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A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE BIOLOGIA

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 100-105)

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3.4 A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE BIOLOGIA

Se por um lado, a atividade experimental não é a solução para todos os males do ensino de ciências, por outro as tradições da disciplina biologia nas escolas de nível básico no Brasil não têm sido marcadas por atividades experimentais, como destacam Marandino, Selles e Ferreira (2009).

Krasilchik (2011) também diz que, embora a importância das aulas práticas seja amplamente reconhecida, elas formam uma parcela muito pequena do ensino de biologia. Ela cita como justificativas mais comuns para essa realidade a falta de tempo dos professores para organizar materiais, o despreparo destes para lidar com experiências práticas, quer seja no domínio da classe, do conteúdo ou da técnica, além da carência de equipamentos e instalações adequada.

Marandino, Selles e Ferreira (2009) destacam que a defesa do ensino experimental surgiu como política nacional nos anos 1950, com a criação do Instituto

Brasileiro de Ciência e Cultura (Ibecc). E que, passado mais de meio século deste esforço inicial, a ausência da experimentação escolar nas aulas de biologia só não é completa graças ao trabalho abnegado de alguns professores.

Com base na minha trajetória profissional, digo que o problema da falta de tempo do docente para organizar a experiência pode ser solucionado com a designação de um professor exclusivo para o laboratório. Sua função é organizar os experimentos para todas as demandas da escola, papel que eu estava desempenhando recentemente numa grande escola pública de Belém. O fato é que as demandas, que deveriam ser apresentadas pelos colegas de sala de aula, quase não chegavam, mesmo com os estímulos ofertados.

A principal justificativa era a prioridade em “cumprir o conteúdo” da disciplina. Mas via também a dificuldade dos professores em conduzir o experimento (alguns não lembravam mais nem como se opera um microscópio) e discutir com os alunos suas implicações. Faltavam materiais, é verdade, mas a resistência e dificuldade dos professores era o maior obstáculo. Se houvesse o engajamento de todos e a crença de que a atividade prática é importante, que o conteúdo curricular não é uma camisa de força, que importa mais desenvolver habilidades de raciocínio por meio do enfrentamento de um problema prático, certamente as limitações de material e infraestrutura seriam compensadas de outro modo.

Este é também o pensamento de Krasilchik (2011), ao dizer que embora os fatores mencionados sejam limitantes, nenhum deles justifica a ausência de trabalhos práticos no ensino de biologia. Segundo ela, um pequeno número de atividades interessantes e desafiadoras já seria suficiente para suprir as necessidades básicas desse componente essencial à formação das novas gerações. No entanto, é importante considerar também, como colocam Marandino, Selles e Ferreira (2009), que as razões para a atividade experimental nas aulas de biologia não serem tão frequentes, deve-se também à própria história da biologia como ciência. Considerando a diversidade de disciplinas que compõem as ciências biológicas, as autoras destacam que há diferentes métodos para estudá-las. Assim, a experimentação escolar biológica assume um caráter polissêmico, com diferentes atividades práticas para subsidiar a produção do conhecimento.

Elas recorrem a Mayr (1998) para dizer que há duas biologias: a das causas próximas, a biologia funcional; e a das causas remotas, a biologia evolutiva. Nesta última, assim como na oceanografia, outros métodos são importantes, além do experimental. Já na fisiologia este é o único que conduz a resultados.

Marandino, Selles e Ferreira (2009) ressaltam que a experimentação biológica envolve tanto trabalho laboratorial quanto pesquisa de campo, com práticas de classificação, identificação de espécies, descrição de ecossistemas e outras50. Estas são atividades profundamente associadas às tradições que constituíram o conhecimento biológico.

Os trabalhos de campo, por exemplo, estão ligados aos estudos de história natural, onde se inserem a botânica, a zoologia e a ecologia. Podem incluir a montagem de coleções botânicas, zoológicas e paleontológicas. Já os trabalhos laboratoriais, conhecidos também como “experimentos de bancada”, envolvem principalmente experimentos de fisiologia – animal, vegetal e humana –, incluindo, por exemplo, identificação e comparação anatômica, visualização microscópica de algumas estruturas, identificação de certa ação enzimática (ibidem).

Neste ponto, vale lembrar que a ciência deve muito a Claude Bernard (1813- 1878) pelos seus estudos na área da fisiologia e contribuição para a teoria e filosofia do método experimental. Antes restrito à astronomia e mecânica, ele o trouxe para as ciências de laboratório e o dissecou exaustivamente, para concluir que o fato e a ideia somam colaboração na pesquisa experimental. O fato percebido sugere uma ideia de explicação e o sábio pede à experiência para confirmá-la. A pesquisa cientifica é, portanto, o diálogo entre o espírito e a natureza (BERGSON, 1913).

Segundo Marandino, Selles e Ferreira (op. cit.), é natural e esperado que a experimentação escolar acompanhe essas tradições das ciências biológicas, com diversidade de métodos. Porém, de acordo com pesquisa feita por Borges e Lima (2007), há uma predominância de atividades extraclasses, acima das atividades consideradas práticas. Estas autoras analisaram 118 trabalhos apresentados ao I Encontro Nacional de Biologia, realizado em 2005.

A categoria de atividades extraclasse, onde aparecem ações de clubes de ciência, estudos do meio, campanhas na comunidade escolar, visitas, participação em palestras e filmes, construção de hortas, entre outras, respondeu por 24% das estratégias pedagógicas usadas. A categoria de atividades práticas, onde foram classificadas ações como construção de modelos, coleções escolares e atividades práticas diversas, respondeu por 22%. As demais estratégias citadas são jogos em sala de aula (14%), atividades de leitura e escrita (13,5%), projetos de trabalho (10%), propostas interdisciplinares (8%) e outras (8,5%) (BORGES E LIMA, 2007).

50 Na própria ciência de modo geral, as evidências podem ter origem não somente experimental, mas

Não há referência direta a experimentos laboratoriais, mas estes podem estar contemplados na categoria atividades práticas diversas, a julgar também pelos temas abordados de modo geral: meio ambiente (21%), biologia/ciências em geral (15%), ecologia (11%), botânica (10%), anatomia/fisiologia (9,3%), zoologia (8,4%), saúde (7,5%), genética (6%), evolução (3,4%) e assuntos diversos (8,4%) (BORGES E LIMA, 2007).

Considerando que os alunos devem aprender conceitos básicos, vivenciar o método científico e analisar as implicações sociais do desenvolvimento da biologia, Krasilchik (2011) diz que o ensino deve incluir uma diversidade de modalidades didáticas. A escolha depende do objetivo da aula, da classe a que se destina, do tempo e recursos disponíveis, assim como dos valores e convicções do professor.

Pela relevância do trabalho de campo nas ciências biológicas, as excursões contribuiriam muito, mas são raras devido às dificuldades de várias ordens. Uma alternativa, segundo Krasilchik (idem), são os trabalhos de campo próximo da escola. Como esta alternativa também pode ter suas limitações, acredito que aí entra a importância de o professor estimular a aprendizagem ativa, individual, em dupla ou em grupos, em que o aluno pode fazer observações em cenários que lhe sejam seguros, como o entorno de sua casa, o sítio de um conhecido, a praia que costuma visitar, e trazer para o debate em sala de aula os dados coletados.

Quanto à aula prática ou de laboratório, Krasilchik (idem) destaca que esta tem um lugar insubstituível nos cursos de biologia, pois permite que o aluno tenha contato direto com os fenômenos, observe organismos e manipule materiais e equipamentos. Ela ressalta, porém, que a oportunidade para o aluno se defrontar com o fenômeno biológico sem expectativas predeterminadas, desafiando sua imaginação e raciocínio, pode se transformar numa mera atividade manual. É o que acontece muitas vezes quando a atividade é organizada para se obter “respostas certas” e não para resolver problemas.

A autora diz que, em geral, os exercícios experimentais são classificados em quatro níveis, conforme a liberdade concedida ao aluno para autogerir seu aprendizado. No primeiro nível, o professor propõe um problema, dá instruções sobre a realização do experimento e apresenta os resultados esperados. Os alunos só têm que seguir o roteiro programado para constatar o que já foi anunciado.

Por exemplo, um experimento para verificar que “quanto mais os grãos de feijão ficam embebidos em água, mais depressa germinam”, traz detalhamento para separar quatro lotes de 50 grãos, que deverão ser deixados em frascos com água por 72, 48, 24 e 12 horas e ser semeados simultaneamente em placas de Petri

forradas com papel de filtro umedecido, depois observados durante dez dias e os resultados anotados em uma tabela cujo modelo é fornecido pelo professor (KRASILCHIK, 2011).

No segundo nível, os alunos recebem o problema – “o tempo de embebição das sementes de feijão influi na germinação?” – e as instruções como proceder. No terceiro nível, é proposto apenas o problema, cabendo aos alunos planejar o procedimento para testar a hipótese, coletar os dados e interpretá-los. No quarto nível, os alunos devem identificar algum problema que desejam investigar, planejar o experimento, executá-lo e interpretá-lo. No caso do exemplo, o professor poderia chegar com os alunos e anunciar: “tenho aqui um conjunto de frascos com sementes de várias plantas, o que gostariam de saber sobre elas?” (ibidem).

Exercícios de vários níveis devem ser feitos ao longo de um curso, segundo a autora, garantindo que os alunos ganhem autonomia para tomar decisões e analisar o resultado de seus trabalhos. Ela destaca que, em todos os casos, os experimentos devem ser seguidos de uma discussão geral para que a atividade não fique reduzida à manipulação de materiais e equipamentos, sem nenhum raciocínio. Marandino, Selles e Ferreira (2009) também dizem que a riqueza de uma atividade experimental reside mais na possibilidade de gerar questionamentos nos alunos do que em desenvolver habilidades técnicas. Assim, antes de propor qualquer experimento, o professor deve se perguntar em que medida o exercício ajudará os alunos a entender determinado tema e/ou conceito, a formular novas questões e a instigar sua criatividade. São perguntas que o ajudarão a entender o papel da experimentação nas aulas de biologia.

Krasilchik (op. cit.) ressalta que tão prejudicial quanto não dar aulas práticas, é fazê-lo de forma desorganizada e descontextualizada, deixando os alunos com uma visão deformada do significado da experimentação no trabalho científico. Silva e Zanon (2000) corroboram o pensamento de Krasilchik, ao dizer que pouco adianta realizar atividade prática em aula, se esta não proporcionar um momento de discussões teórico-prática, transcendendo o conhecimento do fenômeno em si e os saberes cotidianos dos alunos.

Neste aspecto, Astolfi e Develay (1995) destacam a importância da didática do professor na transposição da ciência dos cientistas para a ciência ensinada. Ou seja, é preciso considerar que existe diferença entre a epistemologia escolar da epistemologia dos saberes científicos. Os autores também enfatizam que as ferramentas usadas neste processo devem ser apoiadas na reflexão.

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 100-105)

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