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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E EXPANSÃO

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 30-34)

11 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS – ABP

1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E EXPANSÃO

A Aprendizagem Baseada em Problemas, o Problem-Based Learning (PBL), nasceu juntamente com a reforma curricular da faculdade de medicina da Universidade McMaster, em Hamilton, província de Ontário, Canadá. O projeto de mudança começou em 1966 e a primeira turma admitida com o novo currículo foi a de 1969 (LEE e KWAN, 1997).

A mudança iniciada na McMaster buscava romper com os padrões tradicionais de ensino médico e desejava formar profissionais com conhecimentos mais sólidos e aprofundados, além de mais próximos do quotidiano dos pacientes. O objetivo era oferecer aos formandos uma visão integrada das dimensões biológicas, psicológicas e sociais do paciente e oferecer resultados mais efetivos para a sociedade (DECKER e BOUHUIJS, 2009; BRANDA, 2009).

De acordo com Decker e Bouhuijs (2009), a Aprendizagem Baseada em Problemas surgiu de modo bastante pragmático, sem embasamento teórico de nenhuma psicologia educacional ou ciência cognitiva – pelo menos não de forma sistematizada, deduz-se. Eles informam que seus fundadores partiram apenas das experiências e crenças pessoais e do anseio de romper com o sistema tradicional e conservador de ensino.

Schmidt (1993) conta que os pioneiros foram influenciados pelo método do estudo de caso desenvolvido na Faculdade de Direito de Havard nos anos de 1920, como instrumento para um aprendizado atrativo. Entre esses pioneiros, ele destaca o neurologista Howard Barrows, que se tornou o principal proponente da nova abordagem. Outros nomes citados são John Evans, Bill Spaulding, Bill Walsh, Jim Anderson, Fraser Mustard e Vic Neulfeld.

Segundo Branda (2009, p. 208-209), “o grupo [...] buscava mudanças [...], mas o fazia sem muita certeza de quais seriam elas. Guiou-se pelo que intuitivamente considerava uma metodologia adequada para o aprendizado efetivo”.

O autor informa que, quando ficou um ano como consultor da Universidade de Maastricht, na Holanda, para colaborar na concepção e implantação de um projeto de PBL na escola de medicina daquela instituição, descobriu na antiga biblioteca local as obras de Comenius (1592-1670), constatando que este filósofo medieval foi pioneiro na aplicação de metodologia baseada em problemas, uma vez que usava grupo de imagens como núcleos geradores para o aprendizado do latim. Além disso, o autor acrescenta um pensamento de Comenius que evidencia uma conexão com a aprendizagem autodirigida: “os professores devem se preocupar em ensinar menos; e os alunos, em aprender mais” (BRANDA, 2009, p. 215).

Ele destaca ainda que o conceito de aprendizagem autodirigida já aparecia também nos Anacletos de Confúcio (500 a.C.) pois este só ajudava seus discípulos a obter respostas para perguntas depois que já haviam esgotado suas tentativas.

Foi em 1976, após sete anos de maturação da nova proposta, que o modelo da McMaster foi levado para a Universidade de Maastricht, na Holanda, então Universidade Pública de Limburgo. A cidade venceu um concurso nacional para criação de mais uma faculdade de medicina, por causa do projeto inovador e porque a região precisava de incentivo (DEELMAN e HOEBERIGS, 2009).

A partir dessas duas escolas de medicina, McMaster e Maastricht, o PBL se expandiu para escolas de medicina de outros países, como a Universidade de Aalborg na Dinamarca, a Universidade de Linköping na Suécia, e a Escola de Enfermagem Vall d´Hebron em Barcelona-Espanha (ARAÚJO e SASTRE, 2009).

Nas duas últimas décadas do século XX, a nova metodologia foi se espalhando pelo mundo, chegando ao ponto de, na Austrália, ser adotada por nove das dez escolas de medicina do país (LIMA, KOMATSU e PADILHA, 2003). Nos Estados Unidos, as universidades de Harvard, Albuquerque e Hawai estão entre as escolas médicas que passaram a adotá-la em seus currículos (UEL, 2012).

Além da América do Norte e Europa, a Aprendizagem Baseada em Problemas alcançou outros continentes. Por recomendação das Sociedades das Escolas Médicas, o PBL foi levado para países da África, Ásia e América Latina. A metodologia chegou ao Brasil 30 anos depois de sua criação, sendo adotada primeiramente pela Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), em 1997, e pelo curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1998 (BERBEL, 1998; MORAES e MANZINI, 2006).

O PBL se expandiu da área da saúde, como medicina, enfermagem, fisioterapia e odontologia, para outros domínios, fenômeno registrado também aqui

no Brasil, como na Engenharia de Produção (MARTINS, 2002; RIBEIRO e MIZUKAMI, 2004; RIBEIRO, 2008), na Construção Civil (NEVES, 2006), no Direito (CARLINI, 2006), na Matemática (SILVA e DEJUSTE, 2009) e nos cursos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste (ARAÚJO e ARANTES, 2009), só para citar algumas experiências.

Segundo Diniz (entrevista 2006)11, o fato da metodologia se espalhar para diversas áreas do conhecimento, deve-se aos resultados alcançados: “o impacto é extraordinário porque os alunos não recebem uma resposta pronta, um versinho para decorar e responder no dia da prova. Eles fazem uma pergunta, um problema que têm que resolver, contribuindo para um aprendizado duradouro”.

Daí porque a ABP também foi adotada no Curso de Férias, projeto criado pelo professor Leopoldo de Meis na UFRJ e estendido a outras universidades, incluindo a UFPA. Por aqui, há o registro de uso isolado de ABP em disciplinas dos cursos de medicina, educação física e fisioterapia da UFPA, no estudo de assuntos específicos, como na área de neurofisiologia (entrevista, 2012)12. O Centro de Ensino Superior do Pará – CESUPA, por sua vez, adota oficialmente o PBL em módulos temáticos do seu currículo13.

Segundo Rué (2009), a expansão da ABP no ensino superior, em todo o mundo, explica-se pelo fato de que estão ganhando importância as abordagens baseadas na autonomia da aprendizagem. E que este fato está ocorrendo como forma de se enfrentar a explosão do conhecimento favorecida pelas novas mídias, em especial as tecnologias digitais ligadas à internet. Ele destaca que a transição da

sociedade industrial para a sociedade do conhecimento criou a necessidade de uma

nova metodologia para transferir conhecimentos e formar cidadãos autorreflexivos. Diversos relatórios mundiais sinalizam esta mudança, como a Carta de Bolonha, assinada pela União Europeia em março de 2000, que estabelece como meta principal desenvolver o potencial de autoaprendizagem dos alunos, a competência de aprender a aprender, uma habilidade imprescindível nesses novos tempos de informações excessivas e disponibilizadas numa velocidade cada vez mais rápida (RUÉ, 2009; ARAÚJO e SASTRE, 2009).

O fato de ter acesso a diferentes fontes de informação, aprender à distância, estudar em casa, fora da sala de aula ou seguir processos de autoinstrução e outros não são suficientes para o desenvolvimento da autonomia pessoal e intelectual do

11 Cristovam Diniz. Entrevista videogravada concedida a João Malheiro, como subsídio para sua tese

de doutorado. Oriximiná (PA), julho de 2006.

12 Cristovam Diniz. Entrevista videogravada concedida a Moisés David. Belém (PA), fevereiro de

2012. Usada como subsídio para a constituição do referencial teórico desta dissertação.

13 Informação disponível no site da instituição:<http://www.cesupa.br/Graduacao/Biologicas/med.asp>

aluno. Daí a importância das universidades e escolas se reinventarem para atender a essas novas exigências das sociedades, da cultura e da ciência (RUÉ, 2009).

Se esta mudança é necessária no ensino superior, faz-se também urgente no ensino básico. Segundo Andrade (2007), não há registros no Brasil de uso da ABP nos níveis fundamental e médio, mas encontram-se casos no exterior, sobretudo nos Estados Unidos.

Andrade (2007) relata que os casos em que a ABP aparece sendo usada no ensino médio brasileiro é como proposta para aproximar o conhecimento científico do cotidiano de alunos de populações carentes (caso do Curso de Férias) e em proposta de simulação de carreiras profissionais, visando preparar os alunos para o mercado de trabalho. Também não encontramos outros registros além dos citados e da própria experiência piloto de Andrade.

Ao pesquisar os limites e possibilidades de aplicação da ABP com alunos de 3º ano do ensino médio, a partir de aulas piloto envolvendo problemas de zoologia, Andrade (idem) apontou a vantagem da metodologia para trabalhar conteúdos de forma contextualizada e desenvolver habilidades de resolução de problemas e interação entre os alunos. Um dos limites identificados por ela é o currículo centrado numa grande quantidade de conteúdos teóricos que precisam ser cumpridos, e a falta de compreensão por parte dos principais envolvidos no processo educacional sobre a importância de mudar o jeito tradicional de ensinar e aprender.

Malheiro (2005) e Rosário (2005)14 também investigaram a possibilidade de aplicação da ABP no ensino médio, em atividades de biologia, com pesquisas desenvolvidas no âmbito do Curso de Férias no Pará. O primeiro considerou a opinião de estudantes e professores cursistas, mostrando que a ABP foi bem aceita por ambos, como possibilidade de mudar as aulas de ciências e biologia. Contudo, diz que sua disseminação exigiria capacitação em larga escala, envolvendo as universidades, valorização do professor, gestão e liderança para iniciar o processo de mudança e melhor infraestrutura das escolas para experimentação.

Rosário (2005), por sua vez, focalizou a formação de professores de ciências, concluindo que a ABP pode contribuir para formar professores reflexivos, assim como promover maior envolvimento e motivação destes e dos alunos com o processo educacional. A despeito das restrições atuais de infraestrutura, ela acredita na possibilidade de utilização imediata da ABP também no ensino médio, assim como sua ampliação no ensino superior, com adaptações à realidade local.

Em Portugal, onde a ABP recebeu o acrônimo de ABRP, em função do

Problem-Based Learning ter sido traduzido como Aprendizagem Baseada na

Resolução de Problemas, há o registro de larga expansão no ensino universitário e a introdução no básico e secundário, que correspondem ao fundamental e médio no Brasil (LEITE e ESTEVES, 2005).

Leite e Afonso (2001) elaboraram uma proposta de ABRP para esses níveis, baseada em quatro etapas, ao que chamaram de sequência tetrafásica. A primeira etapa começa com a apresentação pelo professor de um “contexto problemático” capaz de gerar múltiplos problemas. Na fase seguinte, os alunos devem formular questões em três categorias: “O que já sei/já me é familiar?”, “O que não sei/não compreendo/nunca ouvi falar?”, “O que gostaria de saber/aprofundar sobre este assunto?” Os alunos discutem com o professor quais as questões mais relevantes.

Na terceira etapa, eles se dividem em grupo e planejam como resolver o(s) problema(s) escolhido(s), respondendo também a três questões: “O que é que eu já sei sobre este problema ou sobre esta questão?”, “O que é que eu necessito saber para resolver eficazmente este problema ou questão?”, “A que fontes de informação devo recorrer?”. Depois, traçam estratégias e vão a campo em busca do conhecimento que precisam para solucionar o problema. As fontes são as sugeridas e organizadas pelo professor e as de iniciativa própria. Esta etapa é repetida de acordo com o número de problemas a resolver.

A etapa final é a síntese dos conhecimentos obtidos e/ou desenvolvidos e avaliação de todo o processo, tanto a eficácia da aprendizagem, quanto a contribuição da atividade para o desenvolvimento dos alunos como cidadãos e membros de uma sociedade em permanente transformação. Eles são estimulados a responder a questões como: “O que é que eu aprendi de novo?” e “O que ficou por esclarecer?” (ibidem).

A priori, me parece uma proposta prática, que pode viabilizar o uso da ABP no ensino básico de forma mais sistemática.

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 30-34)

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