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2 A RELIGIOSIDADE DO MUNDO AFRICANO: TRADIÇÃO, ISLAMISMO E

7.5 Igbonan Rocha

Antônio Rocha dos Santos Filho, graduado em História, mestre pela Florida International University, atua como cantor. Natural de Salvador, 55 anos, residente no bairro do Poço.

Eu nasci em Salvador, sou fruto de uma paixão entre uma baiana, empregada doméstica, filha-de-santo do Gantois e um dos primeiros negros a se formar em Engenharia na Universidade Federal de Minas Gerais. Paixão avassaladora entre os dois, de uma paquera ela ficou grávida.14 Ele sem saber, voltou pro Rio de Janeiro e aí, minha mãe fica em Salvador grávida de mim e entre o terreiro, ela era doméstica, o trabalho dela nas casas de família, como ela mesmo falava, até que meu pai descobre que ela tava grávida.9

Meu pai militante do MR-8 e foi morar num sítio na cidade de Ostinho, que é interior do Rio de Janeiro. Ele era um dos responsáveis pela reforma da via Dutra, da rodovia que ligava Rio e São Paulo e minha mãe foi morar com ele após eu ter nascido, minha mãe foi morar com ele nesse sítio no interior do Rio de Janeiro.21

Ela não entendia, porque minha mãe era analfabeta e não entendia o que naquela época, década de [19]60, não entendia de nada o que tava acontecendo no país. Ela era uma pessoa totalmente alienada, pela condição social que ela tinha mesmo.

A cena mais engraçada dessa época: eu nasci em Salvador e quando eu fui pro Rio de Janeiro, eu já estava pra 4 anos e aí eles se casam e no registro de casamento deles, atrás do registro foi feito “E tomam como filho legítimo a criança Antônio Rocha dos Santos Filho pa pa pa pa pa pa... E isso eu só vim ver eu já adolescente, eu tinha uns 15 anos, mexendo nas coisas de minha mãe encontrei essa certidão de casamento com essa inscrição atrás e pra mim foi um choque muito grande, porque eu achava que eu era adotado, né? (risos), mas era só olhar a cara do meu pai pra notar que não dava pra eu ser adotado não. Aí ela veio me explicar o que é que tinha sido, porque eles se casaram depois, tava com 4 anos e aí fizeram esse adendo atrás da certidão de casamento dela. Era uma coisa muito engraçada.

Nós ficamos nesse sítio até... [19]67. Em [19]67 nossa casa é invadida18 (alguns

minutos de silêncio e lágrimas). É difícil! Levaram meu pai e até hoje19 (outro silêncio é

feito). Eu lembro que ele tava no banheiro tomando banho e minha mãe perguntou: - Mas vocês vão levar ele assim?

O pijama dele tava na cama que ele tinha acabado de chegar do trabalho. Aí ele vestiu o pijama e saiu e até hoje...20 minha mãe tava grávida do meu segundo irmão. Minha mãe

meu irmão nasceu com problemas no cérebro e durou uma semana, parto prematuro e aí minha mãe resolveu voltar pra Bahia, pra família. E como ela não era viúva, porque não tinha corpo, ninguém sabia onde ele tava, ele desapareceu, foi embora.

E ela voltou pra Bahia e voltou a ser empregada doméstica. Eu fui com ela morar na casa de uma família, no bairro da Graça e essa família me adotou também, né? Então, assim: eu fui o primeiro aluno do colégio, do Instituto Social da Bahia. Era o aluno negro dessa escola.43

Quer dizer, me adotaram e me botaram nessa escola e aí e eu fui pra faculdade, fiz História, fiz o curso de História na Universidade Federal da Bahia, e aí que eu vim entender, estudando História, eu fui entender o que tinha acontecido. Isso, quase vinte anos depois. Já na década de [19]70. Final da década de [19]70. Eu entrei com 17, 18 anos na faculdade. No final da década de [19]70. Eu tinha 17, 18 anos, 19 anos digamos assim. Aí que eu vim entender o que realmente tinha acontecido.

Minha mãe ficou muito traumatizada com tudo, tinha pavor de polícia. Eu comecei a trabalhar no Unibanco, que o patrão dela era superintendente do Unibanco em Salvador e me conseguiu um emprego de contínuo. E no Unibanco eu trabalhei cinco anos. Comecei como contínuo e sai como caixa.

E me formei, recebi uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller e fui fazer mestrado na Florida International University, aí voltando dos Estados Unidos, isso em [19]88, [19]89, minha irmã era gerente de uma escola de inglês que tinha filiais no Brasil inteiro e aí tinha uma filial aqui em Maceió. Isso há 30 anos atrás.

O menino que era gerente da escola daqui tinha sido demitido e ela tava pensando em alguém pra ficar aqui tomando conta da escola, enquanto eles contratavam alguém. Foi aí que eu vim parar em Maceió, isso há 30 anos atrás. Dia 08 de dezembro eu cheguei pelas águas de Yemanjá em Maceió, com uma proposta... Eu não queria vim, né? Mas minha irmã:

- Vá pra você me ajudar!

E eu vim pra cá pra ficar três meses. Eu tava meio decepcionado com a música. Eu já cantava. Eu cantava com Margarete, eu cantava com Netinho nos barzinhos lá de Salvador, e tava meio decepcionado com a música e tinha me afastado da música em Salvador, mas aqui eu me encontrei com uma galera muito boa de música e me envolvi e comecei a cantar no Marina Morena, todos os grandes bares por aqui: Marina, o Bye Bar, Astrolábio, Ipaneminha, Hotel Jatiúca, Hotel Ponta Verde, Hotel Enseada, Hotel Pratagy e aí fui ficando.

Três meses se passam, minha irmã me liga e diz:

Aí eu disse:

- Ah! Não quero ir mais não!

- Mas menino, como é que você vai fazer uma coisa dessas? Você não falou nada, já contratei. O rapaz tá indo de mala e cuia, com família, com tudo pra Maceió.

- Ah! Eu peço demissão.

Pedi demissão e comecei a viver de música. Nessa música eu comecei a cantar no hotel Pratagy. Não! Comecei a cantar no hotel Enseada, que era do mesmo grupo na época. E eu cantava e descia pra falar com os hóspedes e não sei o quê e pa pa pa... e o Fernando Amorim, que era o dono do hotel disse:

- Ô Igbonan, eu tou montando um hotel de lazer, lá em Ipioca, e gostaria que você viesse trabalhar com a gente.

- Fazendo o quê? - O que você faz aí!

E aí eu fui trabalhar no hotel há vinte anos atrás. Comecei a trabalhar no hotel Pratagy coordenando a equipe de recreação. Trabalhei no hotel durante seis anos. Isso cantando. Depois fui pro hotel Meliá e um amigo meu... saiu um anúncio no jornal precisando de orientador sociocultural. Era o nome da função, mas só que não dizia qual era a empresa. E ele disse:

- Rocha, eu vou mandar um curriculum pra você, pra esse negócio que tá aqui no jornal.

Eu disse: - Mande!

Eu fui chamado. Foi o SESC.

E aí num grupo de 45 pessoas eu fiquei entre os cinco e depois fui contratado pelo SESC, trabalhei 15 anos no Serviço Social do Comércio. Nesses quinze anos, me afastei um pouco da música, mas por estar trabalhando como coordenador de eventos e recreação do SESC. E aí há 4, 5 anos atrás. Não. Antes disso. Eu comecei o projeto com Wilma Araújo que era o Nosso Samba. E a coisa foi crescendo, começando no Jaraguá Tênis Clube, aí cresceu, passou pro Orákulo.

Saiu um edital o prêmio da música brasileira, em homenagem a D. Ivone Lara, nós gravamos uma música de D. Ivone Lara, mandamos. Fomos aprovados entre dez, depois ficamos entre os três e ficamos em segundo lugar. Fomos pro Rio de Janeiro e aquela coisa toda. Pronto! Aí daí eu resolvi, que era o que eu já deveria ter resolvido de muito tempo, que eu ia viver de música. E já são cinco anos, mais... seis anos que estou vivendo ex-clu-si-va-

men-te de música. Agora eu sou Igbonan Rocha, tenho meu Samba de Nego, cantando bastante, muito feliz e essa é a minha história... resumi bastante... (risos). Falar desde o início é muito complicado. Eu me emociono muito. Não gosto muito de falar (emocionou-se novamente).

Com relação a minha (a minha...) iniciação no candomblé: eu acho que eu já nasci (risos) no candomblé, porque minha mãe era iniciada. Eu não sei... Parece que na outra entrevista eu falei isso, que eles se conheceram, minha mãe e meu pai se conheceram, ela ficou grávida...viajou sem saber que ela estava grávida...eu fui gerado e parido dentro de um terreiro dum candomblé.

Então eu já nasci no candomblé,68 né? Eu cresci dentro de um... até meus 7 anos, eu

acho 5... não não... foi menos, até meus 3 anos de idade, eu... 3, 4 anos de idade, eu fiquei no candomblé.

Depois minha mãe foi pra o Rio de Janeiro, pra se encontrar com meu pai. E a gente voltava esporadicamente na Bahia. Numa dessas voltas, o Irôko de avó Misidália perguntou a minha mãe quando era que eu ia ser iniciado. E ela disse:

- Nunca! (risos)

Porque ela não queria que o filho dela sofresse com o candomblé, que o candomblé era muito sacrifício e blá blá blá que ela queria, que não me queria no candomblé.54

E isso passou, quando eu fiz, 8, 9 anos, eu não me lembro mais muito bem quando foi isso, tem muito tempo, mas assim Irôko chegou de novo e perguntou pra minha mãe:

- Você quer que ele fique, ou você quer que eu leve? Das duas, escolha. Não deixe ele passar dos 14 anos sem a feitura.

E aí antes de eu fazer 14 anos, com 13 anos de idade eu entrei pra fazer o santo.

A minha história é meio complicada, porque eu sempre tive uma guerra muito grande de santo, porque quando minha mãe deu obrigação de 21 anos, ela estava grávida de mim e ela era de Omolu e toda a obrigação eu também recebi, né?

Então assim, eu recebi toda uma obrigação grande. Ela não sabia que estava grávida. Então as pessoas dizem que eu já nasci iniciado. Isso não existe.

Mas foi muito complicada a minha iniciação por eu já ter essa obrigação de 21 anos e aí eu fui iniciado pra Omolu, mas eu tenho todo um fuxico, uma história com Xangô. Meu Odù81 é Obará e as pessoas que entendem disso vão saber que meu fuxico todo é realmente

81 Uma das explicações que Beniste (2014) utiliza para explicar o Odù é que está relacionada ao jogo de búzios:

“A posição que os búzios tomam ao serem lançados durante o jogo é denominada de Odù. Refere-se ao caminho, ao destino da pessoa, conforme as tradições iorubás. O Odù vai reger o indivíduo por toda a vida. Quando o

com Xangô. E toda vez que eu faço uma obrigação pra Omolu eu tenho que fazer uma obrigação pra Xangô também. Eu tenho esses dois homens na minha vida. São os donos da minha vida.

E é isso. E aí com 13 anos eu fiz o santo. Foi um barco bonito, foi um barco totalmente jê, um barco totalmente jêje. Foi Ewá, Oxumarê e dois Omolus.56 Então é um barco idgi, um

barco jêje numa casa ketu.

As minhas coisas são sempre muito complicadas: na maioria das vezes as pessoas ficam 21 dias de kelê82. Eu fiquei 6 meses e consequentemente todo o meu barco... eu era criança, mas o meu barco não era, meu barco já tinha pessoas mais velhas,57 então eu acho

que foi meio complicado pra eles. Atualmente do meu barco tem eu e ainda Ewá83 que estamos vivos. A Ritinha que tá meio afastada do candomblé, já tá afastada há bastante tempo e os outros dois, o Oxumarê e o outro Omolu já estão em outro plano.

O que mais que eu posso te falar com relação a isso?

Candomblé é uma coisa muito presente na minha vida. Eu acordo e durmo... eu acho que sem o candomblé eu não existiria. Não existiria o Igbonan, né? Eu seria uma outra pessoa (risos). Eu não me vejo sem a ajuda dos orixás, eu não me vejo sem sair de casa e saber qual é o odù do dia, o que eu posso e o que eu não posso fazer. A minha vida é toda regida pelos orixás e pelo candomblé.69

Sou meio arredio, sou meio chato com relação ao candomblé. Atualmente a coisa tá muito diferente e aqui em Alagoas é muito diferente mesmo. Pra uma pessoa que veio da Bahia, que foi feito numa casa tradicional da Bahia. A gente ver coisas absurdas aqui em Maceió. Aqui em Maceió não frequento nenhuma casa, vou muito pouco, em algumas casas de candomblé, porque o ritmo... primeiro lugar que não existe uma casa pura, aqui. As casas que se dizem jêje, você chega num toque e tão tocando ketu, tocam angola, raramente se toca um jêje. Mesmo as casas que são oriundas de casas matrizes do jêje, da Bahia.71

Então eu prefiro... eu sou muito linguarudo, eu falo demais,66 então eu prefiro ficar em

casa, do que arranjar inimigos (risos). Mas... é isso... eu não sei mais... eu acho que eu falei tudo que eu tinha pra falar da outra vez. Eu não sei. Eu não sei muito o que dizer.

narrador diz: “Meu Odù é Obará” é como se Obará fosse seu signo. O indivíduo tem todo o arquétipo do Odù, no caso de Igbonan, ele é Obará, mas existem 16 Odùs (Okaran, Ejiokô, Etaogundá, Irosun, Oxe, Obará, Odi, Êjíonile, Ossa, Ôfún, Ôwarin, Êjilaxeborá, Êjilobon, Ika, Obéogundá, Êjibé.

82 Período de resguardo depois que o filho-de-santo é iniciado.

83 Divindade feminina das águas. Seu culto é exclusivo do candomblé. Orixá do rio Yewa, que fica na antiga

tribo Egbado (atual cidade de Yewa) no estado de Ogun na Nigéria. O culto a Ewa é mais encontrado na Bahia. Na mitologia, é filha de Nanã e Obatalá. Após tornar-se bruma, casa-se com Oxumarê, o arco-íris (PRANDI, 2001a).

O sacrifício de Ser Filho-de-Santo

Pra mim, eu não sei se porque também eu não estou muito perto da minha casa... entendeu? Então eu não participo da ritualística, da... então, eu assim, tou afastado, pra mim é mais fácil, mas pra você que vive dentro de uma casa e que tem que participar de todos os preceitos como a gente diz... uma casa de candomblé todo dia tem obrigação e aí você tem que ter os resguardos, tem que ter o resguardo do sexo, o resguardo... e isso não é muito... pra você ter uma ideia, uma das últimas obrigações que eu dei... eu terminei a minha obrigação e tinha que ir na casa da minha irmã. Mãe Cleusa ainda tava viva nessa época e eu disse:

- Minha mãe eu vou em casa que eu preciso ver...

Vera não era minha irmã mais velha, não é de... ela é espírita, não é de candomblé, ela é kardecista, e eu tinha que ir em casa passar algumas coisas pra ela. Ela não vai pro candomblé e eu tinha que ir... E aí minha mãe disse:

- Menino, fique quieto, fique em casa. Pede alguém pra vim. - Não, mas eu vou rapidinho e volto.

E aí peguei um ônibus. Nessa época... Atualmente eu não pego mais ônibus, porque eu sou traumatizado. E peguei um ônibus até a estação da Lapa, pra depois ir pra casa. E quando eu cheguei na estação da Lapa eu fui assaltado (risos). Fui assaltado de uma forma bem estranha, um cara com uma garrafa, uma garrafa quebrada e eu fiquei assustado e da estação da Lapa eu pedi uma carona porque eu fiquei sem nada, fiquei sem grana, aí pedi uma carona pro motorista e voltei de novo pro terreiro.

Então essas coisas a gente não ver acontecendo aqui.

Tipo, eu tinha uma irmã-de-santo, ela era um pouco mais velha do que eu... essa história eu gosto muito de contar: ela arranjou um namoradinho novo e tava tendo festa de Ogum na casa, então ela disse:

- Ah! Vou ficar nada. Eu vou é pro cinema com meu namorado.

E foi pr’um cinema. O Cine Guarani que agora é o Espaço Cultural Glauber Rocha, na Praça Castro Alves. E na hora que começou a obrigação pra Ogum, no Gantois, ela estava no cinema com o namorado e o erê pegou ela dentro do cinema (risos) e ela saiu an-dan-do da Praça Castro Alves, pegou as sandálias, botou nas costas, amarrou e botou assim... e veio a pé andando do cinema até o Gantois.

Numa das últimas obrigações que eu dei, minha mãe, mãe Cleusa ainda tava viva, eu ainda não recebi obrigação de mãe Carmem, que é a atual mãe-de-santo da casa. A última obrigação que eu dei... éé...

Teve uma menina de Ogum, a Chimbica, que é mãe-de-santo, ela já é mãe-de-santo, e tava tendo obrigação pra quem? Foi pra Nanã! Era festa do santo da mãe-de-santo da casa. Isso foi o quê? Já faz tempo! Mãe Cleusa tava viva! Pô, faz bastante tempo isso e mãe Cleusa mandou recado pra ela. Pra todos os filhos-de-santo dizendo que ia haver a festa de Nanã.

Só que ela tava com santo recolhido. Ela tava com obrigação em casa.

- Eu não vou deixar minha obrigação em casa pra ir pro Gantois. Eu tenho obrigação em casa!

E de madrugada a gente tudo no barracão, deitado, e antes da alvorada, que lá tem a alvorada, que é um preceito que os ogans fazem pra acordar o povo da casa. As obrigações começam antes do sol nascer. Mãe Cleusa chegou na sala e disse:

- Minha gente, prepare aí um axó84, prepare uma saia, que Ogum tá chegando. Ogum tá chegando.

Daqui a pouco tava o Ogum da menina na porta que veio do terreiro de Chimbica, que fica em Brotas. Que seria a distância de Brotas pra qui, se aqui fosse o Gantois... seria o quê? Jatiúca.

O Ogum chegou e ficou o dia todo virado85 no terreiro e lá em casa, os santos vão pra

cozinha, os santos fazem comida, o santo é diferente, né? Então o orixá vai pra cozinha, trata bicho, o orixá fica o dia todo trabalhando, fazendo coisas que não eram obrigação de uma mãe-de-santo, mas era como se fosse um castigo por ela ter desrespeitado ao santo da casa. Então, são esses os sacrifícios que minha mãe falava e por ela me conhecer e saber que eu era meio rebelde, meio, né? Então ela sabia que eu ia ter alguns problemas. É isso...

Aqui eu sou muito respeitado em todas as casas que eu chego eu sou muito bem recebido, e muito respeitado, mas as pessoas têm medo da minha língua,67 porque eu não

consigo ver uma coisa errada e não comentar.

Mas assim, aí também é o que eu digo, eu fiquei algum tempo, teve um amigo meu de Salvador, que ia abrir um terreiro aqui e eu fiquei muito tempo com ele e os meninos, os yawôs da casa perguntavam:

- Ôhh meu pai, eu vi isso assim e assim em tal casa, tá certo? Eu dizia:

- Tá meu filho. Eles fazem assim, né? Se eles fazem assim, então porque eles aprenderam assim. Você tem que fazer o que você ver aqui dentro de sua casa. Se você tiver fazendo uma coisa que você viu em outra casa tá errado, mas se você dentro da sua casa, se

84 Saia.

você a-pren-deu assim é o certo. Você aprendeu uma coisa que é do seu axé, da sua origem, da sua matriz. Agora se você copia o que você viu na outra casa é uma coisa que eu acho estranho.

Tem orixás aqui que são raspados, que as pessoas não tem os caminhos... Como é que você raspa o orixá que você nunca viu nascer?!

Onde você encontrou esse caminho?! Como é que você sabe das folhas? Como é que você sabe das... Entendeu?

Candomblé é um aprendizado constante. Tudo na vida é assim.

Mas candomblé é muito de ver. Você não... Essa coisa de você entrar na... Agora tem isso, né? Você entra na internet... a Internet tem tudo. Mas candomblé é ensinamento. É oforofô. Eu quando falo com você estou passando o meu axé. O meu hálito tem axé, o seu hálito é essa troca. Se não houver essa troca não existe transmissão de axé.70 Então num livro

eu posso ter conhecimento intelectual, mas isso não vai acrescentar nada ao meu axé, à minha força espiritual. Entendeu? Não sei se dar...

O ensinamento no candomblé é oral, é visual. SEMPRE! Você tem que ver pra aprender. Né? Se você não ver, se você não escuta, se não tem o oforofô... né? Aí muitas