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2 A RELIGIOSIDADE DO MUNDO AFRICANO: TRADIÇÃO, ISLAMISMO E

7.3 Edson de Lima Santos

Estudante de Pedagogia, estagiário da rede Sesi de ensino de Maceió, 28 anos de idade, natural de Maceió, residente no bairro da Ponta da Terra.

Eu me chamo Edson, nasci numa família dentro do candomblé, com raízes do nagô e alguns traços da umbanda61.7 Porém minha avó, minha bisavó, minha ialorixá, cultuando

vários orixás, entre eles nove, que se referenciam dentro do nagô, sendo eles: Ogum, Omulu, Oxossi, Yemanjá, Oxum, Xangô, Yansã, Nanã e Oxalá. Nesse período com o falecimento da minha avó e da minha bisavó eu passei a frequentar o candomblé angola, onde eu fui burisado e iniciado pelas mãos de Yákilamipandá, Angela de Oxum.

Nesse período (2010) eu me afastei, procurei a casa de Edilene Epifânio, filha de mãe Miriam. Nesse período ela começou, o meu orixá aceitou toda a obrigação62 que foi dada na casa dela e a partir desse momento eu comecei a ser iniciado para a experiência dos 7 anos. Nesse período eu comecei a iniciar.

Sou filho de Oxaguiã, com Yemanjá, traçado com Oxossi. Carrego também o Odù de Ojumnilé, que é um Odù visto através do jogo adivinhatório de búzios63 e traçado pelos

números4 (Yemanjá), 8 (Oxaguiã), ou 16 (Oxossi)64. Seriam os números que são dessas

61 O candomblé é nagô, porém com influência de algumas liturgias da umbanda, agregou um pouco das

cerimônias da umbanda, devido a iniciação do pai-de-santo. Na umbanda, existem as imagens dos santos católicos. O candomblé nagô também utiliza e nas cerimônias dos assentamentos utiliza louças e para as liturgias e cerimônias, cânticos, rezas e invocações. Na umbanda, a saudação é feita a Oxalá, já no candomblé, há uma divisão entre o velho e o novo: o velho Oxalufã e o novo Oxaguiã. Dependendo da iniciação do babalorixá, ele pode iniciar um filho de nagô que irá receber influência da umbanda, devido à iniciação. Exemplo disso foi meu primeiro pai-de-santo, que era da umbanda, mas meu orixá trás fundamento do nagô. Porém eu não sofri total influência, porque ele (o pai-de-santo) já foi do candomblé angola e sabia como cultivar o meu orixá. Ele sabia as rezas e as liturgias. Então eu aprendi com ele que deveria fazer minhas oferendas como no candomblé, porém eu não deixava de participar das cerimônias dos filhos puros da umbanda, então eu trazia comigo as influências da umbanda, devido ao que aprendi lá. Exemplo disso é o dia de Yemanja, que varia de casa para casa: 2 de fevereiro ou 8 de dezembro ou em maio, dia das mães. Esses são os traços diferentes. Ou seja, depende de como o pai-de-santo foi iniciado, ele iniciará os filhos (Texto do narrador).

A cerimônia dos assentamentos consiste num ritual de preparação do lugar do orixá. Geralmente utilizam-se objetos que os representam e de onde se pode sentir sua presença, sua força (MELO, 200-).

62 Presente ofertado ao orixá como forma de agradecimento ou para pagar uma dívida solicitada pelo deus.

Define-se ainda por obrigação o ato de dar oferenda aos deuses protetores, estas podem ser em forma de alimentos, animais ou outros, dependendo do tipo de alimento característico do deus homenageado (MELO, 200- ).

63 De acordo com Beniste (2014, p. 109), o jogo adivinhatório de búzios “foi introduzido no Brasil e aceito pelas

primeiras comunidades religiosas” podendo ser utilizado tanto por homens, como por mulheres. A opção pela utilização dos búzios ocorreu devido ao candomblé, no Brasil, ser inicialmente dirigido apenas por mulheres.

64 Esses orixás juntos dão o Odù, que é o número de caminhos percorridos por esses três orixás. A soma de todos

dá o número do orixá de cabeça que é 8, que significa Ojumnilé, pois o orixá principal, o orixá pai é Oxaguiã, sendo assim, 8 é o número principal. Os números significam caminhos percorridos pelos orixás. Sempre são números pares, que quando somados, são divididos por três (Texto do narrador).

entidades que me acompanham.58 Tenho como minha amiga e parceira, Maria Padilha das

Almas Essa pomba-gira me acompanha há muitos anos, desde os 7 anos. Também, vem junto com outra: Visão da Mata65, que me conheceu e que eu passei a conhecer quando eu tinha 5 anos de idade. Foi uma experiência nova.

Quando criança, eu não sabia ainda o que era o que eu queria da vida, porém numa festa da ialorixá Vera, numa festa de Maria Farrapo, onde essa pomba-gira desceu debaixo de um pé de jurema e disse que eu pertencia a ela, porém eu teria que me cuidar.

Passando 14 anos depois, essa mesma pomba-gira, Visão da Mata, começa a me cobrar, porém eu tinha visões dela, em sonho, e que já era o momento de eu decidir a minha vida, dentro do santo. Passei por um momento muito difícil, porque era cobrança do orixá. Eu fiquei doente durante 3 anos e meio. Os médicos não sabiam a causa, e nem sabiam o efeito que se tinham. Porém, já desenganado, cheguei na casa da Sra. Edilene, onde foi feito todo o trabalho com o orixá da casa dela, e também com Oxalá, pedindo misericórdia, quando eu fiquei bom. Então, da mesma forma que eu adoeci, da mesma forma eu me curei. Sem quê e sem saber o porquê.

Então, realmente, o que resolveria o meu problema seria, o buri, o buri branco66, com

tudo que Oxalá teria direito. Anos depois começam-se as cobranças novamente. Eu já tinha 21 anos, e ainda não queria responsabilidade nenhuma com o orixá. Muitos anos depois, eu encontro, em uma festa de pomba-gira, a Dona Maria Padilha novamente. Que me abraça e diz novamente, que me acompanha e que já é hora de Oxalá ter um pouso em minha vida.

Com todo esse passar de tempo, comecei, realmente a dar minhas obrigações. Então, a partir desse momento, eu passei a conhecer que eu tinha duas pombas-giras e dois exus. Seria: D. Visão da Mata, e D. Maria Padilha, como esquerdeira67. Exu o Sr. Capa Preta e o Sr. Arranca Toco. Sr. Arranca Toco, como mestre de Jurema, de mesa branca, pra trabalhar, junto na gira do caboclo68. D. Visão, ela há muitos anos me acompanha. Me dá vários conselhos,

65 Pomba-gira. Na mata, as árvores que a representam são a aroeira e a jurema preta, árvores de Exu (Texto do

narrador).

66 Oferenda a Oxalá que serve para acalmar e alimentar o orixá de cabeça do filho-de-santo (Texto do narrador). 67 Significa a segunda pomba-gira. A que vem descarregar os filhos, fazer e desmanchar trabalhos pesados.

Trabalhos que nem a Visão da Mata pode desfaze, nem mestra Paulina, só uma gira com um grau maior. São trabalhos, por exemplo, para desfazer um feitiço no cemitério. Um trabalho desse, a Visão da Mata não vai. Pode até ir, mas Maria Padilha é mais indicada, pois é mais ágil, a rapidez é maior (Texto do narrador).

O desmanche é um ritual de desfazimento de um trabalho, de uma magia. Esse ritual varia de acordo com a linha da entidade que fez o trabalho (MELO, 200-).

68 A gira é uma celebração de culto às entidades umbandistas. Há duas espécies de giras: de desenvolvimento,

em que os médiuns são preparados para dar passagem às entidades para que possam praticar caridade atendendo aos consulentes; e de trabalho, que constituem sessões abertas ao público, nas quais as entidades são incorporadas pelos médiuns para atendimento ao público. Conhecida genérica e depreciativamente como macumba (MELO, 200-).

tanto em sonhos, como em intuição. E é uma pomba-gira, digamos, muito reservada, e ao mesmo tempo, eu não sinto ela nem como uma pomba-gira, mas como uma cabocla que chega próximo a mim. D. Padilha não, sempre foi alegre, esquentada, brava, mas também e sempre foi pomba-gira de... quando o filho há de cair no abismo ela ir e tirar. Os exus também. Não tenho nada que reclamar deles. Dos livramentos, das boas, de tudo que tem me livrado, mas a minha confiança, primeiramente em Deus, e Oxaguiã, como orixá que me acolheu e até hoje nunca me desamparou. Yemanjá como mãe, como soberana, como senhora de todas as cabeças, vem me livrando de tudo quanto há de ruim. Sempre uma mãe zelosa.93 Oxossi, eu

não tenho o que reclamar, que é um orixá de herança na minha vida, que era o orixá que era do meu bisavô, que passou para meu avô, e o orixá do meu pai, porém o meu pai não cuida e nunca cuidou.

Então, hoje eu posso dizer que carrego Oxossi também, devido às obrigações que eu já dei e pelo acolhimento que ele teve por mim. Oxossi na minha vida ele tem feito bastante mudanças, tanto no lado profissional, como intelectual. Então, eu tenho muita intuição a respeito das artes, com Oxossi. Então é um orixá que se aproxima muito de mim. E devido às mudanças na minha vida como sempre Oxaguiã, como é um orixá dinâmico, que ao mesmo tempo constrói, ao mesmo tempo destrói, mas pra ver a mudança acontecer. É um orixá que não passa despercebido por onde passa. É um orixá quente, que os filhos realmente está na cara que são deles, devido ao porte: são magros, altos, e são bem obstinados.

Quanto no amor, os filhos de Oxaguiã, geralmente, não têm essa sorte, até certo ponto, de encontrar a pessoa certa. Então, eu só tenho a agradecer ao meu orixá por tudo que ele tem feito na minha vida, pela intuição, pelos momentos de aflição que esteve comigo, pelos momentos de felicidade. Agradeço também a D. Maria Padilha, por ser essa pomba-gira, essa legbara, que ao mesmo tempo sabe corrigir os filhos no momento certo, a minha experiência dentro do santo, dentro do candomblé é esta, de que devemos fazer o bem, aceitar a si mesmo e começar a ver que orixá não é meio de vida, que orixá não veio pra enriquecer, muito menos veio pra fazer, digamos, mágica na vida de ninguém. O orixá ele é a força da natureza, ele é a força dos nossos pensamentos, a força da nossa fé. Então, pra que a gente, venhamos agradar o orixá é preciso ter fé, confiança, porque se você entrega os seus problemas ao orixá, não adianta você se preocupar. O que acontece é isso: é questão de confiança, de você entregar e saber que vai ser resolvido. Muitas das vezes não da forma que queremos, mas da melhor

forma que o orixá ver que tem que ser. O orixá, ele não é injusto com ninguém. Ele é apenas... é justo e sabe dar o que cada filho merece.

A partir desse momento, eu tenho também uma confiança muito grande e um agradecimento imenso por Oxum que me acolheu e pelo santo de meu bisavô também. Então, hoje eu carrego um fardo, não digamos pesado, mas uma herança familiar, tanto vista com desprezo por outros que aceitaram outras religiões, que abandonaram, que criticam, que discriminam e que deixam morrer a raiz de nossa família. Neste momento, eu tento me erguer e erguer o meu orixá, pra não deixar que a minha própria família ela venha matar, o que restou de herança dos meus avós e bisavós.14 Hoje, são poucos os adeptos dentro da minha

família que cultuam seu próprio orixá69. Eu tenho minha tia, Josenete Serafim, que é filha de Oxum com Ogum. Joseleide Serafim também, que é de Oxum, que era o Oxum da minha avó. Manoel, que é de Xangô, com Oxalá, Yemanjá. Então, eu e mais três cultuamos o orixá numa família que tem mais de 132 pessoas.89

Nesse momento, alguns estão adeptos de angola, nagô e jêje70. E voltando pra D.

Padilha, ultimamente eu só tenho a agradecer, os caminhos livres. Então... eu vejo Padilha não como uma pomba-gira, como muitos veem, de prostituição, de homossexualismo, de orgias, mas uma pomba-gira, que traz um encanto no olhar, que traz um axé, que traz uma força, que traz boas energias, que livra dos perigos os filhos, então, tanto ao orixá, como aos exus mensageiros eu agradeço sempre, por tudo que tenho e o que há de vir. Então, o que me move até hoje é respeitar o meu orixá, a natureza, a fé, eu tenho como fundamento, como esperança, como base de tudo. Se tem uma coisa que os filhos de Oxalá não podem perder jamais, é a fé, é a caridade, é a vontade de viver. Pra alguns filhos de Oxalá, sendo ele um novo Oxaguiã e Oxalufã, já o velho, mas todos têm e traz consigo a vibração de paz, de otimismo, de fé, de buscar. Eu vejo Oxaguiã na minha vida como o começo, o meio e o fim. Se tem uma coisa que os filhos de Oxaguiã tem medo, no meu caso, eu tenho medo da velhice. Não tenho medo da morte, eu aceito a morte, como uma passagem, como uma missão cumprida, mas a velhice me atormenta. Então... é algo que eu tenho medo, é uma particularidade minha e do meu próprio orixá também, por amar tanto a vida. O Oxaguiã é isso, é a paz, é a vida, ele que nos rege, e que precisamos tanto nesse mundo. De paz, de amor, entre todos nós, como irmãos, então o desafio do orixá que eu vejo nesse mundo que vivemos tão globalizado, moderno, incrédulo, que leva as pessoas a ver o orixá como um folclore, como algo descrente, como

69 Os mais novos procuraram seguir outro credo (Texto do narrador).

70 Cada orixá trás consigo sua iniciação. É ele quem escolhe como será cultivado. Muitos também tiveram pais-

algo lucrativo. O orixá ele jamais será isso, mas o orixá ele vem pra suprir as necessidades humanas, de esperança, de fé, de perseverança, de otimismo, de boas novas. Então o que as pessoas hoje precisam não seriam dinheiro, nem saúde, mas sim fé, pra conseguir as demais coisas.

O orixá ele ver isso: o seu coração, a sua alma, você por inteiro. Não adianta você tentar enganar o orixá, porque o orixá não se engana. Você mesmo se engana. O que se espera do orixá não é riqueza, mas viver bem. Bem espiritualmente. Com boas energias, boas vibrações, caminhos abertos, prosperidade. Tudo isso são dons do orixá. Visão, que as pessoas precisam abrir os olhos e começar a enxergar as outras pessoas, como humanos, como pessoas capazes de amar, de viver. O orixá ele é isso, antes de tudo, amor, dedicação, zelo.