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3) COMPREENSÃO DAS ENTREVISTAS: desvelando significados

3.2. Descrição das constituintes essenciais

Foram doze as constituintes essenciais que se destacaram após realização de todo processo de compreensão dos depoimentos. São estas as constituintes que compõem a estrutura geral final da vivência em estudo. Estão sublinhadas na descrição da estrutura geral acima e apresentadas em tópicos abaixo:

CONSTITUINTES ESSENCIAIS  Vivência de sofrimento

 Impactos na vida do cuidador

 Busca incansável pela amenização da dor  Sobrecarga e esgotamento

 Forte aproximação  Relação com os médicos

 Compreensão da morte iminente  Prolongar ou não a vida?

 Dor aguda após a perda definitiva  Presença na ausência

 Dúvidas e/ou incompreensões quanto à normalidade  Ressignificações

2 Utilizo aqui o termo “normal” como foi utilizado pelos colaboradores, ou seja, o que está dentro dos padrões da

medicina. Portanto, significa “o que está dentro da norma, do padrão, do tipo específico estatisticamente definido” pela medicina tradicional.

Embora comuns a todos os participantes, as constituintes essenciais podem ser vividas de diferentes modos por cada colaborador – diferenças denominadas variações empíricas – mas sem perderem, ainda assim, a característica de serem componentes essenciais na estrutura do fenômeno em questão.

Descrevo a seguir cada constituinte essencial de modo mais aprofundado, exemplificando com citações diretas de cada participante.

Após a descrição das constituinte, apresento uma tabela com pequenos trechos de citações diretas a fim de exemplificar com maior clareza as variações empíricas contidas em cada componente essencial da vivência dos familiares cuidadores de seus entes queridos em processo de fim de vida e morte.

1) Vivência de sofrimento

Nas narrativas de todos os participantes, a questão da dor e do sofrimento ocupou papel central. Essa temática perpassou todas as constituintes essenciais encontradas e que compuseram a estrutura geral da vivência do familiar cuidador principal durante e após acompanhar/cuidar de seu ente querido em seu processo de fim de vida e morte. P2, P3 e P5 contaram a respeito de seu sofrimento nos trechos destacados abaixo:

“Todo esse processo foi muito difícil e a separação foi mais difícil ainda... [se emociona], principalmente depois que ele se foi eu senti muito a falta dele, muito...” (P2)

“Esse período todo foi muito triste, muito triste mesmo, muito dolorido. Principalmente por todo o sentimento que a gente tinha entre a gente, doeu, dói muito tudo isso... [...] esse processo, quando você está muito próximo do jeito que eu fiquei, ele acaba com os dois. Era muito dolorido, muito mesmo. Eu ficava com uma angústia o tempo inteiro.” (P3)

“Eu sinto muito de não ter a companhia dela, isso é o que hoje em dia mais me machuca, dói muito. Me machuca também saber que ela sofreu tanto, eu sofria junto

com ela, e hoje me machuca lembrar de tanto sofrimento. Foi muito difícil enfrentar essa doença, uma doença que vai levando a pessoa aos poucos, que vai levando embora aos pouquinhos. E acho que maltrata demais saber que não tem mais solução, por não ter mais esperança...” (P5)

O sofrimento relatado foi vivenciado pelos familiares de modo específico, alguns têm vontade de chorar, outros não; alguns passam a ter dificuldades na alimentação e sono, outros não; mas, de algum modo, são expressões do sofrimento vivido. Outro aspecto importante é que, mesmo uma maior compreensão e aceitação da possibilidade próxima da morte de seu ente querido, não excluiu o sofrimento durante todo o processo e após a perda definitiva. É possível observar esses dois aspectos no relato de P1:

“Eu tinha essa consciência que ela ia. É por isso que na morte, no velório e no enterro eu não chorei, mas eu chorei muito antes, muito, muito... Sabe quando parece que antecipando toda essa situação, a perda? [...] por isso acho que eu chorei muito antes da morte, muito, depois... depois eu acho que eu já nem tinha mais vontade de chorar. [...] A minha consciência é de que não somos eternos, só que a doença, do jeito que foi evoluindo, judiou, maltratou muito ela... tanto ela, como a gente, que convivia do lado dela. Então foi muito triste, muito sofrido. [...] Depois que ela faleceu eu passei por uma fase de depressão grande, mas sem chorar, mas aí eu descontava na comida.” (P1)

Para os familiares, o sofrimento teve relação com a forte dor da despedida da pessoa amada, que está com uma doença em estágio avançado e que pode vir a falecer a qualquer momento nesse processo. Mas, esse sofrimento também se relacionou a inúmeros outros fatores, que o maximizam ainda mais, tais como: a ruptura abrupta no ritmo de vida que existia anteriormente, sem tempo de preparação; o isolamento social em decorrência das limitações que a doença do familiar impôs; as intensas dores físico-emocionais e a degeneração gradual das funções orgânicas do ente querido, sentidas também pelos cuidadores, certamente que de outras maneiras; a sobrecarga físico-emocional por tempo prolongado; as relações com os médicos e hospitais, especialmente quando houve dificuldades; as difíceis decisões que precisaram ser tomadas a cada momento em que a morte ia se aproximando; a grande dor e a saudade após a perda definitiva.

O sofrimento atravessou todos esses aspectos destacados, agravou e foi agravado por todos de modo dialético. As constituintes essenciais assinaladas se deram na dor e também a geraram; dor já própria da situação, que deixou esses eventos cada vez mais pesados e difíceis de serem vivenciados.

Dessa forma, uma sobrecarga físico-emocional poderia ser vivenciada de outro modo em um diferente contexto, porém na vivência em foco, em que os sofrimentos se somaram e se agravaram, essa sobrecarga foi aumentada e se tornou bastante dolorida e difícil de ser contornada, conforme relatou P4:

“Eu não sei se eu tive depressão no processo da L., ou síndrome do pânico. Eu acho que até posso ter tido alguma coisa nesse sentido, mas não dava tempo pra parar e ver se eu tinha ou não tinha. E se eu parasse pra olhar pra mim eu me entregaria. Se eu tinha vontade de olhar pra cara da L. e chorar? Nossa, eu falava: “L., eu vou comprar um refrigerante pra mim e já volto”, então eu saía e me matava de chorar naquela pracinha do hospital. Não foi nada fácil pra mim, eu não sou um super-homem, eu tinha meus momentos de fraqueza, mas eu fazia escondido, porque ela me via como um alicerce pra ela. Não dava tempo de ficar mal, de ficar de cama, nem de dormir dava tempo. [...] mas por mais que eu estivesse uma fortaleza, mas o meu corpo já não tava uma fortaleza [...] Então, são coisas que afetaram o meu corpo, afetaram a minha cabeça. Nossa, quando ela foi eu percebi que eu tava com muita dor no corpo, muita dor em partes do corpo, que eu fiquei com medo também de me dar alguma coisa... tava chegando no meu limite.” (P4)

2) Impactos na vida do cuidador

Inúmeros impactos foram vivenciados pelo familiar cuidador após tomarem ciência do prognóstico da grave doença de seu ente querido. Para o cuidador, outros relacionamentos (família e/ou amigos), trabalho, lazer, a própria saúde, entre outros, tudo passou a ter menor valor ao lado da possibilidade e proximidade da morte do familiar acometido, portanto todo o restante acabou por ser negligenciado, ou mesmo abandonado, para passar a cuidar integralmente de seu ente querido. Porém, tal decisão não foi tomada e assumida sem dificuldades e dor, o que fica claro nos depoimentos de P1 e P6.

“Eu fiquei um bom período que eu às vezes até saía de lá, deixava a minha mãe com enfermeira, ia para o trabalho, fazia alguma coisa, voltava, sabe? Uma loucura de vida. Mas, eu fui levando o trabalho, tudo, como eu pude, não dava, minha mãe era mais importante, né?” (P1)

“Eu engravidei da S., mas a minha vida era a mesma, continuei cuidando do R. Quando ela nasceu foi difícil. Minha mãe me ajudou muito, a primeira palavrinha foi com a minha mãe. Eu vi muito pouco delas. [...] Na verdade quem criou elas foi a minha mãe e o meu marido... Só que isso eu nunca vi, eu vim perceber isso quando elas foram ficando adultas. E hoje eu sei porque minha relação com elas é tão difícil....” (P6)

Dessa forma, assim que a morte se anunciou, foi possível perceber que se impôs e sobrepôs a todas e quaisquer atividades, relações, planos, entre outros, do familiar cuidador, gerando rupturas bruscas em suas vidas, que podem ser observadas nos trechos extraídos dos relatos de P2, P4 e P5 abaixo:

“Sacrifiquei um pouco o meu casamento por causa disso, porque daí eu não acompanhava a minha esposa em nada... até que ela pediu a separação... [...] mas eu não deixei o meu pai. Ele tinha pouco tempo, claro que eu até poderia ir antes, nós sempre estamos sujeitos a isso, mas eu não poderia deixar ele sozinho.” (P2)

“Então eu não negociava isso, eu dormia todo dia no hospital, vinha pra casa, tentava fazer alguma coisa... joguei o trabalho e tudo pro alto, eu dormia todo dia no hospital.” (P4)

“Pedi minhas contas lá, fiquei pouco tempo nesse outro emprego, decidi cuidar dela mesmo. [...] Só no final de semana, de sábado pra domingo, que a minha mãe dormia aqui no sofá, mas todos os outros dias era eu, era 24 horas cuidando, do lado da minha tia.” (P5)

3) Busca incansável pela amenização da dor

Os familiares decidiram por estar ao lado de seus amados enfermos e, por já não haver outra forma de tratamentos em direção a uma cura, entregaram-se a buscar incansavelmente a amenização de sua dor, o aumento de seu bem-estar, de alguma maneira, como relatou P1:

“[...] se ela queria batata, lanche... tudo o que ela quisesse... e mesmo durante a internação dela, tudo o que ela pedia eu levava escondido e ela comia. [...] A nutricionista entrou, deu bronca, e eu não quis saber, continuei fazendo. [...] ela nunca tinha andado de avião, mas ela via na televisão o aeroporto de M., o chão

quadriculado ali onde você faz o check-in. Levei ela lá para conhecer o chão quadriculado do aeroporto. [...] Eu sempre tentava tirar ela um pouco de dentro de casa, porque parecia que a ajudava. [...] Tudo o que eu achei que poderia ter feito de melhor pra ela eu fiz. Tudo, tudo o que eu podia para fazer para... sabe? Tirar do pensamento dela isso... aquela degradação que ela estava passando eu ia atrás, eu fazia, tudo.” (P1)

Alguns dos participantes relataram essa busca de modo incansável, sem relaxar praticamente em nenhum momento das 24 horas, buscando outras alternativas de cuidar, dar carinho e assim amenizar a dor. Quando os familiares conseguiam perceber que seus cuidados haviam auxiliado na minimização da dor do ente querido, isso também lhes ajudava a minimizar seu próprio sofrimento frente à difícil situação, conforme contou P5:

“Maltrata demais saber que não tem mais solução, não ter mais esperança... o que eu me agarrava na verdade era fazer ela se sentir bem, fazia tudo pra isso. [...] a qualquer momento que ela precisasse eu tava lá, presente, mesmo de madrugada, sempre. Uma vez ela tava tão inquieta pra dormir, e ela virava de um lado pro outro, e sentia dor, enjoo. Aí eu falei: “tia, eu vou fazer uma massagem em você bem relaxante e vou te dar uma dipirona que dá um pouco de sono”, aí eu fiz uma massagem bem gostosa, nas costas, nos pés, eu tentei passar alguma energia ali, e aí ela dormiu muito bem nesse dia, nossa, aí eu me senti muito bem com isso. Era uma dedicação, sabe? [...] Só no final de semana, de sábado pra domingo, que a minha mãe dormia aqui no sofá, mas todos os outros dias era eu, era 24 horas.” (P5)

Nesse movimento de busca, muitas vezes o cuidador encontrou barreiras, que acrescentaram ainda mais estresse e sofrimento à difícil situação que estava sendo vivenciada. Barreiras como:

Contração de dívidas financeiras, conforme os relatos de P3 e P4:

“Esse hospital é o seguinte: não tem pronto socorro, ele tem um centro de triagem. Você chega lá para passar pela triagem não tem fila nem nada. Vem um médico e uma enfermeira. Só que o cheque já tá lá, né? 10, 12 mil já tá lá. Sem o cheque você não entra pra fazer triagem. [...] E realmente começou, falavam: “precisa fazer isso, fazer aquilo, pode deixar que eu vou te dar uns descontos”. E era dinheiro, e mais dinheiro. Até aí era o de menos porque na época a gente não estava raciocinando, né, queria que, queria o melhor, né?... [...] Eu tive umas confusões com eles, nossa... principalmente depois que ela faleceu. Cobraram diária a mais... a gente pagava tudo particular. [...] O sofrimento, depois que tudo terminou, foi um pouco também por tudo isso. [...] Mas se falassem assim: “ela vai morrer”... Eu ia deixar? Eu teria feito todas as coisas de novo.” (P3)

“Era muita dívida. Era muito dinheiro. E eu nunca neguei nada de médico, de nada. Vai fazer, vai pagar o melhor, que se dane. O plano de saúde não cobre, que se dane, vai fazer, vai e faz e vai, e vai.” (P4)

Ir contra as orientações médicas ou de profissionais de saúde, como conta P2, que postergou por trazer a cama hospitalar por essa dar a ideia de que de fato seu pai estava muito doente para precisar desse recurso:

“Os profissionais disseram: “ah, precisa de uma cama, aquela cama de hospital que é assim e assim, que levanta e tal”, mas eu segurei até onde deu. Porque eles não conheciam o jeito dele, mas eu conhecia ele e sabia que ele só entregava quando não dava mais. Só que não era aquele que ficava falando: “eu não aceito”. E a pessoa que eu sei que ele falava alguma coisa, era comigo... [se emociona], “é, não vai dar mais”. E quando ele falava eu sabia que era porque realmente não dava mais. Ele ia até o último... [se emociona].” (P2)

Ou ainda, entrar em conflitos com outros familiares, como se observa na vivência de P1:

“Minha avó queria a minha mãe lá na casa dela. Queria a filha lá, e então minha mãe foi morar com ela, com minha avó. Mãe e filha queriam ficar juntas, nesse momento em que a minha mãe estava doente. [...] Então eu fiz de tudo, quando minha mãe tava lá, então eu estava pagando a empregada que tinha lá, pagava pra ela lavar as roupas, fazer as comidas, eu fazia compras e levava pra lá. [...] Só que quando a minha avó ficou doente as outras duas irmãs da minha mãe chegaram para mim e falaram: “Olha, a avó vai ter alta do hospital, e você pega a sua mãe e cuida dela, cada um cuida da sua mãe, é pra ela sair de lá”. [...] Elas separaram mãe e filha, que queriam ficar juntas... Depois eu só voltei a conversar alguma coisa com essas tias anos depois, fiquei bem magoada.” (P1)

4) Sobrecarga e esgotamento

A entrega aos cuidados de seu ente querido, em tempo integral, em uma busca constante por amenizar sua dor, inseridos em uma vivência prolongada tomada por estresse físico-emocional, desembocou em desgaste e sobrecarga sobre o familiar cuidador principal. A seguir estão os depoimentos de P3 e P6, que exemplificaram tal sobrecarga:

“Então chegou uma época aí... eu não dormia mais, né? Antes, de quinta-feira à noite eu ia na maçonaria. Aí quando ela tava nesse período, ela falava: “você pode ir”. Eu falava: “não, não vou”. Ela: “você vai”. Às vezes eu ia e eu chamava alguém pra ficar aqui com ela. Ela falava: “mas eles vem aqui e eles me atrapalham”. Às vezes eu chamava o irmão dela, uma tia pra ficar com ela. Então era ruim chamar outras pessoas. [...] no meio da noite ela acordava: “Vamos fazer café?”. Teve uma noite que ela acordou 23h45, 00h45, 01h45, aí eu pensei agora vai ser 02h45, mas passou. Cada uma hora certinha ela acordava e falava: “vou fazer café”. E tentava levantar da cama. Eu não dormia, né? Nem podia dormir. Eu ficava sozinho com ela à noite aqui direto. Uma vez eu falei pro irmão dela: “eu não tô aguentando mais, você precisa ficar com ela porque eu preciso dormir pelo menos um dia”. Porque não dava pra dormir de dia, ela estava aqui. E vendo todo o sofrimento dela. Eu sentia em mim aquilo que ela sentia. Então foi bem desgastante mesmo....” (P3)

“Eu fui orientada pelo pessoal lá da higiene mental a ter outros filhos, pra não me dedicar única e exclusivamente ao R. Chegou uma época que eles falaram pra mim, acho que eles me viam só vivendo aquilo, enfiada no hospital, eu adquiri várias infecções também, eu tava com imunidade baixa, eu não me alimentava bem, sabe. Então eles viam eu viver aquilo de uma forma muito intensa, e eles acharam que eu não ia aguentar.” (P6)

Além do desgaste e sobrecarga, alguns relataram um esgotamento, que chegou próximo a ultrapassar seus limites de suportar tal situação. P1 e P4 bem descreveram essa vivência:

“Depois disso tudo, logo que minha mãe faleceu, eu me senti muito cansada, fisicamente, emocionalmente. Muito, muito, muito, depois eu só queria dormir, mas agora... só depois de dois anos, acho que agora, só agora, é que eu estou começando a voltar. Porque o físico e o emocional ficam esgotados nessas situações.” (P1)

“Eu cheguei a 100Kg e meu peso sempre foi 82. Eu cheguei a 100Kg, entende? Dentro de uma situação que eu nunca tive, nunca cheguei a isso [...] Então são coisas que afetaram o meu corpo, afetaram a minha cabeça. Nossa, quando ela foi eu percebi que eu tava com muita dor no corpo, muita dor em partes do corpo, que eu fiquei com medo também de me dar alguma coisa... tava chegando no meu limite.” (P4)

5) Forte aproximação

Por terem acompanhado/cuidado de seu familiar de modo integral, muitos estando ao seu lado praticamente por 24 horas ao dia, foi possível observar uma forte aproximação na

relação entre cuidador e o ente querido acometido pela doença em estágio avançado, como contaram P2, P4 e P6:

“Todo final de semana eu ia para lá, dava folga para os enfermeiros e para a senhora [...] E passava o dia com ele, só nós dois. Então isso me satisfez muito, eu sei que pra ele foi bom, mas pra mim também foi muito bom passar esse tempo juntos, ficar mais próximo.” (P2)

“Aí nós conversamos e eu falei: “a gente vai viver agora mais do que nunca o hoje como se fosse o último dia, então a gente não dorme mais brigado, não tem mais nada disso”. E foi assim que a gente passou a viver, e tudo era muito intenso e nossa relação ficou mais madura, mais sólida.” (P4)

“[...] a gente tinha uma cumplicidade, uma afinidade tão grande. [...] ele era surdo, mudo, tinha deficiência intelectual, só gesticulava, mas eu olhava pra ele e eu sabia, eu sentia o que ele sentia. E ele também, ele olhava pra mim e sabia se eu estava triste, se eu estava nervosa... [...] Os médicos acham que ele viveu esse tempo todo não foi pela medicação, mas foi por amor, carinho e dedicação. Eu me dediquei muito a cuidar dele, e a gente era muito próximo, eu passei muitos dias ao lado dele.” (P6)

Esse certamente foi um aspecto de ganho ao relacionamento, fortalecendo a empatia entre cuidador e ente querido doente, o que pode ter ajudado também no lidar com o sofrimento no processo de fim de vida e morte.

Porém, trouxe maior dor a alguns dos familiares em alguns momentos em que os dois pareciam tornar-se um só, e toda a degradação e dores que a pessoa doente passava o cuidador também sentia como se fosse com ele próprio, como é possível observar nas falas de P3 e P5:

“Ela tinha pegado um resfriado com o avô dela uns dias antes. E começou a tossir muito, e sofrendo pra caramba, eu sentia aquilo, eu sentia em mim tudo aquilo ali que ela sentia.” (P3)

“Me machuca saber que ela sofreu tanto, eu sofria junto com ela, e hoje me machuca lembrar de tanto sofrimento. Foi muito difícil enfrentar essa doença, uma doença que vai levando a pessoa aos poucos [...] E acho que maltrata demais saber que não tem mais solução, por não ter mais esperança....” (P5)

6) Relação com os médicos

Foi possível observar que cada participante vivenciou a relação com os médicos de modo específico; alguns com pequenas dificuldades, outros com muitas. Houve, ainda, aqueles que se sentiram totalmente seguros junto aos médicos que acompanharam seus entes queridos. Porém, um aspecto central em todos os relatos é que a relação com os médicos se