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2 A RELIGIOSIDADE DO MUNDO AFRICANO: TRADIÇÃO, ISLAMISMO E

6.1 Experiência de campo

6.1.1 A trajetória da pesquisa

É fundamental apresentar a trajetória que fiz até me encontrar com a História Oral que utilizo nessa pesquisa, principalmente por se tratar de História Oral, uma área do conhecimento que nem sempre é aceita na Academia.

Sempre tive em mente que gostaria de trabalhar com História Oral, mesmo porque me afino mais com uma História viva. Nunca me aproximei muito do passado longínquo e essa crença de que a História Oral me aproximaria das pessoas, estabeleceria relações entre o pesquisador e tudo que envolvesse o mundo do sujeito pesquisado é muito forte em mim. Meu pensamento era de que dessa forma eu entenderia melhor a história e suas relações com o passado e o presente e como diz Caldas (2013, p. 51): “A matéria da História oral é o presente”. Esse presente, conforme Caldas e Caldas (2003) deve ser tratado como uma História viva e temporal, onde passado e presente se relacionam, onde a História é posta em dúvida e pode ser redefinida numa estrutura lógica.

Nesse momento, eu ainda acreditava que iria trabalhar tanto com fontes orais, como com documentos, mas lá para o quarto mês do início do mestrado fui encaminhada para ser orientada pelo Professor Caldas e naquele momento ele disse: “não há tempo para buscar fontes”. As fontes as quais ele se referia eram as fontes documentais, a pesquisa nos arquivos, nos periódicos, enfim. Nesse instante, eu sinceramente não sabia se ficava feliz ou triste, porque no meu pensamento só se passava o seguinte: se não há tempo para buscar fontes, tanto melhor. Livro-me dos arquivos e minha rinite também. Por outro lado, se me livro das

fontes, eu faço o quê de minha pesquisa? Foi quando Caldas me apresentou às cápsulas narrativas.

A primeira tarefa foi ler seu livro: “Experiência e Narrativa: Uma Introdução à História Oral” (2013). Lie reli. Era preciso estar afinada com esse modo de fazer História Oral. No dizer de Caldas: é simples, muito simples. Naquele momento para mim, era um tanto complexo.

O segundo passo foi assistir as aulas de Caldas, no estágio obrigatório. Acompanhar e registrar o que ele tinha para dizer sobre essa História Oral. Eram momentos ricos, mas confesso que minha cabeça “fervia” de ideias, de coisas novas... simplesmente era como se ele (o professor) colocasse todos os meus conceitos acadêmicos e científicos em ebulição.

Por fim, o terceiro passo foi colocar em prática o aprendizado. Fazer o convite aos narradores, registrar as falas, transcrevê-las, ouvi-las várias e inúmeras vezes, tantas quanto fossem necessárias para que eu me familiarizasse e extraísse dali um eixo para minha pesquisa. No dizer de Barbosa (2006, p. 30): “[...] fazer um estudo extenso e profundo sobre a visão de mundo, planos e sonhos dessas pessoas, enfim, dos vínculos subjetivos que impulsionaram a experiência desses homens. [...]”. Precisava correr contra o tempo.

Já sabia a escolha do tema. Queria aprofundar uma pesquisa sobre o xangô em Alagoas. Mas que caminho específico trilhar? Esse foi modificado, a partir do momento que adentrei ao mundo das cápsulas. E sabia que tudo poderia mudar. Minha sensibilidade teria que aflorar. Teria que entender meu protagonista, meu entrevistado, meu narrador, entender os silêncios, o tom de voz, a maneira como ele direcionava seu discurso. Barbosa (2006, p. 30-31) nos explica:

Essa perspectiva de história oral na qual atuo, explora as relações entre memória, história, narrativas e texto, redefinindo as relações entre passado- presente, onde as narrativas são construções localizadas dos sujeitos. Levando-se em consideração, não somente as informações contidas nos relatos, mas o próprio modo de narrar. [...].

O porquê de pesquisar o xangô é algo muito particular. Experiências de vida minha, de infância. Coisas que presenciava quando criança, quando ia às festas de pretos velhos ou de Cosme e Damião perto de casa e mais tarde, acredito, de minhas experiências na doutrina espírita e de algumas vezes ouvir o tom preconceituoso da doutrina em relação ao xangô. Ainda posso dizer que meu momento no NEAB, trabalhando com a professora Clara Fernandes Suassuna, foi fator importante para querer entender as religiões de matriz africana e por fim, a experiência como professora de História e de Ensino Religioso garantiu essa

necessidade em mim, de aprofundar o xangô. Toda a rejeição por parte das instituições e dos estudantes em estudar essa religião, todo o preconceito e discriminação em torno dela. Essas pontuações fizeram com que meu olhar se tornasse mais atento e respeitoso para essa religião e para seus adeptos. Porque via que, apesar das pessoas dizerem que o xangô era uma religião “do mal”, sabia que isso não era verdade. Via que na religião só tinha coisas boas, vi como as crianças eram bem tratadas nas festas, tenho amigos que são da religião e sei o quanto elas são boas pessoas. E me questionava e o resultado desses questionamentos está nessa pesquisa.

As entrevistas foram marcadas em local, conforme a disponibilidade do entrevistado. O registro da fala foi realizado sem interrupção do pesquisador, até que o narrador esgotasse seu assunto. A espontaneidade é fundamental para o bom andamento desse processo. A partir desse momento, iremos conceber um texto que pode viabilizar várias leituras, com várias possibilidades de interpretação.

Os textos que foram produzidos pelos narradores irão possibilitar, através dessa proposta de História Oral, um momento narrativo simbólico de suas vidas, de suas experiências, ao qual o narrador pode modificar, dependendo das condições em que ele se encontrar. Trata-se de um relato de memória, de criação, que, a partir deles, surgem outros textos recriados. É o que Caldas chama de “transcriação hermenêutica”: “[...] concepção e visão de mundo, não somente de como se produz um texto, mas sobre o fundamento da própria realidade e de como podemos compreendê-la e modificá-la” (CALDAS, 1999b, p. 74).

A transcriação, segundo conceito dado por Caldas, em “Seis Ensaios Sobre História Oral” (1998), é o momento pelo qual a fala do interlocutor passa por procedimentos de transformação da fala. Uma preocupação com a estética do texto original (CALDAS, 2001). Meihy (1991, p. 30-31 apud CALDAS, 2001, p. 34) define transcriação como:

[...] a fase final do trabalho dos discursos. [...] Teatralizando o que foi dito, recriando-se a atmosfera da entrevista, procura-se trazer ao leitor o mundo de sensações provocadas pelo contato, e como é evidente, isso não ocorreria reproduzindo-se o que foi dito palavra por palavra. [...] tem como fito trazer ao leitor a aura do momento da gravação. [...] O fazer do novo texto permite que se pense a entrevista como algo ficcional e, sem constrangimento, se aceita esta condição no lugar de uma cientificidade que seria mais postiça. Com isso valoriza-se a narrativa enquanto um elemento comunicativo prenhe de sugestões. [...] Neste procedimento uma atitude se torna vital: a legitimação das entrevistas por parte dos depoentes.

Posso ter me afastado do que queria inicialmente no projeto, visto que o caminho a ser percorrido na “entrevista” não foi direcionado por mim, a história quem conta não sou eu. A

trilha a ser seguida não é dada por mim, o que não significa dizer que não haverá uma pesquisa científica. Haverá sim, um pesquisador mais humanizado frente ao seu narrador, seu colaborador, num momento de compartilhamento de experiência.

É salutar apontar que nesse momento de transcriação, faço uma identificação específica e numérica no texto narrativo, semelhantemente ao texto de Leituras para que o leitor identifique de onde os textos das falas citadas foram extraídos, facilitando o processo de reconhecimento das falas.