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CARACTERES DO CASAMENTO CARACTERES DO CASAMENTO

TEORIA GERAL DO CASAMENTOTEORIA GERAL DO CASAMENTO

18. CARACTERES DO CASAMENTO CARACTERES DO CASAMENTO

18.1. Co n s id er ações p r év ias

Características de um ato negocial é o conjunto de dados que o identificam. A análise há de ser em tal dimensão que distinga o ato de outras espécies. À luz desta compreensão, o tema em epígrafe pode ser desenvolvido em dois planos: considerando-se por casamento o ato criador da união ou o estado familiarinstituído. Sob a primeira acepção, destacamos os seguintes caracteres: ato dos nubentes; diversidade de sexos; ato civil; ato solene e público e união exclusiva. Entre os caracteres, Henri de Page inclui o princípio da laicidade do casamento.51 O eminente

civilista foi influenciado pelos antecedentes históricos do instituto, o qual era ligado à religião. Não nos parece que o princípio chegue a constituir uma característica do casamento, pois do contrário haveríamos de incluir o princípio da laicidade entre as características da totalidade dos institutos (p. ex., o princípio da laicidade do contrato de transporte).Considerado como estado familiar instituído e à vista da gama de deveres recíprocos, o casamento se caracteriza: pela comunhão de vida e criação da prole eventual. Neste segundo plano, tem-se

umdever ser , ou seja, um projeto a ser desenvolvido, a finalidade

justificadora do casamento. A inclusão ou não desta última entre os caracteres fica na dependência da definição que se propõe para o casamento. Se a finalidade ou causa final integra a definição, é forçoso que se a reconheça como característica. Entendemos que tanto é característica, que o não cumprimento das finalidades permite o desenlace matrimonial por iniciativa do consorte prejudicado. Maria Helena Diniz, Arnaldo Rizzardo e Carlos Alberto Bittar, entre outros, situam a comunhão de vida entre os caracteres do casamento.52

18.2. Ca racte res do casam ento -ato

18.2.1.

Ato do s nub ente s

À primeira vista é estranho que se assinale, como característica, a iniciativa dos nubentes na realização do matrimônio, pois tal fato se revela curial e intuitivo. Há uma

explicação histórica para tanto: é que, no passado distante, o pater

familias indicava o futuro cônjuge para os filhos, prática esta

inconcebível no atual nível da evolução social. O casamento há de ser o resultado da livre escolha de ambos interessados, cabendo aos pais apenas a autorização quando os filhos não alcançaram a idade núbil (art. 1.517, CC). A liberdade dos nubentes é considerada princípio irrenunciável, inerente aos direitos da personalidade.A manifestação de vontade emitida pelos nubentes é essencial, podendo ser formulada por mandatário devidamente constituído, pois tal fato não atenta contra o princípio da liberdade nupcial.53 Os autores divergem quanto ao momento em que o

matrimônio passa a existir: se desse consentimento ou a partir da declaração formal do celebrante, dando os nubentes por marido e mulher (v. o § 42.5).

18.2.2.

Diver sid ade de se xo s

De acordo com a lei brasileira, a diversidade dos sexos é obrigatória. Em alguns países, como Holanda, Bélgica, Espanha, Portugal e Argentina, o casamento entre homossexuais é juridicamente válido. Entre nós, a união sem diversidade de sexos configuraria o chamadonegócio jurídico inexistente.54 Corrente

minoritária do judiciário brasileiro, formada por decisões isoladas, reconhece a possibilidade jurídica de casamento entre pessoas de igual sexo, especialmente pela conversão da união homoafetiva, mas tal entendimento, todavia, não chega a constituir jurisprudência. O pseudo-hermafroditismo não é impedimento à realização do casamento, pois o defeito físico não compromete a relação quando os sexos puderem ser definidos. Ao abordar o tema, Stolfi declara:“Por isso um hermafrodita

andrógeno pode esposar um hermafrodita ginandro”.55 Quanto ao

transexual,56 entende a doutrina que a hipótese não será de

casamento inexistente, mas de negócio jurídico suscetível de anulação, se o ato civil realizou-se após a cirurgia e retificação do registro de nascimento, quando então se caracterizou a diversidade de sexos. A mudança do sexo e consequentemente do nome tem sido autorizada pelos tribunais.57

Embora na legislação pátria não haja qualquer norma permissiva de casamento homoafetivo, de modo surpreendente o Conselho Nacional de Justiça, pela Resolução nº 175, de julho de 2013, obrigou os cartórios à celebração de casamentos entre pessoas de igual sexo, bem como a conversão da união homoafetiva em casamento, quando houver requerimento neste sentido. Diversos tribunais do país reconheceram a legitimidade da Resolução e alguns deles têm promovido casamento coletivo entre pessoas de igual sexo.

18.2.3.

Ato civil

Com a separação entre o Estado e a Igreja, operou-se a secularização no matrimônio, anteriormente solenidade religiosa. O monopólio do casamento, exercido pela Igreja Católica, já não se justificava, especialmente diante da diversidade de seitas religiosas. A Constituição da República, secundada pelo Código Civil, admite, sim, efeitos jurídicos do casamento religioso, sem privilegiar alguma seita. Mesmo em tal hipótese o casamento é ato civil, pois não se dispensa o processo de habilitação e o registro civil é formalidade essencial (arts. 1.515 e 1.516, CC). Seria inconcebível que o Estado renunciasse, atualmente, à organização e ao controle do casamento, quando este produz numerosos efeitos jurídicos. Consoante a abordagem de D’Aguanno, “a confusão do elemento jurídico com o religioso é

própria das sociedades primitivas”, daí a conveniência de o

Estado regular o casamento civil, deixando ao alvedrio dos nubentes tornar a celebração mais solene, recorrendo a práticas complementares.58

18.2.4.

A to so lene e pú blic o

A mudança de um estado familiar para o de casado se faz mediante a prática de ato solene e público. No quadro geral dos fatos jurídicos o acontecimento fático do casamento se classifica

comonegócio jurídico, pois se realiza com a declaração de

vontade dos nubentes. O ato negocial é solene, pois impõe um rito, que culmina com a declaração do oficial do Registro Civil. Além de solene o ato deve ser público (non valent tamen

matrimonia clandestina), realizado em local acessível a quem queira opor impedimento. Antiga legislação portuguesa, como descreve Liz Teixeira, cominava as mais severas penas ao casamento declarado clandestino por sentença do Juízo Eclesiástico.59 Em contrapartida, o art. 54 do Código Civil

espanhol autoriza a celebração do matrimônio secreto pelo Ministro da Justiça, quando concorrer causa grave, devidamente provada. Neste caso, a tramitação dos papéis será reservada edispensados os proclamas. A oficialização do ato fica garantida pelo assento em livro especial do Registro Civil. Ressalva o art. 64 do Códex, que os direitos adquiridos de terceiros não serão prejudicados, desde a sua publicação no Registro Civil ordinário.

18.2.5.

Un ião ex c lu s iv a

Enquanto a generalidade dos atos negociais não impede aos seus agentes igual prática com outros parceiros, o casamento, conforme concebido no mundo ocidental, é relação monogâmica, que veda a concomitância de vínculos de igual natureza. De um lado, é um imperativo da família, que exige a concentração de seus membros e a convivência; de outro, o instinto individualista do ser humano, que rejeita a ideia da pessoa amada em outros vínculos matrimoniais.

Não obstante, em caso de separação de fato ou formalizada, é possível a um dos cônjuges constituir uma outra entidade familiar, mediante união estável. Embora a monogamia seja um princípio indissociado do casamento, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.126.173/MG, em 2013, levou em consideração a possibilidade concomitantes. Em igual sentido já se manifestaram outrosdeentidades familiares simultâneas e

Tribunais, sem que se possa, todavia, apontar a existência de jurisprudência a respeito.

18.3. Caracterí s tic as d o cas am ento -estad o ou fins do ca samento

18.3.1.

Co m u n h ão d e vid a ou

affectio affectio

maritalis

maritalis

O casamento estabelece uma comunidade de vida para o casal

– consortium omnis vitae. Esta é a finalidade do casamento, causa

final que deve integrar a sua definição e por isto mesmo constitui uma de suas características. Se o casal não logra alcançar o seu objetivo de comunhão de vida, o casamento se descaracteriza e disto pode resultar a dissolução do vínculo. A comunhão de vida implica a plena integração do casal, a efetivação da vida em comum, como o exercício da prática sexual, a convivência, a solidariedade, a assistência material, o esforço conjunto na condução da economia familiar. Maria Helena Diniz inclui

aunião permanente entre as características: “A ideia da plena

comunidade de vida – ensina Lehmann – exige que a durabilidade do casamento vá além das alterações das circunstâncias e independa da vontade das partes, em particular quando houver descendentes, cuja educação pode ficar

prejudicada em virtude da destruição do lar paterno...”.60 Arnaldo

Rizzardo segue igual orientação, ao situar a comunidade de vida entre os caracteres do casamento,61 enquanto Carlos Alberto Bittar

refere-se à“plenitude de comunhão de vida entre cônjuges”.62

A comunhão de vida não é apenas finalidade ou ideal do casamento. À vista do teor do art. 1.511 do Código Civil, é dever de ambos os cônjuges e constitui característica essencial do casamento, como se infere do respectivo texto: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de

direitos e deveres dos cônjuges.” A plenitude de vida que a união

pelo casamento estabelece está inscrita no Antigo Testamento (Gênesis 2, 5): “Hoc nunc os ex ossibus meis, et caro de carne mea; quamobrem relinquet homo patrem suum et matrem; et

adhae quebit uxori suae et erunt duo in carne una” (i. e., “Este é

o osso de meus ossos e a carne de minha carne: por isso, deixará o homem a seu pai e à sua mãe, e se unirá à sua mulher e serão dois em um só corpo”). A igualdade de direitos e deveres entre os

cônjuges adveio apenas na segunda metade do século XX.

ACarta Encíclica Casti Connubii, de Pio XI, ao final de 1930,

revela ainda um sentimento de superioridade do varão, quando se refere àordem do amor preconizada por Santo Agostinho:“Essa ordem implica, por um lado, a superioridade do marido sobre a mulher e os filhos, e por outro a pronta sujeição e obediência da mulher, não pela violência, mas como recomenda o Apóstolo nestas palavras: ‘Sujeitem-se as mulheres aos maridos como ao Senhor; porque o homem é cabeça da mulher, como Cristo é

cabeça da Igreja.’”63

18.3.2.

Cr iação d a p r o le ev en tu al

A composição teórica da família, além do casal, é integrada pelos filhos. Estes, todavia, não são da essência do casamento, pois nem sempre advêm na constância do vínculo, seja por questões biológicas (esterilidade ou idade avançada de qualquer dos cônjuges) ou por opção. Esta, como já se salientou, há de ser conjunta, para não frustrar as expectativas e o desejo do consorte. Abençoado o lar com o advento da prole, cumpre ao casal envidar esforços para a sua criação, que implica não somente a preservação de sua vida e saúde, como também a sua educação, instrução, encaminhamento para a vida, além de lhe proporcionar ambiente saudável. O descumprimento destes deveres, além de caracterizar um ilícito civil, capaz de levar à destituição do poder familiar (art. 1.638, CC), pode enquadrar-se no Código Penal, seja como crime de abandono material (art. 244), moral (art. 245) ou intelectual (art. 246).

19.

19.FINALIDADESFINALIDADES

A pessoa humana é um ser teleológico, que toma iniciativas visando sempre a alcançar determinados fins, que se afiguram como verdadeiros motores de suas ações. Do ponto de vista da lei, o casamento, fundado na comunhão de vida, se destina a organizar e a dar estabilidade à família, contribuindo destarte para o equilíbrio da sociedade. Quanto aos nubentes, os fins a que se propõem não são idênticos em todos os casais. Forçosamente deve haver um denominador comum nas aspirações: o propósito

de vida em comum e solidária. Alguns situam, como grande objetivo, o advento da prole e o empenho em seu processo criativo, educacional e cultural. A regularidade nas relações de sexo se afigura, na grande parte dos casais, entre as finalidades primordiais.

A doutrina classifica os fins do casamento

emindividuais e sociais. Pelos primeiros, o casal investe em si

próprio, incrementando a sua comunhão de vida e cuidando desua satisfação sexual. Pelos segundos, constituem a prole e zelam pelo seu crescimento físico, moral e intelectual.

Os projetos de vida em comum variam de acordo com as circunstâncias de cada casal. Dependem, por exemplo, das condições de saúde, patrimônio e idade dos consortes. O fato de um deles ou de ambos já possuírem filhos de experiência anterior pode influenciar ou não na pretensão de prole. O desejo, muitas vezes, de solidificar a união ou o sentimento de cristalizar o amor em um novo ser os impulsiona na formação da prole.

Perante o Direito Canônico, Códex de 1983, os fins do casamento são o consórcio de toda a vida e a geração e educação da prole (cân. 1.055, § 1º). Pelo cânon 1.013 do Código anterior (1917) havia uma hierarquia nos objetivos do casamento. O fim

primário consistia na procriação e educação dos filhos, enquanto

o fim secundário residia no mutuum aiutorium (assistência

recíproca) eremedium concupiscentiae(convívio sexual).64

As finalidades, ora em exame, não se confundem com os efeitos jurídicos do casamento. Estes independem da vontade dos consortes, pois sobrevêm da lei, como o parentesco por afinidade, o dever de fidelidade, o novo estado civil, a condição que os cônjuges assumem de herdeiros legítimos um do outro, a emancipação do nubente que já completou dezesseis anos e não atingiu a idade de dezoito, entre outros. Algumas das finalidades, como vimos, dependem diretamente da opção do casal.

20.