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2 A RELIGIOSIDADE DO MUNDO AFRICANO: TRADIÇÃO, ISLAMISMO E

4.1 O comércio árabe-muçulmano

Para Knight, Talib e Curtin (2010), o século VII foi o apogeu do tráfico de escravos negros, tendo em vista que esse comércio já vinha sendo realizado há séculos:

O êxodo rumo à Ásia Menor e ao Levante Mediterrâneo é o mais antigo e durável dentre as correntes da diáspora africana. Provavelmente, ele teve início muitos anos antes da era cristã, conhecendo o seu apogeu a partir do século VII, no curso da expansão do islã. [...] (KNIGHT; TALIB; CURTIN, 2010, p. 875).

Em “História Geral da África”, volume VI, Knight, Talib e Curtin (2010, p. 872) relatam que o “tráfico de escravos constitui um dos acontecimentos dominantes da história da África e do mundo”.

A Figura 08 mostra as rotas do tráfico negreiro que foram realizadas entre os séculos VII e XIX por mulçumanos, evidenciando um comércio de seres humanos vítimas de violência que foram reduzidos à situação de escravidão e fez sangrar o continente. Percebe-se com o mapa, que o comércio realizado ocorre nos mesmos espaços em que a presença do muçulmano é verificada na Figura 01. O destino dessas pessoas era Europa, Ásia e Oriente Médio.

Figura 08 – Tráfico de africanos para o mundo árabe-muçulmano e Ásia oriental

Fonte: M’BOKOLO, 2009, p. 210.

As fontes árabes, para que pesquisadores pudessem construir uma ordem histórica, surgiram a partir do século VII. Tratam-se de registros sobre as rotas que eram realizadas e ligavam a costa da África com a Arábia. Entre o ouro, o marfim, e a madeira, os escravos eram uma das mercadorias mais importantes desse mercado. Muitos eram escravos de guerra servindo para o trabalho servil doméstico e agrícola. Não há indícios documentais de que houvesse escravidão por motivos raciais. “[...] na época pré-islâmica, um homem de sangue misturado deu provas de possuir as mesmas qualidades que os árabes de puro sangue e soube elevar-se no seio da sua sociedade” (M’BOKOLO, 2009, p. 213).

Também é sabido que o profeta Muhammad possuía vários escravos como soldados: “[...] numerosos escravos negros destacaram-se combatendo ao lado do Profeta e, mais tarde, nos exércitos de conquistas árabes [...] (M’BOKOLO, 2009, p. 213)”.

A expansão muçulmana em territórios africanos possibilitou de tal maneira a produção de escravos negros que chegou ao ponto de ser legitimada. As condições para essa legitimação eram: “[...] uma guerra santa contra os idólatras; os prisioneiros capturados nessas circunstâncias eram reduzidos à escravatura, não podiam reivindicar a liberdade, mesmo convertendo-se ao Islã. [...] (M’BOKOLO, 2009, p. 215)”.

Outro fator para a expansão da escravidão negreira foram os contatos comerciais entre árabes e os habitantes da costa da África, bem como a colonização desse território por esses comerciantes, estabelecendo vários pontos de comércio. Havia todo um interesse comercial por esses territórios, por isso a criação de entrepostos comerciais. Essa colonização deu-se de forma progressiva nas cidades costeiras e nelas foram se desenvolvendo o comércio negreiro.

Não se tem ao certo a quantidade de pessoas que foram escravizadas por conta da influência árabe na costa africana, mesmo porque, o tráfico de escravos pelos árabes iniciou antes da era cristã e só parou apenas no início do século XIX e além de escassas, as fontes são espaças. Por outro lado, o tráfico negreiro realizado pelos europeus foi iniciado no século XVI e suprimido no século XIX. Presume-se que, nesse período, cerca de doze milhões de africanos foram traficados e escravizados (M’BOKOLO, 2009).

A Ásia Oriental, a exemplos da Índia e da China, também receberam inúmeros escravos vindos da África. As fontes, segundo M’Bokolo (2009) são dispersas e em sua maioria tardias, datando dos séculos XVII e XVIII, e até mesmo do século XIX, pertencentes aos oficiais da marinha de guerra ou de administradores coloniais.

Foi só a partir do século XIII que africanos apareceram individualmente na história política da Índia. Mas o tráfico negreiro destinado à Índia começou muito antes deste período. São assinaladas a partir do século IX exportações de escravos da região de Sofala para Bombaim e para a costa ocidental da Índia (M’BOKOLO, 2009, p. 237).

Uma das vias de acesso à Índia dava-se por meio dos países árabes: “[...] os escravos chegavam à Índia após terem transitado, às vezes durante longos anos, pelos países muçulmanos do Oriente Médio [...] (M’BOKOLO, 2009, p. 237)”.

Também eram realizadas transações comerciais diretamente entre África e Ásia. No final do século XVIII e início do século XIX ocorreu uma ampliação nas negociações entre os postos comerciais da costa Suaíli e portos da Índia. Dentre essas transações, incluíam-se a venda de escravos.

[...] serviço dos príncipes e dos estados ou no quadro de uma escravatura doméstica [...]. Havia-os em número bastante considerável nos exércitos. [...] As mulheres habashi, consideradas muito belas e submissas, eram particularmente procuradas como concubinas. [...] Os escravos siddi [...] eram submetidos às tarefas mais rudes. As mulheres não correspondiam aos cânones da beleza locais e os homens tinham inclinação para se rebelar. Eram-lhes entregues as atividades culinárias, os trabalhos de limpeza, a cultura das tâmaras, a colheita e o tratamento das pérolas, a jardinagem e a guarda dos rebanhos. Muitos homens eram empregados nos trabalhos penosos dos portos, e outros, relativamente privilegiados, trabalhavam nas tripulações dos navios comerciais (M’BOKOLO, 2009, p. 239).

Os africanos eram utilizados como soldados, os habashi. Além de Bengala manter relações comerciais com o Chifre da África para de lá traficar escravos que servissem como soldados, alguns sultões também formaram exércitos de negros, a exemplo de Rujn al-Din Barbak Shah, mas essa denominação era dada, também, aos africanos submetidos ao tráfico:

[...] este termo, reservado sem dúvida, a princípio, às pessoas vindas da Abissínia, foi em seguida empregado para designar os escravos originários do Chifre da África e, finalmente, para a totalidade da África oriental [...] (M’BOKOLO, 2009, p. 237).

De todo modo, os africanos assumiam diversas funções na Índia: “[...] escravos, governadores de províncias, soldados e marinheiros [...]” (M’BOKOLO, 2009, p. 240). Já para os chineses, os africanos eram vistos como fortes guardiões: “[...] é necessário que haja apenas um desses marinheiros negros armados em uma embarcação para que esta seja evitada pelos piratas e idólatras indianos” (M’BOKOLO, 2009, p. 240).

Diz M’Bokolo (2009) que de todos os escravos, das mais diversas origens, os africanos eram os mais valorizados e os mais procurados. As mulheres eram ainda mais caras que os homens.

Na China, as relações mantidas com a África podem ser conhecidas por meio das fontes existentes, exceto as que devem ser rejeitadas: as narrativas e teorias fantasiosas. M’Bokolo (2009) diz que as fontes são de difícil interpretação, pois tratam-se de objetos, como porcelanas e moedas. Existem, também, os registros dos geógrafos árabes, a cartografia chinesa e as obras de geografia dos eruditos chineses. Conforme Paul Wheatley (apud M’BOKOLO, 2009, p. 247), “o conhecimento que os chineses possuíam a respeito da África de leste antes do começo do século XVI era de longe maior do que aquele que possuíam os europeus da mesma época”, mas essa literatura existente não é uma literatura oficial, além do mais, elas variavam conforme a dinastia que estivesse no poder.

Pode-se colher dessas informações, alguns aspectos significativos das relações estabelecidas entre chineses e africanos, como as aquisições de produtos pelos chineses de marfim, drogas e especiarias. Por outro lado, os africanos importavam da China o arroz e produtos têxteis. Portanto, acreditam-se que as relações entre China e África não estavam relacionadas ao tráfico negreiro (M’BOKOLO, 2009).

Ao ponto do tráfico negreiro estabelecido pelos europeus, M’Bokolo declara que vai iniciar por intermédio dos muçulmanos, a partir do século XIV. Foi um processo indireto e demorado.

[...] a partir do século XIV, os europeus, principalmente os da península ibérica, esforçaram-se, não sem êxito, por abrir vias de trocas diretas com a África atlântica. Inicialmente polivalentes, estas trocas acabaram por se concentrar nos escravos como mercadoria privilegiada (M’BOKOLO, 2009, p. 252).

A escravidão não era algo incomum na Europa da Idade Média. Os negros foram introduzidos pelos árabes, como soldados, e os europeus não tardaram a utilizar essa mão de obra: “[...] estes soldados negros adquiriram uma legendária reputação de coragem e alguns príncipes da Europa começaram a sonhar com uma ‘guarda negra’. Tal foi o caso, em particular, do imperador germânico Frederico II” (M’BOKOLO, 2009, p. 254).

Os espanhóis muçulmanos iniciaram o processo de escravidão negra na Europa. A oferta de escravos negros foi aumentando regularmente, principalmente por conta das guerras durante o século X. No século XI, ocorre a reconquista cristã, mas a estrutura escravagista é mantida. É a partir desse século, inclusive, que a cor dos escravos vendidos é verificada em atos notariais. Eram os sarracenos: brancos, pardos, oliváceos etc. Até então, essa diferenciação não tinha sido necessária. Talvez, pelo fato de que a diversidade dos escravos tinha sofrido um aumento significativo.

Os escravos negros na Espanha sofreram um aumento em sua população nos dois últimos séculos da Idade Média. Textos indicam que negros cristãos estavam cada vez mais presentes no tráfico negreiro. “[...] o estatuto social e o preconceito de cor foram a partir de então mais decisivos [...]” (M’BOKOLO, 2009, p. 255). Além de mais presentes, tornaram-se também mais valorosos:

[...] Os preços pagos pelos escravos negros situavam-se já então na média e seguiam o movimento geral dos preços: estagnação na primeira metade do século XIV; [...] altas constantes mais ou menos a partir de 1370. [...] Parece assim que o comércio dos negros ganhou amplitude a partir dos portos espanhóis [...] (M’BOKOLO, 2009, p. 256).

Outras regiões da Europa vão se interessar pelos escravos vindos da África, a exemplo da França do sul, a Espanha do sul, a Catalunha, as ilhas Baleares, as cidades francesas do sul (Marselha, Montpellier, Mônaco, Avignon, Aix-em-Provence), regiões da Itália (Gênova e Nápoles).