fui direta com ele dizendo-lhe que eu gostaria que ele falasse sobre seu encontro com o candomblé. Em um determinado momento, senti a necessidade que ele aprofundasse um pouco mais uma consideração a respeito do sacrifício da religião que ele colocou. Gostaria de saber sua opinião a respeito, então fiz essa pequena intervenção. No mais, a entrevista transcorreu direcionada por ele e quando ele achou por bem, finalizamos.

A experiência da cápsula para mim foi extremamente instigante, motivadora. Gostei dos desafios que ela me propôs. Eu não sabia o que ia dar, a que fim ela me levaria. No final, acredito que deu tudo certo. Ficou em mim só a vontade de continuar nessa área de pesquisa, focar nos meus objetos e ir em busca de narradores para meus futuros projetos.