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A festa religiosa como processo comunicacional: Folkcomunicação,

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CAPÍTULO II COMUNICAÇÃO E CIDADANIA: A COMUNIDADE

7. A festa religiosa como processo comunicacional: Folkcomunicação,

Para uma compreensão da importância da cultura quilombola e suas manifestações religiosas populares, junta-se a essa proposta de reflexão entre imaginário e identidade cultural a Folkcomunicação14 enquanto teoria que toma como objeto de estudo aspectos da prática cotidiana de grupos marginalizados que criam meios próprios para transmitir seus fazeres e saberes. Ou seja, é uma teoria que permite verificar e analisar os processos comunicacionais que ocorrem nas manifestações da cultura popular.

A Folkcomunicação vem preencher uma lacuna teórico-metodológica na América Latina, dando suporte às pesquisas comunicacionais, verificando como se processa a difusão de informações na comunicação popular. Dessa maneira, a Folkcomunicação pode ser utilizada, não somente no contexto latino-americano, mas em contextos que compartilhem da mesma realidade de subdesenvolvimento e que, através das manifestações folclóricas, possam gerar o desenvolvimento regional (Rogers, Schramm) (AMPHILO, 2012, p.7).

A teoria da Folkcomunicação “fecha” a brecha conceitual e teórica de realidades em que há comunicação informal e espontânea presentes nos grupos sociais. Beltrão (1980) enfatiza que é no grupo que o ser humano massificado retorna para a sua identidade, o que possibilita, portanto, o resgate de sua liberdade de expressão.

Quanto à expressão de seu pensamento e aspirações, utilizam, como os demais grupos marginalizados, os meios que denominamos de folk. No entanto, é em manifestações coletivas e atos públicos, promovidos por instituições próprias (sindicatos, associações desportivas, beneficentes e recreativas, como escolas de samba, clubes carnavalescos e conjuntos folclóricos, ou organizações religiosas, como irmandades e confrarias católicas, centros espíritas, terreiros de umbanda e candomblé, igrejas e tendas de confissões evangélicas

14 O termo Folkcomunicação foi criado pelo professor Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918-1986)

que dedicou boa parte de suas pesquisas ao tema. É considerado um importante segmento das Ciências da Comunicação a partir de 1960, vem conquistando estudantes e pesquisadores em todo o país. Em 1998, foi criada a Rede Brasileira de Folkcomunicação (Rede FOLKCOM) e as Conferências Brasileiras de Folkcomunicação.

pentecostais) que, sob formas tradicionais, revestindo conteúdos atuais, sob ritos, às vezes universais, mas consagrados pela repetição oportuna e especialmente situada, essa massa popular urbana melhor revela suas opiniões e reivindicações, exercitando a crítica e advertindo os grupos do sistema social dominante de seus propósitos e de sua força (BELTRÃO, 1980, p. 60, grifo do autor).

Segundo Beltrão, o fenômeno da marginalidade se caracterizou após a revolução burguesa e se intensificou enquanto ideologia na Revolução Industrial, caracterizando a sociedade de massa:

Às camadas superiores - a elite do poder econômico e político - que estabelecem os níveis de civilização e as metas de desenvolvimento, inclusive sociocultural, se contrapõem indivíduos, grupos sem condições (ou a quem sempre são negadas condições) de alcançá- los, por sua pobreza, por suas culturas tradicionais, pelo isolamento geográfico, rural ou urbano, pelo baixo nível intelectual ou pelo inconformismo ativo e consciente com a filosofia e/ou a estrutura social dominante (BELTRÃO, 1980, p.38).

Podemos dizer, a partir das afirmações de Luiz Beltrão, que os usuários da Folkcomunicação são excluídos e marginalizados não só do sistema político, mas também da comunicação social. Conforme já abordado no capítulo 2 dessa pesquisa, o sistema de comunicação no Brasil volta-se para a preservação do

status quo, definido pela ideologia e hegemonia dos grupos dominantes. A partir

da teoria de Luiz Beltrão destaca-se três grandes grupos:

1) os grupos rurais marginalizados, sobretudo devido ao seu isolacionismo geográfico, sua penúria econômica e baixo nível intelectual.

2) os grupos urbanos marginalizados, compostos de indivíduos situados nos escalões inferiores da sociedade, constituindo as classes subalternas, desassistidas, subinformadas e com mínimas condições de acesso. 3) os grupos culturalmente marginalizados, urbanos e rurais, que representam constigentes de contestação aos princípios, à moral ou a estrutura social vigente (BELTRÃO, 2004, p.84).

Entendemos, portanto, segundo as ideias de Beltrão (2004), que os grupos citados acima utilizam da cultura popular direta ou indiretamente para a sua expressão. As diversas manifestações da cultura popular como formas de expressão são dotadas de narrativas na sua complexidade, o que não abrange apenas a palavra, mas também os meios comportamentais e expressões não verbais, considerando também mitos e ritos, muitas vezes, vindo de um passado

longínquo, que são ressignificados e atualizados devido à característica dinâmica da cultura popular.

Isabel Maria Amphilo (2005) estudou profundamente a gênese dessa teoria e afirma que a Folkcomunicação deve ser compreendida como um sistema complexo de comunicação, e deve ser analisado a partir da contextualização social, temporal e espacial, em que estão presentes as suas condições sócio- políticas-econômicas e de desenvolvimento. Para a autora, a Folkcomunicação assume uma dimensão no sistema de comunicação popular considerando as variáveis do imaginário popular e o sistema de representações simbólicas, além do habitus, modus operandi, modus vivendi e o ethos social de determinada comunidade.

Cabe à folkcomunicação não somente decifrar os códigos e descobrir o conteúdo informacional que estava codificado através de linguagens (códice azteca, festas populares, expressões da religiosidade popular, pinturas rupestres, ritos, mitos, linguagem conotativa ou figurada, enfim), mas também trazer à luz as relações estabelecidas, identificando os elementos do processo comunicacional: o emissor, o receptor, além dos contextos de produção e o lugar de fala do sujeito, e de recepção, averiguando os processos comunicacionais, levando- se em consideração as variáveis dos processos, como a doxa, que é o filtro pessoal, como também o surgimento de ruídos técnicos ou semânticos, buscando, posteriormente, verificar se o efeito desejado pelo emissor foi alcançado, através do feedback, ou seja, averiguar se houve “mudança de atitude” do receptor (AMPHILO, 2005, p.204- 2005).

Ao conceituar as características das comunidades quilombolas em nosso país, considerando-as enquanto grupos culturalmente marginalizados, a partir da teoria de Luiz Beltrão, os processos comunicacionais estão inerentes às práticas socioculturais não só do emissor, mas também do receptor. Este deixa de ter uma postura passiva e passa a assumir uma postura ativa interagindo com o emissor. Ou seja, na perspectiva da Folkcomunicação, o fluxo comunicacional acontece dos meios aos líderes e desses aos seus próximos, de forma cíclica em que existe o reprocessamento para o receptor. Este, por sua vez, interage também no processo comunicacional.

Na comunidade do Mandira, assim como em boa parte das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, é evidente a articulação de associações locais, participações ativas e o destaque de líderes das comunidades tradicionais na

discussão e soluções de problemas, ou seja, verificamos a presença do ativista folkcomunicacional, conforme Trigueiro:

O ativista midiático age motivado pelos seus interesses e do grupo social ao qual pertence na formatação das práticas simbólicas e materiais das culturas tradicionais e modernas para o uso da vida cotidiana. É um narrador da cotidianidade, guardião da memória e da identidade local, reconhecido como porta-voz do seu grupo social e transita entre as práticas tradicionais e modernas, apropria-se das novas tecnologias de comunicação para fazer circular as narrativas populares nas redes globais (TRIGUEIRO, 2006, p.5).

Oswaldo Meira Trigueiro, compartilhando das ideias de Beltrão, apresenta o ativista folkcomunicacional e mostra uma personalidade bem característica de um líder de opinião: a) prestígio na comunidade devido à sua vivência, experiência e percepção dos modos de vida de sua gente; b) exposição e seleção das mensagens de acordo com princípios e normas da comunidade; c) mobilidade e interlocução com diferentes grupos; d) arraigadas convicções filosóficas baseados em suas crenças e costumes tradicionais.

Podemos dizer que a Folkcomunicação está presente nas mediações que circundam os contextos socioculturais, assim como baseia-se na evolução simbólica que constituiu o imaginário.

Na cultura quilombola no Vale do Ribeira, especialmente no quilombo do Mandira, há diversas expressões da cultura popular que são consideradas fortes, bem como significativos exemplos de Folkcomunicação, principalmente no que diz respeito às interações sociais e ativação das relações humanas: as relações entre emissores (quem) e receptores (para); aspectos de permanência e continuidade; organização e desenvolvimento das atividades religiosas e profanas e os vínculos originados com os meios de comunicações, sejam eles locais ou não.

A vertente popular da cultura não ficou parada no tempo, ao contrário, assimilou as transformações tecnológicas e comunicacionais que não a condenaram à destruição e sim proporcionaram de alguma forma a sua ressignificação, chamando a atenção para diferentes áreas da pesquisa, principalmente nas Ciências da Comunicação. Para Cristina Schimdt, a cultura popular:

Para o meio acadêmico e político, principalmente, adquire valor comunicacional, uma vez que as expressões culturais são tomadas como meio de mobilização e identificação de grupos locais no contexto globalizado, ao que Beltrão (1980) apresenta como um meio próprio e linguagem adequada ao receptor (SCHIMIDT, 2009, p.1).

Nesse sentido, a Folkcomunicação, como teoria, toma como objeto de estudo aspectos da prática cotidiana de grupos marginalizados que criam meios próprios para transmitir seus fazeres e saberes, resistindo em um contexto globalizado, ou seja, é uma teoria que permite verificar e analisar os processos comunicacionais que ocorrem nas manifestações da cultura popular presentes na contemporaneidade.

A ampla possibilidade de temas instiga a pesquisa em Folkcomunicação. É importante destacar que a religiosidade popular é objeto de estudo, tendo os ex-votos como uma temática muito presente nas investigações. Destacamos as contribuições dos pesquisadores Jorge Gonzalez, na obra Ex-votos y retablitos: comunicación y religión en México de 1981, principalmente no campo religioso,

A folkcomunicação adquire cada vez mais importância pela sua natureza de instância mediadora entre a cultura de massa e a cultura popular, protagonizando fluxos bidirecionais e sedimentando processos de hibridação simbólica ( MELO, 2008, p. 25).

Para Marques de Melo (2008, p. 79), as festividades, do ponto de vista da identidade comunicacional, caracterizam-se como processos determinados por fluxos convergentes:

a) A festa enquanto ativadora das relações humanas, produzindo comunhão grupal ou comunitária em torno de motivações socialmente relevantes. Trata-se de um fluxo de comunicação interpessoal;

b) A festa enquanto mobilizadora das relações entre os grupos primários e a coletividade, através das mediações tecnológicas propiciadas pelas indústrias midiáticas, em espaços geograficamente delimitados – locais, regionais, nacionais. Trata-se de um fluxo de comunicação massiva;

c) A festa enquanto articuladora de relações institucionais, desencadeando iniciativas de entidades enraizadas comunitariamente e antenadas coletivamente, que decidem o que celebrar, em que circunstâncias, com que parceiros. Trata-se de um fluxo de intermediação comunicativa, produzindo a interação das comunicações interpessoais e massivas ( MELO, 2008, p. 79).

As contribuições de Luiz Beltrão sobre a Folkcomunicação15 identificam a comunicação informal, presente na experiência sociocultural comum, ou seja, os estudos folkcomunicacionais favorecem a análise dos contextos em que as manifestações populares acontecem, considerando o espaço e os aspectos simbólicos de significações presentes na cultura popular e como elas “negociam” com a cultura hegemônica.

As festas estabelecem a configuração de identidades híbridas e podem ser consideradas a partir das contribuições de Luiz Beltrão em Folkcomunicação:

a comunicação dos marginalizados (1980) como Folkcomunicação de conduta,

em que se consideram o trabalho, o lazer, os autos, as danças e as atividades religiosas. Já a partir de Marques de Melo (2008), podemos classificá-las enquanto gênero como folkcomunicação cinética.

Podemos dizer que o sincretismo é presente em todas as formas de religião e constitui-se como característica central na religiosidade popular, nas procissões, nas comemorações dos santos, nas diversas formas de pagamento de promessas e nas festas populares de uma maneira geral.

A gênese das festividades em nosso país encontra-se no imaginário coletivo, sendo resgatada periodicamente (todos os anos) por meio de fluxos de comunicação interpessoal (entre membros da mesma comunidade) que podem ou não despertar o interesse e a apropriação das instituições sociais. As festas são processos comunicacionais, pois os agentes envolvidos produzem significado, mensagens coletivas, em que os conteúdos podem ser alterados e interpretados de acordo com a realidade social onde a celebração acontece.

As festas à brasileira apresentam uma sociedade que vive das transformações e fusões de vários códigos culturais, que produziu diferentes identidades. As imagens das festas religiosas populares são metáforas que servem de sustentação das diferentes realidades. O imaginário presente nelas apresenta não só a narrativa de uma dada comunidade, mas por meio de seus

15 O termo Folkcomunicação foi criado pelo professor Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918-1986),

que dedicou boa parte de suas pesquisas ao tema. É considerado um importante segmento das Ciências da Comunicação a partir de 1960 e vem conquistando estudantes e pesquisadores em todo o País. Em 1998, foi criada a Rede Brasileira de Folkcomunicação (Rede Folkcom) e as Conferências Brasileiras de Folkcomunicação.

fazeres e saberes culturais e religiosos, criam suas representações, discursos e significados em um processo dinâmico de constante ressignificação.

À luz dessas concepções, no próximo capítulo, analisaremos a Festa de Santo Antônio como processo comunicacional na comunidade quilombola do Mandira.

CAPÍTULO IV

COMUNICAÇÃO NA RELIGIOSIDADE POPULAR

QUILOMBOLA: A FESTA DE SANTO ANTÔNIO NO

QUILOMBO DO MANDIRA

1.A trajetória metodológica: dos livros à Festa

Neste capítulo, apresentaremos o caminho da investigação, assim como a análise dos materiais coletados na pesquisa de campo, realizada em 2016, quando tivemos a oportunidade de observar a festa do padroeiro do Mandira: Santo Antônio.

A pesquisa se desenvolveu com a combinação de métodos e respectivas técnicas para que fosse possível “dar conta” do objeto de estudo: a festividade de Santo Antônio, enquanto processo comunicacional.

Para Maria Cecília de Souza Minayo (2009, p. 14), em O desafio da

pesquisa social, “a metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem

(o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)”. O caminho da pesquisa percorreu primeiramente a pesquisa bibliográfica. Além dos livros e artigos científicos, buscamos também trabalhos acadêmicos e outras publicações sistematizadas.

Apresentamos nos três capítulos anteriores, a partir de fontes bibliográficas, os conceitos e discussões acerca de temáticas, que nos auxiliaram a compreender o contexto estudado: comunidade, cidadania, cultura, cultura popular e tradicional, direito à comunicação, globalização, hibridismo cultural, resistência, imaginário e festas religiosas populares e folkcomunicação. Ao enfocarmos especificidades conceituais no decorrer do estudo, podemos compreender os conceitos e as relações entre os assuntos

apresentados, principalmente quando nos referimos a povos e comunidades tradicionais, especialmente às comunidades quilombolas e toda a sua complexidade. Destaca-se a construção do seu imaginário e identidade cultural a partir do território que ocupam, como é o caso da comunidade quilombola do Mandira.

Além da pesquisa bibliográfica, recorremos também à pesquisa documental. A diferença entre a pesquisa bibliográfica e documental está na natureza das fontes.

Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições de diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 1996, p. 51).

A pesquisa documental é diversificada. Podemos considerar como documento toda a informação sistemática presente de forma oral, escrita, ou fonte durável de comunicação.

Para a realização da investigação, a pesquisa documental contribuiu para analisar:

 Temas relacionados à pesquisa no que se referem às políticas públicas voltadas para as comunidades e povos tradicionais principalmente quilombolas, que serão estudados nas áreas de direitos humanos e patrimônio cultural;

 Os documentos oriundos dos projetos e iniciativas desenvolvidas no município e também relacionados às políticas públicas voltadas para as comunidades quilombolas nos últimos dez anos (2005-2015), em que selecionamos os seguintes materiais que foram coletados antes e durante a pesquisa de campo. Os mesmos serão analisados no presente capítulo, articulados com o diário de campo e as entrevistas realizadas, a partir de um protocolo de análise.

Quadro 1 – Documentos produzidos pelos projetos desenvolvidos por iniciativas locais

Ano Documento Tipo Localização/Comunidade

(s) abordada (s)

2009 O Terço cantado Livro Vale do Ribeira –

SP/Quilombo do Mandira

2010 “Terço cantado e os

encantos do Mandira”

Audiovisual/Documentário Vale do Ribeira – SP Quilombo do Mandira 2013 “Inventário cultural quilombos

do Ribeira”

Audiovisual/Documentário Vale do Ribeira – SP Quilombo do Mandira 2013 “Inventário cultural quilombos

do Ribeira” Livro Vale SP/Quilombo do Mandira do Ribeira –

2016 Cantos da Missa de Santo Antônio

Folheto Vale do Ribeira –

SP/Quilombo do Mandira 2016 Divulgação da Festa de

Santo Antônio

Cartaz Vale do Ribeira –

SP/Quilombo do Mandira

Fonte: Própria autora

Além da pesquisa bibliográfica e documental, buscamos dados complementares. Nesse sentido, a pesquisa de campo permitiu, como veremos adiante, complementar o mapeamento e identificação das práticas culturais e processos comunicacionais espontâneos como a Festa de Santo Antônio existente na localidade estudada. Do mesmo modo que nos possibilitou coletar e analisar outras iniciativas comunicacionais desenvolvidas a partir da festa religiosa popular no quilombo do Mandira.

Associada à pesquisa bibliográfica e documental, a pesquisa etnográfica fez parte também do percurso metodológico, pois conforme os objetivos da investigação, se entendeu que foi necessário verificar os aspectos tanto da mediação quanto da recepção na construção da identidade, da religiosidade popular e do imaginário dos povos tradicionais.

A participação na Festa de Santo Antônio, em junho de 2016, foi fundamental para a compreensão do contexto, para conhecer os costumes, conviver com a comunidade, com visitantes e buscar compreender elementos e interpretações quanto à construção do imaginário e da identidade estudada.

Escolhemos a pesquisa etnográfica para o desenvolvimento da investigação, pois ela nos possibilitou a prática da observação, a descrição e análise das dinâmicas culturais e comunicativas, considerando os

relacionamentos e as interações para a compreensão dos processos comunicacionais e, respectivamente, das experiências humanas e sua realidade.

Foi na vivência desse contexto festivo que foi possível observar as conexões que se estabelecem e emergem na comunidade quilombola estudada, assim como foi possível verificar seus valores, simbologias, representações, negociações, ressignificações e trocas, assim como os conflitos e as resistências. “Desta maneira, a etnografia deixa de ser um esquema de trabalho das ciências sociais no estilo do século XIX (para se tornar) uma forma de conhecer e de relacionar-se com o outro, um lugar de comunicação” (GALINDO, 1998, p. 352).

Ao adotarmos a metodologia da pesquisa etnográfica, utilizamos como técnica a observação participante e a entrevista, e junto com a investigação há também o registro fotográfico que permitiu uma compreensão da dinâmica da festa na realidade onde ela acontece. Seguimos também as recomendações de José Marques de Melo (2008) quando observamos e entrevistamos membros da comunidade e, posteriormente, analisamos os processos comunicacionais, no caso as festas, na comunidade do Mandira. Para isso, consideramos os seguintes elementos:

– Formato: como se organiza e se desenvolve a festa? Trata-se de descrevê-la estruturalmente, sua dinâmica social, seus agentes culturais, suas fontes de sustentação econômica. Pretende-se, sobretudo, que a festa seja caracterizada como um ato comunicacional: quem são os agentes codificadores? Quais seus canais de expressão, a quais audiências se destinam, como se efetua a recepção, que efeitos produzem?

– Memória: o que existe na memória coletiva da festa? Trata-se do registro da festa na confluência do passado e do presente. Para verificar esse aspecto, os dados podem ser complementados por fontes bibliográficas e documentais, como arquivos pessoais e familiares e também coleta de dados por meio de entrevistas que podem reconstituir a trajetória do evento, suas permanências, suas mutações.

– Conteúdo: quais as mensagens veiculadas pelas festas? Que significado elas possuem no entorno social? Trata-se de resgatar sua programação, suas manifestações explícitas e implícitas? Existe homogeneidade nos discursos veiculados ou é possível detectar a interferência de diferentes classes sociais, grupos étnicos, faixas etárias ou segmentos educacionais? Há traços hegemônicos?

– Mediações: quais as relações da festa com as instituições do entorno social? Que vínculos estabelecem com as mídias (jornais, revistas, rádio, televisão). Como a mídia se apropria de suas mensagens e as retransmite ou interfere no seu conteúdo? Quais outras instituições participam da sua organização?

A pequisa etnográfica ocorreu, então, em duas etapas. A primeira foi iniciada em 2011, quando foram estabelecidos contatos e aproximações com a comunidade. Foram seis viagens para que a comunidade conhecesse os objetivos da pesquisa, permitisse que a mesma fosse realizada e para que a pesquisadora se familiarizasse com a comunidade e estabelecesse conhecimento inicial de suas dinâmicas e processos de comunicação.

A observação participante ocorreu em 2016, no período das comemorações do Dia de Santo Antônio, Padroeiro da Comunidade do Mandira,

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