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A PROMESSA DE CASAMENTO A PROMESSA DE CASAMENTO – ESPONSAIS

TEORIA GERAL DO CASAMENTOTEORIA GERAL DO CASAMENTO

15. A PROMESSA DE CASAMENTO A PROMESSA DE CASAMENTO – ESPONSAIS

ESPONSAIS

15.1. Con ceito e finalidade

Sponsalia, conforme Florentino, “sunt mentio et repromissio

nuptiar um futurarum” (i. e., “Os esponsais são referência e

promessa de futuras núpcias”).

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Dado o grau de importância social e particular do casamento, o negócio jurídico que o institui é solene e exige a formal declaração de vontade, além da participação de representante do Estado. Antes da celebração do ato, é comum entre os pretendentes a cerimônia da promessa de casamento, fato social que se acha enraizado em nossos costumes. Por ele os pretendentes declaram a sua intenção, perante as famílias reunidas, de se casarem proximamente, sem a necessidade de definição de prazo ou data. É o noivado, juridicamente tratado poresponsais ( sponsalia), menos frequente

na atualidade do que no passado.

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Tal período se destina ao melhor conhecimento da personalidade do futuro consorte e à preparação das bodas. Acrescente-se que promessa pode existir, independentemente de tal cerimônia, traduzida por ações reveladoras da intenção de desposar alguém. Por não ser uma instituição jurídica, a celebração dos esponsais independe de qualquer requisito ou capacidade. Não se trata de fato jurídico, nem o acontecimento se encontra previsto em lei, embora não seja irrelevante sob o aspecto jurídico, como se aperceberá. Seria excessiva a declaração, segundo Planiol e Ripert, de “que o Dir eito tem as promessas de casamento por inexistentes”.

15.2. Esc o rço h is tórico

No Direito Romano, como etapa preliminar ao casamento, havia os esponsais, firmados diretamente pelos noivos ou pelo pater familias, sendo aqueles alieni iuris. Para o compromisso, exigia-se a idade mínima de sete anos à época de Justiniano, enquanto no Direito Clássico bastava o discernimento.16 Nesta fase, um dos noivos não podia desistir

unilateralmente da promessa para assumir um outro compromisso, sob pena de infâmia. No Direito Pós-Clássico, os esponsais

( sponsalia) se assemelharam ao casamento, enquanto na fase

anterior ambos se mantinham bem distintos. A infidelidade passou a caracterizar oadulterium e o noivo injuriado podia

valer-se daactio iniuriarum. Este e outros efeitos, segundo Schulz, foram acrescidos aos esponsais por influência das ideias orientais e cristãs.17

Previstos anteriormente nas Ordenações, os esponsais integravam aConsolidação das Leis Civis, elaborada por Teixeira de Freitas na metade do século XIX. O negócio jurídico formalizava-se mediante escritura pública, na qual os pais de ambos pretendentes deveriam comparecer, ainda que estes fossem maiores de vinte e um anos. Caso os pais se recusassem, a celebração podia ser realizada desde que satisfeito o ofício de obediência e respeito. Era lícita a previsão de multa, para a hipótese de injusto repúdio (art. 86). Na falta de estipulação, ao juiz cabia apreciar as perdas, mediante“prudente arbítrio”, considerando as circunstâncias do ato de desistência. Ou seja, o juiz decidia por equidade.

Posteriormente à celebração dos esponsais, a escritura era encaminhada ao juiz, em segredo de Justiça, que podia conceder ou denegar a licença (art. 83). Os autos eram queimados após seis meses da sentença. Na prática, segundo nota de Teixeira de Freitas, somente se usavam as escrituras quando os pretendentes firmavam pactos matrimoniais.18

Em seu Esboço, Teixeira da Freitas confirmou os esponsais, considerando-os na rubrica Dos Contratos de Casamento (arts. 1.237 a 1.253). Estes poderiam ser apenas esponsalícios ou ter por objeto, ainda, a instituição do regime de bens, doações entre os

esponsais de bens presentes ou futuros e quaisquer outros acordos não vedados em lei e não atentatórios aos costumes (art. 1.241). Cuidou o autor do Anteprojeto de discriminar, minudentemente, as cláusulas proibitivas. O art. 1.242 que trata da matéria é uma verdadeira demasia.

15.3. Efeito s p rátic o s d a pro m ess a

Tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002 não estabeleceram normas sobre os esponsais. A prática se insere apenas no âmbito dos costumes e tradições. O acordo firmado não tem o condão, por si só, de induzir à prática matrimonial. Esta há de resultar de uma livre manifestação da consciência, sem pressões ou constrangimentos que possam macular a pureza das declarações perante o celebrante. A promessa não é, assim, um ato negocial ou contrato preliminar.19 Por sua própria finalidade,

que é de instaurar, futuramente, uma comunhão de vida e de amor, não há como se atribuir aos esponsais igual efeito ao

do pactum de contrahendo, que gera obrigação de fazer, ou seja,

de emitir declaração de vontade em contrato definitivo. Como se impor ao esponsal a prática prometida se não subsiste o elo de afetividade e o desejo íntimo de se estabelecer um consórcio de vida?20 Diz o provérbio que“a amar e a rezar a ninguém se pode

obrigar”.Além do mais, como se observará da análise da natureza

jurídica do casamento, este não constitui contrato, entre outras razões, porque não apresenta conteúdo econômico, embora reúna também interesses patrimoniais. A figura sub examine não se enquadra, pois, na categoria dos contratos preliminares, regulados no conjunto dos arts. 462 a 466 da Lei Civil. Como oportunamente lembram Díez-Picazo e Gullón,“tampouco é lícito reforçar, direta ou indiretamente, a promessa mediante a estipulação de uma cláusula penal ou de qualquer outro tipo de

prestação para o caso de incumprimento”.21

Embora não constitua negócio jurídico, os fatos que gravitam em torno da promessa de casamento podem caracterizar ato ilícito e, como tal, ensejar ação de perdas e danos morais e materiais. Conforme as circunstâncias do rompimento do noivado, é possível que a hipótese reúna os elementos necessários à

caracterização do ilícito civil, à luz do disposto no art. 186 da Lei Civil: a) ação ou omissão do agente; b) dolo ou culpa na base da conduta; c) dano material ou moral sofrido por outrem; d) nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano a outrem. A responsabilidade considerada, para efeito de ressarcimento, é

a subjetiva, impondo-se o ônus da prova ao noivo preterido. A este

cumpre demonstrar: a) a existência dos esponsais; b) o rompimento da promessa pelo consorte; c) os danos sofridos. Isto feito, à parte adversa caberá, se for o caso, provar que a ruptura decorreu de motivo justo ou que o pretensor não sofreu danos morais ou materiais. Nas legislações que regulam o instituto e preveem indenização em caso de rompimento dos esponsais, havemos de concluir com Casati e Russo, para quem“trata-se de

obrigação ex lege, que encontra a sua fonte em razão da justiça e

da equidade”.22

Em dispositivo não reproduzido pelo atual Código Civil, o de 1916 previa uma hipótese semelhante, mas que não chegava a ser análoga à da promessa de casamento. Tratava-se do art. 1.548, inciso III, que determinava a indenização da mulher agravada em sua honra caso fosse“seduzida com promessas de

casamento”. De acordo com a doutrina, a disposição alcançava

tanto a mulher com menos de dezoito anos quanto a que atingisse a maioridade, pois o critério não era o do Código Penal.23 A causa

da indenização era o dano moral provocado pela sedução e não o rompimento de promessa de casamento, pois a noção desta não se confunde com“promessas de casamento”. Estas não passam de um engodo, de uma fantasia, tanto que a previsão legal não se inseria no Direito de Família, mas na esfera das Obrigações, enquanto que a promessa de casamento é compromisso bilateral e virtualmente se inclui naquele primeiro sub-ramo do Direito Civil.

Os repertórios de jurisprudência registram diversos casos levados à Justiça pelo esponsal rejeitado e com pleito de ressarcimento. Se a circunstância do desenlace revela que o desistente ludibriou o outro esponsal, fazendo-lhe juras de amor, enquanto se relacionava com terceira pessoa, ao mesmo tempo em que a pessoa enganada fazia e executava planos de interesse

comum, como a aquisição de móveis, enxoval, caracterizado resta o ilícito e o direito à indenização.24 O dano moral se patenteia

quando o rompimento se efetiva sem justa causa e em condições tais que impliquem vergonha e humilhação para o noivo preterido.

Há de haver precisão no critério de condenação do noivo desistente, tanto para a caracterização do ilícito quanto na fixação do valor a ser indenizado. Tal cuidado se impõe, pois a aplicação automática da obrigação de ressarcimento e a exasperação

doquantum podem forçar um dos noivos a cumprir a promessa

apenas pelo receio de vir a sofrer a condenação, quando se sabe que na base do casamento deve haver a declaração de vontade livre e espontânea do casal. Pothier revelou a sua preocupação quanto aos possíveis efeitos nocivos da fixação de elevadas arras, segundo Laurent.25

15.4. Di re ito Com para do

Algumas legislações optaram por acompanhar os costumes e fixar algumas regras sobre os esponsais. Enquanto oCode

Napoléon nada dispôs a respeito, o Código Civil alemão, de 1896,

fixou alguns parâmetros, no conjunto dos arts. 1.297 a 1.302. Após esclarecer que os esponsais (verlöbnis) não fazem obrigatório o casamento, nem o cumprimento de eventual cláusula penal, o BGB dispõe sobre o direito à indenização quando um noivo descumpre a promessa sem um motivo poderoso. O ressarcimento deverá ser feito ao noivo prejudicado, bem como aos seus pais ou a terceiro que, em lugar destes, efetuou as despesas. Igual obrigação terá o esponsal que, por sua conduta, der causa à desistência. Em caso de coabitação durante o noivado, o esponsal prejudicado poderá pleitear, também, indenização por dano moral, em valor equitativo e em espécie. Quanto às doações feitas em razão da promessa, ambos os noivos poderão exigir a restituição dos bens. As ações judiciais correspondentes prescrevem-se em dois anos.

Na esteira do BGB e seguindo seus princípios basilares, o Código Civil italiano tratou da matéria, ex vidos arts. 79 a 81. Após esclarecer que os esponsais não obrigam ao casamento, nem

ao cumprimento de eventual cláusula penal, o Códex permite o pedido de devolução das doações realizadas em razão da promessa, dentro no prazo decadencial de um ano, contado do dia em que se efetivar a recusa ao casamento. Desde que a promessa tenha sido feita por escritura pública ou particular, o noivo preterido poderá pleitear, no prazo de um ano da recusa dolosa ou culposa, o“risarcimento dei danni”. As despesas a serem indenizadas possuem por limite as condições das partes. Sujeita- se à obrigação não apenas quem rompe os esponsais, mas ainda quem dá motivo à desistência do outro noivo.

O Código Civil português de 1966, além de acompanhar em geral a orientação daqueles ordenamentos, acrescenta algumas regras, como a pertinente às restituições em caso de morte. O esponsal sobrevivo não é obrigado a entregar aos herdeiros do ex- noivo as doações dele recebidas, mas em compensação ficará impedido de reaver as que fizera. Quanto aos retratos e correspondência, a Lei Civil faculta ao ex-noivo conservar os que se acham em seu poder e a exigir os seus que estavam com o de

cujus. Relativamente ao direito de indenização, este caberá ao

noivo preterido sem justa causa, bem como aos seus pais ou a quem efetuou despesas visando à realização do casamento. Também é cabível o ressarcimento quando o casamento não se realiza por incapacidade de um dos noivos, havendo dolo de sua parte ou de seus pais. Oquantum da indenização deve ser

calculado com equidade, sendo de um ano o prazo decadencial para a propositura da ação correspondente. A promessa de

casamento encontra-se regulada entre os artigos 1.591 e 1.595. O Código Civil peruano de 1984 segue os princípios básicos daquelas três codificações, acrescentando que, não sendo possível a restituição das doações revogadas, a reposição se fará em espécie. O Código andino regula a matéria nos arts. 239 e 240.

O Código Canônico de Direito, de 1983, coloca-se acorde à boa doutrina e ao Direito Comparado, ao proclamar, no cânon 1.062, § 2º:“Da promessa de matrimônio não cabe ação para exigir a celebração do matrimônio, mas cabe ação para reparação dos danos, se for devida.”

16.