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SIMILARIDADE COM OUTRAS METODOLOGIAS E A QUESTÃO DO QUE É PROBLEMATIZAÇÃO

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 48-52)

11 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS – ABP

1.4 SIMILARIDADE COM OUTRAS METODOLOGIAS E A QUESTÃO DO QUE É PROBLEMATIZAÇÃO

A ampla expansão da ABP e a tentativa de adotá-la nos mais diferentes contextos educacionais fez surgir certa ambiguidade conceitual diante da existência de diferentes formatos e de outras metodologias similares (LEITE e ESTEVES, 2005; RIBEIRO, 2008).

Alguns exemplos de metodologias parecidas com a ABP, ou até mesmo consideradas ABP, são a aprendizagem baseada em casos, que inclui o estudo a partir de situações reais mais complexas, podendo envolver vários problemas (UEL, 2012); e a aprendizagem baseada em projetos, do inglês project-based learning (LEITE e ESTEVES, 2005).

Em função dessas similaridades e das variações que têm surgido na adoção da Aprendizagem Baseada em Problemas, gerando controvérsias ao se classificar como ABP os formatos que se distanciam muito do modelo original de MacMaster, Ribeiro (2008) buscou oferecer alguns pré-requisitos para ajudar nessa definição. O

autor enumera algumas características que devem estar presentes num formato que se considera como ABP ou PBL:

1. um problema da vida real sempre precede a discussão da teoria; 2. existe um processo formal de solução de problemas;

3. os alunos trabalham em grupos em busca desta solução;

4. o estudo é autônomo e autorregulado pelo aluno [centralizado no aluno]; 5. o processo favorece a integração de conhecimentos.

No Brasil, a ABP chegou a ser confundida com a Metodologia da Problematização e ainda o é. Esta foi adotada por Berbel (1998) e aplicada inicialmente em 1995 em módulos dos cursos de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A Metodologia da Problematização foca em problemas da realidade social, sendo indicada pela autora para estudos de temas ligados à vida em sociedade. De inspiração freireana e baseada no Arco de Maguerez e no esquema de Bordenave e Pereira19, leva os alunos a exercitarem a cadeia dialética de ação-reflexão-ação.

A primeira etapa nesta metodologia é a observação concreta da realidade a ser estudada, que deve ser dirigida por um tema geral para não se dispersar e fugir do foco. As dificuldades, carências, discrepâncias e outras observações serão transformadas em problemas, “ou seja, serão problematizadas”. A segunda etapa começa com a reflexão sobre os possíveis determinantes maiores do problema, aprofundando o estudo para pontos-chaves (BERBEL, op. cit., p. 142). A seguir vem a etapa da teorização, da investigação propriamente dita nas mais diferentes fontes: a busca de informações necessárias para oferecer uma solução ao problema. Só depois da análise e sistematização das informações é que vem a etapa de formulação de hipóteses, “como fruto da compreensão profunda que se obteve sobre o problema, investigando-o de todos os ângulos possíveis” (ibidem, p. 144). Por fim, a quinta e última etapa é a aplicação à realidade, com as decisões tomadas

19 Trabalhando no Serviço de Extensão Rural do Estado de São Paulo, Charlez Maguerez

desenvolveu, na década de 70, um método para motivar os trabalhadores rurais a introduzir novas técnicas agrícolas. Consistia na observação da realidade, construção de uma maquete, discussão sobre a maquete, execução na maquete e depois a execução efetiva. O diagrama das etapas forma um U invertido, onde no ponto mais alto está a discussão sobre a maquete. Juan Diaz Bordenave aplicou o método do arco no Instituto Superior de Relações Públicas do Paraguai (DECKER e BOUHUIJS, 2009). O esquema de Bordenave e Pereira consta de cinco etapas que se desenvolvem a partir da realidade ou um recorte da realidade: observação da realidade; pontos-chave; teorização; hipóteses de solução e aplicação à realidade (prática) (BERBEL, 1998).

sendo executadas ou encaminhadas a quem pode executá-las. “Do meio observaram os problemas e para o meio levarão uma resposta de seus estudos, visando transformá-lo em algum grau” (BERBEL, 1998, p. 144).

Há semelhanças, mas sobressaem-se as diferenças entre ABP e Metodologia da Problematização, com destaque para o fato de que na primeira a hipótese vem antes da busca de conhecimento, servindo-lhe de guia, enquanto que na segunda a hipótese de solução para o problema vem depois, é consequência do que se estudou. Enquanto na ABP, o fim é o desenvolvimento integral do aluno, na Metodologia da Problematização, soma-se a este objetivo o propósito mais amplo de mudança concreta da realidade social, com intervenção imediata nesta.

Diante disso, cabe então perguntar: o que é problematização? Existe problematização na ABP?

O conceito de Berbel (idem) para problematização é baseado na pedagogia de Freire (1988), para quem problematizar é perceber e analisar criticamente a realidade que nos cerca, numa postura que implica em ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.

Em Freire (idem), a problematização decorre ou depende do ato de “ad- mirar”, enxergar novas dimensões da realidade até então não percebidas, o mesmo que “estranhamento” na antropologia e sociologia. Na prática problematizadora, desenvolve-se o poder de captação e compreensão do mundo, visto não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo.

Na didática do ensino de ciências, problematizar uma situação é identificar problemas, simplificá-los na forma de pergunta objetiva, fazer conjecturas, estabelecer relações entre conceitos e formular hipóteses (GIL-PEREZ et al, 1990, apud LOPES e COSTA, 1996).

É sobretudo desta última maneira que ocorre problematização na ABP, no sentido de se elaborar perguntas fundamentais à construção do conhecimento. É feita a partir de um contexto apresentado em materiais específicos, onde os problemas que se deseja que o aluno trabalhe estão implícitos (caso da ABP praticada no ensino superior visando atender a tópicos específicos de um currículo) ou a partir de materiais e discussões que permitem problematizações livres e baseadas em observações próprias (caso das propostas para o ensino básico).

Quanto à problematização como olhar crítico à realidade, em certa medida a ABP também proporciona este exercício. Ao deixar a postura de que o professor é aquele que educa e o aluno, aquele que é educado, a ABP se afasta da educação bancária denunciada por Freire (1988) – alunos vistos como depósitos vazios a serem preenchidos – e se aproxima da educação problematizadora, que vê o aluno como sujeito cognoscente, com capacidade para conhecer, para construir o conhecimento e não apenas recebê-lo pronto e acabado, sem questionamentos.

Por outro lado, a dimensão política da problematização freireana pode ficar de lado, se o professor abdicar ou negligenciar o seu papel de orientador do aprendizado reflexivo. Krasilchik (2000, p. 88) alerta que esse fenômeno tem sido cada vez mais frequente: embalado pelo refrão “o aluno constroi seu conhecimento”, o professor se exime da responsabilidade de guiá-lo, papel fundamental segundo Vygostky. Nesse caso, diz ela, “o laboratório e as aulas práticas podem até ser divertidas, mas não levam à formulação ou reformulação de conceitos” (ibidem).

Sendo uma proposta construtivista, com ênfase no aprendizado ativo e autônomo, vejo que a ABP não está imune a esse risco, podendo acontecer apenas uma mudança na fonte de conhecimento pronto e acabado: em vez de ser o professor, esta fonte passa a ser diretamente o livro, a internet e outras, sem que o aluno faça reflexões sobre os vieses da informação obtida. A autonomia na aprendizagem não pode se resumir a saber onde buscar o conhecimento, mas principalmente saber fazer as perguntas certas, saber avaliar o conteúdo que se tem em mãos, saber confrontá-lo e questioná-lo.

A necessidade de formar cidadãos autorreflexivos deve ser a principal motivação para a adoção de metodologias problematizadoras, como bem salientou Rué (2009), além de cidadãos capazes de intervir em sua realidade de forma crítica, como era o ideal de Freire (1988).

Com esta compreensão sobre a ABP e seus fundamentos teóricos, abordo a seguir as ideias de Anton Lawson sobre raciocínio hipotético-dedutivo, apresentando assim os dois eixos centrais desta pesquisa.

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 48-52)

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