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2.4. SITUAÇÕES SIMILARES EM OUTROS PAÍSES

2.4.3. A Experiência do Japão

Durante muitos anos o Japão foi mundialmente conhecido como o país mais poluído do mundo, alcançando, porém, conforme MATSUI (1993), progressos marcantes no controle da poluição ambiental durante os anos 1970, período no qual foram adotadas mudanças políticas drásticas, tidas como uma espécie de ‘revolução cultural’, impulsionadas pela crítica internacional que via o país como o ‘paraíso dos poluidores’, bem como pelo impacto causado pela crise do petróleo em 1973 e 1979. A crise do petróleo e a poluição ambiental, com sérios efeitos sobre a saúde da população, dentre os quais destaca-se o emblemático caso do “Mal de Minamata” (disfunções cerebrais detectadas em crianças, causadas pela ação do mercúrio, oriundo de uma planta industrial situada na Baía de Minamata), detectado por

cientistas japoneses no final dos anos 50, fizeram surgir fortes pressões sociais e políticas no país que, conforme o autor, somadas às discussões sobre a problemática ambiental que começavam a se desenvolver em todo o mundo, resultaram na revisão e fortalecimento da legislação sobre controle da poluição no Japão no ano de 1970.

Dentre as diversas ações legislativas adotadas, que significaram uma mudança da política ambiental do país, destacam-se as Leis de Controle da Poluição das Águas e de Controle da Poluição do Ar que, além de estabelecerem padrões e penalidades, possibilitaram aos governos locais o estabelecimento de padrões mais restritivos, caso necessário para o atendimento dos padrões de qualidade ambiental. Merece menção, também, a edição da Lei de Crime de Poluição Ambiental, além de normas sobre saneamento, poluição do solo agrícola, regulação de pesticidas e outras substâncias tóxicas, dentre outras.

Em 1971, foi criada a Agência Ambiental do Japão, vinculada ao escritório do Primeiro Ministro, tendo como funções básicas o controle da poluição ambiental e a conservação da natureza, cabendo-lhe coordenar os programas ambientais do governo em administração e pesquisa. Em 1973, o governo decidiu implementar um procedimento de avaliação de impacto ambiental para projetos públicos com potencial de impacto ambiental significativo, o qual foi posteriormente incorporado em diversas normas. Gradativamente, ao longo dos anos 1970, um conceito holístico de qualidade ambiental se espalhou por todo o Japão, sendo inserido no planejamento do desenvolvimento das comunidades locais, bem como a nível nacional, com preocupações que abrangiam desde os problemas de poluição industrial, poluição sonora, do ar e por vibrações ocasionadas pelos meios de transporte, estendendo-se ao controle das atividades agrícolas e domésticas, especialmente a disposição de resíduos sólidos, economia de energia e conservação da natureza, até a proteção dos bens de valor histórico e cultural, com a criação de diversas normas específicas sobre tais matérias.

No início dos anos 1980, apesar de ter havido uma redução nos esforços até então realizados pelas políticas ambientais, em razão do baixo crescimento econômico e do crescimento do desemprego no país, as práticas de avaliação de impacto ambiental já estavam incorporadas em diversos projetos de desenvolvimento, tais como nos procedimentos de planejamento e implantação de

estações elétricas, rodovias, aeroportos e ferrovias. A legislação de proteção de lagos contra a eutrofização, bem como a legislação que protegia a população contra a poluição sonora também permaneciam fortes.

Nesse período, começaram a emergir no Japão novas dimensões das políticas ambientais, trazendo, dentre outros aspectos, um novo estilo de desenvolvimento, baseado na melhoria da qualidade de vida por meio de abordagens de situações locais específicas, tendo em vista o desenvolvimento e gerenciamento das comunidades humanas no nível local. Esse novo tipo holístico de abordagem do ambiente humano, iniciado por governadores e prefeitos, que se opunha ao grande projeto nacional baseado na moderna inovação tecnológica, acabou se tornando mais importante no país. Movimentos de cidadãos organizados que, desde o início dos anos 1970, confrontavam com o governo e com as indústrias, acabaram determinando uma maior participação da população na elaboração das políticas ambientais, inclusive naquelas relativas à conservação de florestas e sítios históricos. No início dos anos 1990, período no qual se destacavam no cenário mundial as questões ambientais globais, como a redução da camada de ozônio, o efeito estufa e a chuva ácida, ocorreu no Japão a revisão da legislação sobre disposição de resíduos, que estabeleceu como objetivos a redução da geração, a reutilização e a reciclagem, tornando-se ferramenta importante para mudar a estrutura da produção industrial e o estilo de vida dos japoneses.

MATSUI (1993) afirma que o sucesso do controle da poluição industrial no Japão pode ser atribuído a cinco fatores: antecedentes sociais, fatores legais, fatores administrativos, fatores financeiros e indústria e negócios ambientais. Os antecedentes sociais incluem os sacrifícios humanos pelo “Mal de Minamata”, o “Mal de Itai-Itai”, etc, bem como os movimentos sociais de cidadãos organizados contra a poluição, aspecto no qual teve a mídia importante papel educativo. Esses movimentos de cidadãos transformaram as políticas e a aceitação social do controle da poluição no Japão, tornando amplamente aceito pela sociedade o princípio do poluidor-pagador que, somado à Lei de Crime Ambiental, contribuiu para a rápida implementação de medidas de controle da poluição pelo setor industrial do Japão. Uma legislação ambiental forte solidificou as estruturas da administração ambiental no Japão, tanto no nível nacional, quanto no nível local, levando à identificação e

controle dos principais poluidores em um curto período de tempo. ‘Acordos de cavalheiros’ estabelecidos entre indústrias e cidadãos contribuíram para prevenir a poluição industrial e manter as atividades sob condições estritas e sempre mais rigorosas e amplas que o simples respeito aos padrões nacionais e locais. Por último, os esforços legais e administrativos acabaram por criar um novo mercado de negócios e indústria ambiental, necessário para dar suporte à operação e manutenção diária dos numerosos equipamentos e sistemas de controle de poluição.

IMURA (1993) também destaca a importância dos movimentos de cidadãos contra a poluição, afirmando que, combinados com as campanhas críticas da mídia, foram fundamentais na aceleração do desenvolvimento e disseminação de medidas regulatórias e de diretrizes de controle da poluição pelos governos central e locais do Japão. Entre essas medidas estão a implementação de diversas regulamentações - conforme acima mencionado - e o desenvolvimento de sofisticadas tecnologias, tais como sistemas computadorizados de monitoramento da poluição do ar e métodos de simulação para calcular a difusão de poluentes, especialmente na metade da década de 1970.

A crise do petróleo de 1970, afirma o autor, levou as políticas ambientais do Japão a uma nova fase, uma vez que o aumento dos preços do petróleo acelerou os esforços para economia de energia, reestruturando o setor industrial, com o favorecimento de setores menos dependentes de energia, tais como indústrias de eletrônicos, computadores e comunicações. Após 1987, entretanto, devido à contínua expansão da economia japonesa, o consumo de energia voltou a crescer rapidamente, no mesmo momento em que cresciam no mundo todo as preocupações com as questões globais de meio ambiente. A partir de 1992, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, a ampliação das discussões da interdependência econômica e ambiental em um contexto global fez ressaltar o senso de responsabilidade e o papel dos países para a proteção do meio ambiente, assim como gerou uma maior preocupação das pessoas com as questões ambientais globais e uma maior reflexão dos cidadãos a respeito de seu estilo consumista de vida. Nesse contexto, o escopo das políticas ambientais do Japão vem sendo ampliado, com a adoção de programas voltados para os problemas ambientais globais, uma vez que estes estão muito mais relacionados

ao modo de vida, cultura, tecnologia e valores sociais de nossa civilização que os problemas tradicionais de poluição, nos quais poluidores e vítimas eram claramente identificados, bastando controlar e monitorar as emissões de poluentes de fábricas e plantas.

A solução dos problemas ambientais atuais, que alcançam escala regional ou global, afirma Imura, “exige uma reestruturação revolucionária da sociedade” (p. 77), na qual a inovação tecnológica não é suficiente. Essa reestruturação passa pela revisão do processo de urbanização e melhoria da eficiência energética nos setores residencial, comercial e de transportes, dentre outros aspectos, mas principalmente pela incorporação de novos valores na vida diária da população e nos negócios, com a criação de uma cultura baseada em uma ética ambiental.

As medidas formais de controle da poluição no Japão foram baseadas em uma combinação de regulamentação e tecnologias de controle. O governo estabeleceu metas a serem cumpridas pelas indústrias que, a princípio, pareciam ser extremamente difíceis de serem atingidas. Contudo, além de propor soluções técnicas, o governo permitiu que as empresas desenvolvessem seus próprios métodos de solução, favorecendo a inovação tecnológica, pelo estímulo à competição para o desenvolvimento tecnológico entre as indústrias.

Assim, ocorreram grandes mudanças de atitudes por parte das indústrias japonesas, que incorporaram a preocupação com as questões ambientais, inclusive globais, em suas atividades e passaram a direcionar suas ações para a proteção do meio ambiente global, embora não esteja claro se essas mudanças ocorreram em razão de interesses capitalistas, face à criação de um mercado ambiental, ou por preocupações éticas com a proteção do planeta Terra.

Os valores e comportamento dos consumidores, ainda segundo Imura, também têm mudado, pela conscientização de que o incessante desejo de obtenção de bens materiais é o principal responsável pela degradação dos recursos naturais e pelos problemas ambientais. Conforme pesquisas realizadas no país no ano de 1990, informa o autor, uma grande parte da população prefere a proteção ambiental ao crescimento econômico, sendo que 35% das pessoas estão dispostas a pagar o custo da proteção ambiental.

Os esforços para o controle da poluição, portanto, forçaram o setor industrial japonês a melhorar a eficiência da sua produção, por meio de controle de qualidade de produtos e processos, desenvolvimento de tecnologias menos poluentes e de práticas de controle ambiental, dentre outras medidas, levando as indústrias japonesas a terem uma forte posição no mercado internacional. O movimento popular anti-poluição ocorrido no Japão contribuiu, ainda, para o desenvolvimento da democracia no país após a Segunda Guerra Mundial.

No seu desenvolvimento industrial, o Japão enfrentou diversos problemas de poluição, tendo o conceito contemporâneo de política ambiental se iniciado por meio da autonomia local e ação pública organizada contra a poluição ambiental no período pós-guerra. E, “embora os sistemas legislativo e institucional do governo central e dos governos locais, juntamente com as descobertas científicas e novas tecnologias, sejam importantes no controle da poluição ambiental, a conscientização do problema e de seus riscos por parte do público tem sido mais importante”, afirma MATSUI (1993, p. 51).

Muitos problemas ambientais ainda não foram solucionados no país, tais como a poluição do ar por veículos automotores e a poluição das águas de rios e lagos, “exigindo o estabelecimento de um sistema econômico e social mais amigo do meio ambiente” (IMURA, 1993, p. 60). A característica mais peculiar da poluição veicular, afirma o autor, é que, nesse caso, poluidores e vítimas não podem ser claramente distinguidos, bem como que a sociedade como um todo é responsável pela causa e pela solução do problema, que passa necessariamente pela mudança do estilo de vida dos cidadãos e pela reforma do sistema de transportes.

3. OBJETIVOS