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A fenomenologia como método de acesso ao vivido

2) MÉTODO

2.1. A fenomenologia como método de acesso ao vivido

2.1.1. O advento da fenomenologia – uma breve explanação

No início da era moderna, em torno de 1583, Galileu rompe com a hegemonia da física vigente, criticando princípios de autoridade que embasavam a concepção aristotélica tradicional do método científico. A partir de suas descobertas e invenção de instrumentos de

medida, quatro fases distintas no método científico passaram a ser relacionadas: observação experimental, hipótese de trabalho, matematização e experimentação. Dessa maneira, o método experimental passou a ser considerado o método da ciência (Mariconda & Vasconcelos, 2006).

Segundo Chauí (2010), mais tarde Descartes, pensador da modernidade, vai buscar a valorização da razão e do sujeito. O filósofo almejava alcançar os fundamentos de uma ciência propriamente dita, e seu projeto consistia em dar continuidade àquele iniciado por Copérnico, Kepler e Galileu. Para tanto, considerou os seguintes pressupostos: a racionalidade é natural no homem, o erro consiste no uso equivocado da razão e o método é o caminho que garante o sucesso na obtenção do conhecimento.

Assim, iniciou um projeto de construção de ciência clara e evidente por um passo lógico que duvidava de todos os conhecimentos que não tivessem sido obtidos por via de um método rigoroso. Dessa forma, duvidava de tudo que é corporal a fim de alcançar a primeira certeza irredutível: “penso, logo existo”. Com isso, continuou a divisão em dois reinos, do espírito e da matéria, firmando as premissas para uma fundação rigorosa das ciências naturais no dualismo cartesiano. Descartes pressupõe que o avançar da ciência possibilitaria “livrar- nos de uma infinitude de moléstias, quer do espírito, quer do corpo, e talvez mesmo do enfraquecimento da velhice, se tivéssemos bastante conhecimento de suas causas e de todos os remédios que a natureza nos dotou” (1637/1978, p.64).

Segundo Leopoldo e Silva (1992), é no século XVIII, entre 1798 e 1857, que surge o movimento filosófico denominado positivismo, marcando o fim das preocupações com a teoria do conhecimento e surgindo, em seu lugar, a filosofia da ciência. Augusto Comte estruturou um método que permitia organizar a sociedade francesa de modo mais sistemático e racional, aplicando aos problemas humanos/sociais os métodos e princípios das ciências naturais. Importava nesse momento a resolução de problemas segundo os procedimentos

metodológicos da ciência. Comte considerou que os fundadores da filosofia positivista foram: os pré-socráticos, com a articulação da astronomia matemática e a constituição de leis imutáveis; Bacon, apontando para a necessidade da utilidade prática do saber; Galileu, reafirmando a importância da expressão matemática da natureza; Descartes, elaborando o método que bem conduz à verdade. Comte elaborou a partir daí o pensamento positivo também fundante da ciência moderna.

Leopoldo e Silva (1992) afirma que o positivismo surge em um momento de transformações sociais e econômicas, políticas e ideológicas, tecnológicas e científicas profundas, decorrentes da consolidação do capitalismo enquanto modo de produção, através da propagação das atividades industriais na Europa e em outras regiões do mundo. Em decorrência dessas transformações os avanços tecnocientíficos passaram a ser admitidos como a panaceia da humanidade.

Nesse momento, as ciências naturais e também as ciências humanas, como a psicologia, são inseridas na modernidade, pautadas no método de Descartes, no positivismo de Comte e nos parâmetros da técnica e objetividade, determinismos, certezas, previsibilidade e superação. O homem, dessa forma, se torna objeto a ser estudado de modo científico- natural, com propriedades e extensão passíveis de mensuração.

Nesse contexto, perdem espaço as subjetividades e intersubjetividades, tomadas aqui como o modo próprio pelo qual cada sujeito dá sentido ao mundo, à sua existência. Henry (1987/2012) aponta que a ciência moderna, a partir de Galileu, caracterizou-se pela separação entre a subjetividade e seus produtos. Refere, ainda, que a época atual, desde o advento da modernidade, tem sido caracterizada por um desenvolvimento sem precedente, por grandes avanços científicos e tecnológicos, porém, tem caminhado lado a lado com o desmoronamento da cultura. Para Henry, cultura é o cultivar da subjetividade consciente de si mesma.

Dessa maneira, um problema crucial surge quando o foco da pesquisa é o homem e suas vivências, posto que, ao aplicar o método científico-natural, as abstrações resultantes dessa pesquisa passam a ser consideradas em uma forma de determinismo universal.

Foi esse cenário que inquietou e fez com que Edmund Husserl (1859 - 1938) se mobilizasse. Assim, a fenomenologia surge como movimento filosófico no final do século XIX e no início do século XX, sendo Husserl considerado seu fundador.

Para Dartigues (2005), a derrocada dos grandes sistemas filosóficos tradicionais no final do século XIX, especialmente na Europa, marca a vida filosófica de Husserl pelo sentimento de uma crise de cultura. Em meio a essa crise, sobressai e predomina o pensamento científico submetido ao positivismo e ao conhecimento objetivo. No entanto, a segurança do pensamento positivista também passou a ser abalada, sendo questionados os fundamentos e o alcance de seus postulados, e também criticada a postura das ciências humanas quanto ao uso de métodos das ciências da natureza. Foi então, nesse contexto, que Husserl expôs suas primeiras obras.

Segundo Sacrini (2009b), o termo fenomenologia estava presente nas reflexões de vários autores da época, porém foi fixado de uma maneira inconfundível somente com Husserl, tornando-se o nome de um método e de uma doutrina em particular. A primeira vez que o termo aparece em sua obra é em Prolegômenos à lógica pura, publicado em 1900, em uma nota que diz: “entendo por fenomenologia uma doutrina pura eidética das experiências vividas” (Husserl, 1900, citado por Sacrini, 2009b, p.591).

A fenomenologia de Husserl veio interrogar os sistemas especulativos da filosofia e as teorias explicativas das ciências positivas, questionando se a ciência moderna poderia tornar a vida humana mais significativa, pois acreditava que o controle cada vez maior sobre a natureza era comprado ao preço de uma inteligibilidade cada vez menor. Husserl propôs então que o impulso de investigação devia partir das coisas e dos problemas, considerando como

ponto de partida do conhecimento ‘voltar às coisas mesmas’. Com isso, buscava um retorno ao ‘mundo da vida’ (Lebenswelt), tal qual aparece antes de alterações produzidas por sistemas filosóficos, teorias científicas e pré-conceitos; um retorno à experiência vivida.

Husserl buscava realizar uma profunda reflexão sobre a experiência vivida, que então permitiria alcançar a essência do conhecimento, ou ao modo como esse se constituía no próprio existir humano. Merleau-Ponty (1945/2006) refere que a fenomenologia “é uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua facticidade” (p.1), isto é, da sua própria existência concreta.

É importante apontar que Husserl não dirigia suas críticas ao caráter científico das ciências naturais, em seu procedimento metodológico rigoroso e fecundo, mas ao seu distanciar dos reais motivos de se fazer ciência. Questionava especialmente o modo como os procedimentos científicos eram utilizados para pensar a existência humana e seus significados. Segundo Critelli (1996), enquanto caminho epistemológico, a fenomenologia não é uma oposição à metafísica, mas sim a busca por tornar acessível aquilo que através da metafísica se manteve em ocultamento para o pensar, se manteve no esquecimento. É nesse sentido que Husserl chama o pensar para que ‘se volte às coisas mesmas’.

Lyotard (1967) afirma que “a fenomenologia começou por ser e continua sendo uma meditação acerca do conhecimento, um conhecimento do conhecimento; e o célebre pôr entre parênteses consiste, em primeiro lugar, em dispensar uma cultura, uma história, em refazer todo o saber elevando-se a um não saber radical” (p.9, grifo do autor).

Assim, a fenomenologia surge como uma ruptura epistemológica nas filosofias e nas ciências vigentes. Husserl explicita em Ideias I (1913/2006) que:

O que, com efeito, torna tão extraordinariamente difícil a assimilação da essência da fenomenologia, a compreensão do sentido peculiar de sua problemática e de sua relação com todas as outras ciências é que é necessária uma nova maneira de se orientar, inteiramente diferente da orientação natural na experiência e no pensar. [...]

Colocar fora de circuito todos os atuais hábitos de pensar, reconhecer e pôr abaixo as barreiras espirituais com que eles restringem o horizonte de nosso pensar, e então apreender, em plena liberdade de pensamento, os autênticos problemas filosóficos, que deverão ser postos de maneira inteiramente nova e que somente se nos tornarão acessíveis num horizonte totalmente desobstruído – são exigências duras. (p.27, grifos do autor)

Quando Husserl descrevia as exigências duras, certamente se referia ao quão difícil também era para si próprio, pois buscou incessantemente durante toda uma vida uma ciência rigorosa, manifestando um anseio constante em reaprender a ver, a desvelar este mundo vivido/significado, mundo onde estamos, mundo que criamos, solo de nossos encontros com o outro, onde se descortinam nossas histórias. E, devido a essa busca, Husserl não chegou a elaborar um sistema filosófico completo, pois revelou estar sempre revendo e recomeçando esse empreendimento, até o final de sua vida. A esse respeito Forghieri (2003) refere que Husserl pensou a fenomenologia até seus últimos momentos de vida e relata: “Aquiles Von Zuben, durante a arguição do meu trabalho de livre-docência, informou-nos que Husserl, mesmo nos instantes que antecederam a sua morte, referindo-se à sua obra, disse: “Eu precisaria começar tudo novamente” (p.21).

Esse fato pode ser observado em referências que faz em algumas de suas obras, como sua afirmação feita em sua aula inaugural, em 1917, em Freiburg (citado por Moreira, 2002): “Uma nova ciência fundamental desenvolveu-se dentro da filosofia. Esta é uma ciência de um tipo inteiramente novo: sem fim” (p.62).

Husserl afirmou ainda no epílogo de Ideias I (1986/1913, citado por Forghieri, 2003): Se por um lado o autor precisou praticamente rebaixar o ideal de suas aspirações filosóficas ao de um simples principiante, por outro lado chegou, com a idade, a plena certeza de poder chamar-se um efetivo principiante. [...] Vê estendida diante de si a terra infinitamente aberta da verdadeira filosofia, a terra prometida que ele mesmo já não verá plenamente cultivada. (p. 20, grifo do autor)

Merleau-Ponty (1945/2006) refere que o “inacabamento da fenomenologia e seu andar incoativo não são o signo de um fracasso” (p.20), mas antes um incessante recomeçar da

tarefa filosófica que recusa toda cristalização da obra em sistema acabado e fechado. Merleau- Ponty via nesse inacabamento não um sinal de fracasso, de indefinição, mas sim a inevitabilidade do encerramento de sua tarefa, a saber: “revelar o mistério do mundo e o mistério da razão" (p.20). O filósofo afirma ainda que a fenomenologia husserliana iniciou um importante e fértil movimento, que “se deixa praticar e reconhecer como maneira ou como estilo; ela existe como movimento antes de ter chegado a uma inteira consciência filosófica. Ela está a caminho desde muito tempo; seus discípulos a reencontram em todas as partes” (p.2).

2.1.2. Voltar ao mundo da vida

Husserl (1936/2012) afirma que o mundo da vida foi substituído, desde Galileu, pelo “mundo matematicamente subtraído das idealidades” (p.38), e que, assim, excluindo as propriedades práticas, culturais do mundo da vida cotidiano, o mundo da ciência passa a ser um mundo vazio dos sentidos.

Para Husserl o mundo da vida é o mundo cotidiano em que vivemos, agimos, fazemos projetos, entre outros; ao mesmo tempo, é o mundo da ciência, é o fundamento do qual se constituem todos os conceitos e juízos. E a ciência, mesmo se a sua linguagem em nada se assemelha a do mundo da vida, ela fala deste mundo, do mundo das experiências vivas no qual nasceu. O mundo da vida diz respeito, portanto, a uma vivência pré-reflexiva, anterior às mais abstratas e sofisticadas formulações teóricas, que partem todas dessa vivência (Dartigues, 2005).

Assim, para Husserl, voltar às coisas mesmas é voltar para este mundo prévio a todo conhecimento. Refere que é preciso retornar ao mundo da vida, ao mundo vivido/significado, para compreensão dos fenômenos humanos em sua essência.

2.1.3. Fenômeno e essência

O termo fenomenologia é originário de duas palavras de raiz grega: phainomenon e logos, que significam ‘aquilo que se mostra a partir de si mesmo’ e ‘explicação/estudo’, respectivamente. Desse modo, etimologicamente, fenomenologia é o estudo do fenômeno, sendo que por fenômeno compreende-se o que se manifesta ou se revela por si mesmo (Dartigues, 2005).

Segundo Moustakas (1994), “os fenômenos são os blocos básicos da ciência humana e a base para todo o conhecimento” (p.26).

Porém, o que é o fenômeno na fenomenologia? Nas palavras de Husserl (1917, citado por Moreira, 2002):

O conceito de fenômeno inclui todas as formas pelas quais as coisas são dadas à consciência. Inclui todo o domínio da consciência com todas as formas de estar consciente de algo e todos os constituintes que podem ser imanentemente mostrados como pertencentes a eles. Que o conceito inclua todas as formas de estar consciente de algo quer dizer que ele inclui também qualquer espécie de sentimento, desejo e vontade, com seu comportamento imanente. (p.64)

Assim, a noção de fenômeno do ponto de vista fenomenológico não diz respeito ao objeto de uma experiência, nem à consciência de uma experiência, mas corresponde à vivência intencional em que o objeto é dado à consciência.

O fenômeno, desse forma, é a vivência intencional na qual algo surge à consciência, o que não quer dizer que seja mera representação de algo, mas possui natureza própria, pois todo fenômeno tem um sentido, que está contido em sua essência, e que não se reduz ao fato. Por isso a fenomenologia pretende ser ciência das essências e não dos fatos (Zilles, 2008).

Husserl afirma que a orientação fenomenológica não se dirige às coisas, como nas ciências naturais, mas aos fenômenos, dotados de sentido. E, sublinhando tal diferença, Husserl (1913/2006) explicita:

A árvore pura e simples, a coisa na natureza, é tudo menos esse percebido de árvore como tal, que, como sentido perceptivo, pertence inseparavelmente à percepção. A árvore pura e simples pode pegar fogo, pode ser dissolvida em seus elementos químicos, mas o sentido – o sentido desta percepção, que é algo necessariamente inerente à essência dela – não pode pegar fogo, não possui elementos químicos, nem forças, nem qualidades reais. Tudo o que é peculiar ao vivido está separado de toda natureza e de toda física por abismos, e mesmo essa imagem, por ser naturalista, não é forte o bastante para indicar a diferença. (p.206)

Husserl (1913/2006) aponta que as vivências da consciência, ou seja, os fenômenos são dotados de sentido, e que esses sentidos são inerentes à sua essência. E é desse modo que a fenomenologia propõe-se a ser uma "ciência descritiva das essências das vivências" (p. 166).

Nessa direção, Dartigues (2005) afirma que a tarefa da fenomenologia é, pois, elucidar o “puro reino das essências” (p.20). Destaca que a essência de um fenômeno é sua parcela invariável, ou seja, aquilo sem o que o próprio fenômeno não pode ser pensado, representando, assim, a unidade básica de entendimento comum de qualquer fenômeno.

Merleau-Ponty (1945/2006) afirma que:

A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. [...] É a ambição de uma filosofia que seja uma “ciência exata”, mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo vividos. É a tentativa de uma descrição direta da nossa experiência tal como ela é, e sem nenhuma deferência à sua gênese psicológica e às explicações causais que o cientista, o historiador, o sociólogo dela possam fornecer. (pp. 1,2, grifo do autor)

2.1.4. Intencionalidade

É importante observar que o fenômeno não se identifica com uma realidade exterior, objetal, nem com o interior da consciência, com um subjetivismo. A fenomenologia surge na busca por romper essa dicotomia. Para compreender a busca por tal rompimento é importante

destacar a noção de intencionalidade da consciência, uma das questões centrais da fenomenologia de Husserl.

A consciência é caracterizada pela intencionalidade porque é sempre consciência de alguma coisa. Husserl (1913/2006) afirma que “toda consciência é consciência de algo” (p.90).

A palavra latina intêndere quer dizer ato de tender, pender, dirigir-se para. Husserl devolve a unidade do conhecimento ao afirmar, por meio de seu princípio de intencionalidade que a consciência é sempre consciência de alguma coisa, que ela só é consciência estando dirigida para um objeto. Por sua vez, todo objeto só pode ser captado, compreendido em sua relação com a consciência, ou seja, ele é sempre um objeto para uma consciência. Consciência-objeto estão sempre ligados por meio de ‘atos intencionais da consciência’. Isto não quer dizer que o objeto esteja contido na consciência, mas que ele só tem sentido de objeto para uma consciência. Dartigues (2005) aponta que:

Se o objeto é, portanto, sempre um objeto-para-uma-consciência, ele jamais será objeto em si, mas objeto-percebido, objeto-pensado, amado, desprezado, imaginado, odiado, etc. [...] Consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades separadas na natureza que, em um dado momento, colocar-se-iam em relação, mas consciência e objeto se definem respectivamente a partir dessa correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original. Se consciência é sempre “consciência de alguma coisa”, é inconcebível que possamos sair dessa correlação, já que fora dela não haveria nem consciência, nem objeto. (p.23)

Dessa forma, consciência-objeto/coisas estão sempre em correlação e, nessa correlação a consciência não é uma substância, não é coisa, mas aquilo que dá sentido às coisas. É a consciência intencional que faz o mundo aparecer como fenômeno, como significação. Husserl (1913/2006) diz que:

Todo vivido intencional possui – é justamente isso que constitui o ponto fundamental da intencionalidade – seu objeto intencional, isto é, seu sentido objetivo. Tão-somente noutras palavras: ter sentido ou estar com o sentido voltado para é o caráter fundamental de toda consciência, que, por isso, não é apenas vivido, mas também vivido que tem sentido. (pp. 206,207, grifos do autor)

Assim, é possível dizer que a intencionalidade é o ato de atribuir um sentido. Essa é a diferença entre um fato e um fenômeno, por exemplo: fato – os pais daquela criança se separaram; fenômeno – o que isso significa para ela. O fenômeno se dá nessa correlação consciência-objeto.

Dartigues (2005) afirma que assim se encontra circunscrita, então, a tarefa da análise fenomenológica: elucidar a essência dessa correlação, na qual não somente aparece tal ou qual objeto, mas todos os atos intencionais da consciência, os sentidos que são atribuídos ao mundo, não o mundo em si, mas o mundo co-originário da consciência.

Segundo Giorgi e Sousa (2010), “a teoria da intencionalidade tem repercussões diversas na redefinição de um novo objeto de estudo: o sentido dos atos intencionais da consciência.” (p. 16).

2.1.5. Compreensão

E é restaurando a intencionalidade como propriedade fundamental da consciência que a fenomenologia poderá perceber os fenômenos humanos em seu teor vivido, ou seja, compreendê-los diferentemente de explicá-los, pois só é possível falarmos de compreensão quando o fenômeno a compreender é animado por uma intenção (Dartigues, 2005).

Essa é uma das críticas que Husserl faz às ciências humanas, especialmente à psicologia, de ter se utilizado do método das ciências naturais sem atentar-se para o fato de que seu objeto de estudo tem características totalmente diferentes. Tal crítica já se encontra em Dilthey (1894/2011), que afirma que explicamos a natureza e compreendemos a vida humana, ou seja, a natureza só é acessível indiretamente, a partir de explicações sobre fatos e elementos, mas que a vida psíquica é uma totalidade da qual podemos ter compreensão

intuitiva e imediata; considera que o sentimento de viver é o solo verdadeiro das ciências humanas e o método compreensivo, o único adequado ao seu estudo.

Na perspectiva fenomenológica, entende-se compreensão como uma coapreensão ou apreensão-com, que remete à tentativa de uma apreensão da totalidade do fenômeno, ou seja, da experiência vivida em seus significados (Holanda, 2011).

Segundo Dartigues (2005), compreender é algo específico do mundo humano, da relação intersubjetiva. Assim, compreender um ato humano é percebê-lo a partir do ponto de vista da intenção que o anima. Logo, naquilo que o torna propriamente humano e o distingue de um dado físico qualquer.

Assim, se o sistema objetivo de ideias, no qual o homem é pensado, deixa perder a sua dimensão humana e o transforma em um dado puramente físico, natural, esse sistema impede de compreender o homem, no sentido de intuir o seu caráter propriamente humano. Portanto, é através da compreensão que se pode verdadeiramente intuir o teor vivencial dos fenômenos humanos.

2.1.6. Método e reduções fenomenológicas

Mas, como seria possível compreender um fenômeno humano em termos essenciais? Para tanto Husserl cria o método fenomenológico, que tem como fundamento a redução fenomenológica.

Merleau-Ponty (1945/2006) se une à maioria dos intérpretes de Husserl que veem nesse conceito um dos pontos críticos da fenomenologia e, talvez, um dos mais difíceis, observando a respeito da redução fenomenológica que:

Sem dúvida, não existe questão em relação a qual Husserl tenha despendido