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A FAMÍLIA GRECO-ROMANA A FAMÍLIA GRECO-ROMANA

NOÇÃO GERAL DE FAMÍLIANOÇÃO GERAL DE FAMÍLIA

2. A FAMÍLIA GRECO-ROMANA A FAMÍLIA GRECO-ROMANA

Indaga-se, no âmbito das especulações, se nos tempos pré- históricos a srcem do ser humano era familiar ou social, ou seja, a vida seria em grupo de pessoas ligadas por consanguinidade ou, a exemplo dos animais, se desenvolveria em grupos mais amplos. A resposta não é apresentada pela Etnologia, História ou qualquer outra ciência. A prevalecer a teoria da evolução, de Darwin, não há como se conjeturar a respeito, mas, a considerar o ser humano como se apresenta hoje, não podemos cogitar se não sobre a srcem familiar. 26 A complexidade da criação, notadamente em

seus primeiros anos, requer o desvelo e o amor que apenas a maternidade é capaz de proporcionar. É intuitivo que os elos tendem a se perpetuar. Na concepção monogâmica, os pais mantêm a sua prole no ambiente familiar devido à recíproca atração: o sentimento de sua parte e, basicamente, a dependência material e afetiva da prole. Na poligamia, a mãe desempenharia o papel centralizador da família.

Cogita-se, embora sem rigor científico, do matriarcado como sistema social primitivo, que existira após uma fase de promiscuidade social e antes do patriarcado. Em tal regime, o governo familiar teria sido exercido pela mulher. Por ela se registrava a descendência e a sucessão. A ideia prevalente entre os antropólogos e sociólogos, ao final do segundo milênio, era que o matriarcado como fenômeno social generalizado não chegou a se institucionalizar. Dentro do matriarcado teria havido tanto

a poliandria(vários homens para uma mulher) como

amonogamia, fase em que a mulher se unia apenas a um homem.

O fato de o homem ser guerreiro, caçador, deslocando-se no espaço como nômade, enquanto a mulher cuidava da sobrevivência dos filhos, cultivando a terra, muito contribuiu para a caracterização do pretendido tipo familiar.

O conceito de família evoluiu ao longo da história. Na antiga organização greco-romana, a união entre o homem e a mulher se fazia pelo casamento, e a família formava-se pelos descendentes

de um mesmo ancestral, que praticavam no lar o culto aos antepassados. Ao se casar, a mulher deixava a casa e os seus deuses e passava ao lar do marido, seguindo a sua religião, formada por deuses, hinos e orações. Desligava-se de sua família srcinal, para integrar a do marido, e os antepassados dele eram seus antepassados. O filho adotivo, incorporando-se ao novo lar, era recebido como um de seus membros. Os fundamentos da família não estavam na geração de filhos, nem no afeto; repousavam na religião do lar e no culto que se praticava. Também desta fonte advinham os poderes paterno e marital. A vida além da morte dependia da continuidade da espécie, que se dava pelo filho varão, e da celebração de homenagens póstumas. Os mortos eram sepultados em um mesmo túmulo, que ficava junto à porta principal da casa, para que os descendentes, em sua passagem, lhes dirigissem invocações. Admitia-se a cumplicidade entre os mortos e os vivos. Estes lhes garantiam a segunda vida e aqueles os protegiam contra as doenças e quaisquer outros males.27

A família patriarcal, na Grécia antiga, foi retratada por Platão e exaustivamente por Aristóteles, nada se acrescentando ulteriormente aos seus registros.28 De acordo com Sumner Maine,

os grupos familiares eram mais do que bárbaros. O governo se fazia pelo varão mais forte, que zelava por sua mulher ou mulheres e pelos demais membros da unidade familiar. George Cox retrata a família como o vínculo entrea fera e o seu antro.29

O patriarcado se caracteriza pela concentração exclusiva de poderes nas mãos do marido, tanto em relação à esposa quanto aos filhos. A pequena sociedade se apresenta, assim, hierarquizada e pode estar associada à poligamia ou à monogamia. Não só os costumes antigos revelavam a prática da poligamia (várias mulheres para um homem), como as instituições muçulmanas registram, ainda hoje, tal cultura, que encontra o seu apoio no Alcorão, que dispõe, na 4ª Surata, item

3:“Se temerdes ser injustos para com os órfãos, podereis

desposar duas, três ou quatro das que vos aprouver entre as mulheres. Mas, se temerdes não poder ser equitativos para com

Na lição de Charles Maynz, a palavra família, na Roma primitiva, era sinônima de patrimônio, conforme se encontra na Lei das Doze Tábuas. Ao falecer sem testamento, a família

( patrimônio) do sui iuris destinava-se aos descendentes do sexo

masculino. Posteriormente, o vocábulo passou a designar o conjunto de pessoas submetidas ao pai de família ou o vínculo existente entre aqueles que, por agnação, descendem de um mesmo tronco.

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Em Roma, no período histórico do principado, o jurisconsulto Ulpiano (170 a 228) expressava a noção de família da época: “Em sentido lato, chamamos família a todos os agnatos (parentes por linha masculina), pois, ainda que falecido o pai de família, cada um possui família própria; sem embargo todos os que estiverem sob a potestade de uma só pessoa serão com razão considerados

da mesma família, pois nasceram na mesma casa e linhagem.”32

A família romana, como a da Grécia antiga, foi patriarcal. O pequeno grupo social se reunia em função do pater , que era o único membro com personalidade, isto é, que era pessoa. Os demais componentes da família eramalieni juris33 e se submetiam

ao pater potestas. Oalieni juris gozava, porém, de direitos

políticos, sendo-lhe permitido assumir funções públicas, como a de cônsul e magistrado, além de votar e ser votado. Internamente, perante todos, o pater é sacerdote e magistrado.34 O patrimônio

familiar se concentrava em suas mãos. Os proveitos obtidos pelo trabalho dos escravos e de outros membros da família eram repassados ao pater. Em uma fase mais avançada, surgiu a figura

do peculium, que era um patrimônio especial entregue

pelo pater ao escravo, para que este obtivesse crédito. Tal patrimônio, todavia, continuava pertencendo ao pater , inclusive

os eventuais acréscimos obtidos por esforço do escravo.35

Quando falecia o pater , seus filhos varões adquiriam personalidade e passavam a constituir outras famílias, chamadas proprio jure, nas quais assumiam a condição de pater

familias. O conjunto destas famílias, compostas por descendentes

de um ancestral comum, criava a famíliacommuni jure, constituída por agnatos, ou seja, parentes por linha masculina. O parentesco materno não produzia efeitos jurídicos.

Com a morte do pater familias a tendência era a dissociação dos antigos membros da família, bem como a fragmentação do patrimônio. Para evitar tais consequências, às vezes se convencionava a formação de um consórcio, elegendo-se um chefe e continuando a vida em comum. Os agnatos, que integravam a famíliacommuni jure, participavam também de um amplo grupo, denominado gens, e seus membros se identificavam pelo nome – estão bem esclarecidas na história, mas sabe-se que seusnome gentílico. A noção e a importância da gens não integrantes descendiam de um antepassado comum e que, além de formarem uma família, possuíam função política.36

Como as relações de família se revelavam injustas na fase do patriarcado, por influência do cristianismo a autoridade

do pater foi perdendo substância progressivamente, até

desaparecer a sua superioridade em relação à esposa. Quanto aos filhos, estes deixaram a condiçãoalieni juris, adquirindo personalidade jurídica. O casamento era sempre monogâmico e gerava um estado perpétuo, sendo que a poligamia era punida. No antigo Direito Romano o matrimônio expressava a vontade

do pater e a solenidade de celebração era proporcional à riqueza

dos esposos. Já no período clássico, a celebração não dependia

do pater , mas dos próprios cônjuges.37

É evidente que a história da família não se iniciou em Roma, mas, como observa Sá Pereira, “Roma não é toda a Antiguidade, mas resume a Antiguidade. É o grande livro da história antiga

escrito em caracteres taquigráficos”.38 O conhecimento da família

romana é relevante para a nossa experiência, pois ali estão, com as alterações introduzidas pelo Direito Canônico e germânico, no Período Medieval, as srcens do Direito de Família pátrio. 39 Na

conclusão de W. Belime, os romanos,“cette race d’hommes

égoistes”, viram na família apenas a subdivisão política do

Estado.40

Na Idade Contemporânea, a característica da família, seu formato interno, variou em função do regime econômico da quadra histórica. Assim, na sociedade eminentemente agrária, em que o trabalho era desenvolvido pela célula familiar, a autoridade dos pais era preservada, bem como a convivência entre pais e

filhos e a própria unidade da família.41 À medida, porém, que se

efetiva a Revolução Industrial , ocorre a emigração para as cidades e verifica-se a desconcentração dos membros da família. Stolfi retrata o fenômeno: “ E quando o fenômeno da urbanização manifestou-se em toda sua amplitude, a família perdeu o seu

lugar, a sua unidade e até a sua disciplina.”42 Henri de Page

também analisa o fenômeno e conclui que a família moderna, em relação à antiga, apresenta coesão menos forte, porque não apresenta“unidade econômica”. A este fator associam-se outros, como o centro de entretenimentos, que se desloca do lar e se desenrola na sociedade.43

Até o advento da chamadarevolução sexual , que se processou a partir da segunda metade do século XX, prevaleceram

o puritanismo judaico e aditadura religiosa, sob a influência do

catolicismo, como expõe César Fiúza. Nesse tempo, de acordo com o eminente civilista, houve “o império absoluto da

hipocrisia”, uma vez que“o homem era instigado ao sexo,

enquanto a mulher era instigada ao puritanismo. A contradição é

óbvia...”. Tal situação induzia à prostituição e às práticas

homossexuais, ambas seriamente reprimidas.44 A revolução

sexual, instaurada a partir da pílula anticoncepcional e de outras importantes descobertas científicas, modificou o comportamento, sobretudo dos jovens, no campo da afetividade, advindo daí uma sociedade menos repressiva, mais liberal.

Paralelamente a tais mudanças, a partir da década de 1960 surgiram novos hábitos, que modificaram a convivência no lar. Os jovens passaram a dedicar mais tempo ao seu preparo intelectual, frequentando cursos de línguas e preparatórios diversos, além de academias de ginástica, sem contar as horas de lazer em clubes e barezinhos. O trabalho fora de casa, anteriormente atividade apenas dos homens, passou a ser exercido também pelas mulheres.45 Com isto, o tempo destinado à

convivência e ao diálogo entre os membros da família, além de diminuir, ficou comprometido pelas novas conquistas da tecnologia: a televisão e a rede de computadores. O desafio atual é o de melhor aproveitamento do tempo de convívio, isto é, o pleno exercício da solidariedade e da comunhão de interesses.

Em nosso país, especialmente por influência religiosa, vigorou, até à promulgação da Constituição Federal de 1988, um conceito de família centrado exclusivamente no casamento. O Código Civil de 1916 não considerava as uniões extraconjugais, nem os filhos nascidos fora do matrimônio. O reconhecimento de certos direitos da companheira e dos filhos denominados ilegítimos se processou no âmbito jurisprudencial e sob a pressão dos fatos sociais e da crítica doutrinária. É de se observar que a noção de família não é seguida uniformemente por nossas instituições jurídicas, como anota o eminente civilista Sílvio de Salvo Venosa, ao apontar o critério diferenciado do art. 11, inciso I, da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91). Esta admite como sucessores do locatário os que moravam no imóvel e apresentavam vínculo de dependência econômica com o falecido.46 Há quem entenda, como Arnoldo Medeiros da Fonseca,

que a nossa Lei Civil, por alguns de seus dispositivos, inclui as pessoas do serviço doméstico entre os membros da família, o que

é um equívoco patente.

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O art. 1.412, § 2º, do atual Códex, inclui, entre as necessidades da família do usuário, as das pessoas de seu serviço doméstico. Tal diretriz apenas dimensiona as necessidades que autorizam o usuário a perceber os frutos da coisa, sem qualquer outra implicação. Ora, como família é vínculo entre pessoas que se ligam pelo parentesco ou por comunhão de interesses vitais ou afetivos, conclui-se que os domésticos não foram incluídos por lei no seio da família. A simples comunidade doméstica, como anota Enneccerus, não caracteriza a entidade familiar, pois as pessoas que a compõem podem ser estranhas ao núcleo da família. De igual modo, é possível que alguém integre a família sem conviver sob o mesmo teto com os demais membros.48

3.