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LAWSON E O RACIOCÍNIO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 52-56)

Neste capítulo, faço uma revisão em artigos de Lawson sobre o raciocínio hipotético-dedutivo. Apresento os argumentos epistemológicos e cognitivos com os quais o autor defende que a essência do método científico é hipotético-dedutiva. Essência esta que seria subjacente a todos os modos de se fazer ciência.

Ainda que seus estudos refiram-se às ciências da natureza e da vida, fica implícita a ideia de que o raciocínio hipotético-dedutivo guiaria o fazer científico em todas as áreas do conhecimento.

Apresento também o modelo lógico-linguístico se / e / então / e ou mas /

portanto proposto por Lawson para caracterizar o padrão de raciocínio que ele

acredita acompanhar os passos de toda descoberta científica.

2.1 A PREDOMINÂNCIA DO RACIOCÍNIO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO

Há 40 anos fazendo investigações científicas nos campos da ciência cognitiva e educação, o biólogo, zoólogo e professor americano Anton Eric Lawson20 apresenta como seu principal postulado a defesa de que o raciocínio humano, em geral, opera de modo hipotético-dedutivo ou hipotético-preditivo. E que, se assim é em situações do quotidiano, o mesmo deve ser válido para os processos de descoberta científica.

Contrapondo-se ao indutivismo, ele reforça a corrente de pensadores que historicamente defendem a produção do conhecimento científico como um empreendimento hipotético-dedutivo. Além de seguir as ideias piagetianas, a obra de Lawson mostra influências de Karl Popper (1902-1994), que lançou as bases do método hipotético-dedutivo, segundo Marconi e Lakatos (2011).

À medida que o autor avançava em suas pesquisas sobre padrões de raciocínio e aquisição de conceitos científicos, acumulando evidências de que o modo como a humanidade adquire conhecimento é hipotético-dedutivo – através da

20 Lawson é graduado em biologia e zoologia e PhD em Ciências e Educação pela Universidade de

Oklahoma (EUA). Professor e pesquisador da Faculdade de Ciências da Vida da Universidade do Estado do Arizona desde 1977. Por suas contribuições e liderança na pesquisa em ensino de ciências, em 1986, recebeu o Prêmio NARST – Associação Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências (EUA). Um ano antes da morte de Piaget, foi escolhido para fazer a palestra memorial em sua honra na convenção anual da NARST. Seu artigo “Incentivando a transição do funcionamento cognitivo concreto para o formal” foi considerado um dos 13 mais influentes em 40 anos de história do

Journal of Research in Science Teaching. O trabalho foi publicado em 1976 e republicado em 2003. Informações disponíveis em: http://www.public.asu.edu/~anton1/ e http://sols.asu.edu/people/anton-e- lawson . Acesso em: 09 abr. 2012.

geração e o teste de ideias explicativas que, quando lançadas na forma de um argumento verbal assume o padrão se / então / portanto –, ele ficava cada vez mais persuadido de que a essência do método científico “parece” ser hipotético- dedutiva (LAWSON, 1994, 2000, 2002, 2003, 2004, 2005; LAWSON et al., 2000)21.

Segundo Lawson (2002), mesmo que haja diferentes métodos, sua pesquisa sugere que o raciocínio hipotético-dedutivo está em muitas, se não em todas as descobertas científicas. Por isso, ele ousou perguntar: “restaria-nos, então, apenas a ciência hipotético-dedutiva como único método de fazer ciência? Poderia o raciocínio hipotético-dedutivo estar no trabalho de todas as importantes descobertas científicas?” (LAWSON, 2002, p. 19 e 20, tradução minha22).

Para defender sua tese, o autor analisou investigações científicas históricas, fazendo uma escolha emblemática ao destacar Galileu Galilei (1564-1642) como a figura central desta pesquisa. Além de ser considerado um dos fundadores da ciência moderna, Galileu forma, ao lado de Nicolau Copérnico (1473-1543) e Isaac Newton (1642-1727), a tríade da grande virada entre o método aristotélico e o método empírico (CHASSOT, 1994).

Lawson (2002) baseou-se no relatório Mensageiro Sideral, de 1610, onde Galileu conta como o aperfeiçoamento do seu telescópio refrator o levou a descobrir as luas de Júpiter. Lawson considera o relatório notável pela riqueza de detalhes, incluindo as figuras apresentadas abaixo23, o que lhe permitiu fazer inferências a respeito de como Galileu pode ter pensado durante aquelas noites em que ficou observando três corpos celestes em torno de Júpiter. Os objetos chamaram sua atenção por serem diferentes das demais estrelas: eram mais brilhantes e formavam uma linha reta, afastados um dos outros em intervalos iguais.

Na primeira noite, 7 de janeiro, Galileu observou que duas estrelas estavam a leste de Júpiter e uma a oeste, na seguinte disposição:

Figura 01: Desenho de Galileu para suas observações na noite do dia 07/01/1610 (leste) ∗ ∗ O ∗ (oeste)

Fonte: Adaptado de Lawson (2002)

Na noite seguinte, 8 de janeiro, Galileu observou que a posição já era outra, todas as supostas estrelas estavam a oeste do planeta, como demonstrado a seguir:

21 Os trabalhos citados são os que consultei para esta dissertação, pois Lawson tem mais de 250

artigos publicados em áreas diversas da pesquisa cognitiva, educacional e o ensino de ciências.

22

[…] are we then left with hypothetico-deductive science as the only method of doing science? Could

hypothetico-deductive reasoning be at work in all important scientific discoveries?

23

Os asteriscos representam os corpos celestes identificados inicialmente por Galileu como estrelas e o círculo representa o planeta Júpiter.

Figura 02: Desenho de Galileu para suas observações na noite do dia 08/01/1610 (leste) O ∗ ∗ ∗ (oeste)

Fonte: Adaptado de Lawson (2002)

Sua primeira reação foi pensar que Júpiter pudesse ter se movimentado, em comportamento diferente do descrito pelos astrônomos. Sua curiosidade teve que ser contida na noite do dia 9 porque o céu estava coberto de nuvens. Analisando o relato, Lawson supõe que a expectativa de Galileu seria visualizar uma disposição em que Júpiter continuasse a se deslocar para o lado leste, caso o cálculo dos astrônomos estivesse errado a respeito de sua rotina de deslocamento. A observação poderia ter sido, então, registrada desta maneira:

Figura 03: Desenho de Lawson para o que Galileu possivelmente esperava visualizar na noite do dia 9 (leste) O ∗ ∗ ∗ (oeste)

Fonte: Adaptado de Lawson (2002)

Lawson admite que não dá para ter certeza de que foi exatamente isso que Galileu pensou, mas considerando a linha de raciocínio que ele vinha desenvolvendo, é possível pensar que sim.

Na noite do dia 10, porém, Galileu observou uma configuração que não coincidiu com a hipótese do erro dos astrônomos sobre o deslocamento de Júpiter. O que ele observou e o deixou mais intrigado foi a nova posição de Júpiter (agora a oeste) e só duas estrelas aparecendo, desta forma:

Figura 04: Desenho de Galileu para suas observações na noite do dia 10/01/1610 (leste) ∗ ∗ O (oeste)

Fonte: Adaptado de Lawson (2002)

Sua conclusão foi de que a terceira estrela estava sendo escondida pelo planeta. Galileu relata que a partir daí tinha certeza que não era Júpiter quem se movimentava, mas sim as estrelas. Na noite do dia 11 ele ficou ansioso para testar a sua hipótese e viu o seguinte:

Figura 05: Desenho de Galileu para suas observações na noite do dia 11/01/1610 (leste) ∗ ∗ O (oeste)

Lawson (2002) informa que Galileu conta no relatório que neste momento não teve mais dúvidas: assim como os planetas Vênus e Mercúrio giravam em torno do sol e a lua em torno da Terra, havia estrelas se movimentando ao redor de Júpiter. Ele continuou a observar nas noites seguintes e descobriu que na verdade eram quatro corpos celestes orbitando Júpiter.

Com base nesse relato detalhado e usando recursos linguísticos e da lógica, Lawson reproduziu as etapas do raciocínio que Galileu pode ter formulado durante essa descoberta (LAWSON, 2002, 2004). Três ciclos de raciocínio são demonstrados, a partir das três hipóteses provavelmente consideradas por Galileu, conforme apresentado a seguir24.

Ciclo 1: raciocínio considerando a hipótese das estrelas fixas:

Se... os três objetos luminosos e intrigantes que eu (Galileu) observei pela primeira vez perto de Júpiter são estrelas fixas (hipótese),

e... suas posições e brilho forem comparadas à de outras estrelas (teste imaginado), então... as variações na posição e brilho desses objetos devem ser aleatórias (resultado esperado).

Mas... os três objetos estão dispostos em uma linha reta e são mais brilhantes do que outras estrelas (resultado observado).

Portanto... a hipótese das estrelas fixas não é sustentada (conclusão).

Ciclo 2: raciocínio considerando a hipótese do erro dos astrônomos: Se... os astrônomos cometeram um erro (hipótese)

e... eu observo na noite seguinte (teste planejado),

Então... Júpiter deveria continuar se movendo a leste em relação à posição das estrelas e estes objetos deveriam aparecer assim: [mais afastados de Júpiter no sentido oeste] (resultado esperado).

24 O

s ciclos 1 e 3 foram reproduzidos do artigo “T. rex, the Crater of Doom and the Nature of Scientific

Discovery” – “T. rex, a Cratera do Extermínio, e a natureza da descoberta científica”, tradução minha

(LAWSON, 2004) –, onde o autor repete o raciocínio de Galileu de forma mais sintética. Optei por esta versão porque ele usa o adjetivo intrigante, fundamental no seu conceito de processo da descoberta científica, o que abordo no subcapítulo 2.3. O ciclo 2 é do artigo “What Does Galileo’s Discovery of Jupiter’s Moons Tell Us About the Process of Scientificfic Discovery?” – O que a

descoberta das luas de Júpiter de Galileu tem a nos dizer sobre o processo da descoberta científica? Tradução minha (LAWSON, 2002).

Mas... os objetos não apareceram desta forma, em vez disso eles aparecem assim: [dois a leste de Júpiter e o terceiro parece estar escondido atrás do planeta] (resultado observado).

Portanto... a hipótese do erro dos astrônomos não é sustentada (conclusão).

Ciclo 3: raciocínio considerando a hipótese das estrelas fixas:

Se... os três intrigantes objetos brilhosos são luas que orbitam Júpiter (hipótese) e... ao observar os objetos durante as noites seguintes (teste imaginado),

então... em algumas noites eles devem aparecer para o leste de Júpiter e em outras devem aparecer a oeste. Além disso, eles devem aparecer sempre ao longo de uma linha reta em ambos os lados de Júpiter (resultado esperado).

E... nas noites que se seguiram, foi precisamente assim que os objetos apareceram

No documento MOISÉS DAVID DAS NEVES (páginas 52-56)

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