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Comunicação e Comunidade: Cananeia, um território entre culturas

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CAPÍTULO II COMUNICAÇÃO E CIDADANIA: A COMUNIDADE

1. Comunicação e Comunidade: Cananeia, um território entre culturas

Cananeia faz parte do Vale do Ribeira, localizada no sul do estado de São Paulo e norte do estado do Paraná, abrangendo a Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape e o Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananeia- Paranaguá. O vale possui uma área de 2.830.666 hectares e abriga uma população de 481.224 habitantes, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, e inclui integralmente a área de 31 municípios (9 paranaenses e 22 paulistas).

Figura 1: Mapa de Localização de Cananéia-SP

Fonte: IBGE, 2006.

A história e a ocupação do Vale do Ribeira acompanham a trajetória de explorações e conflitos territoriais de nosso país. De acordo com o Instituto

Socioambiental1, a partir do documento Agenda socioambiental de Comunidades

Quilombolas do Vale do Ribeira2 (2008), o território é caracterizado pela presença de inúmeros sítios arqueológicos, que registram a ocupação humana é anterior à chegada dos portugueses no século XVI.

Essa região precisamente era utilizada como rota de passagem pelos ameríndios vindos do planalto para o litoral, bem antes das primeiras incursões dos europeus no Brasil. De acordo com o estudo, certas localidades do Vale eram ocupadas pelo povo Guaianá.

No século XVI, no ciclo bandeirantista de mineração, foram iniciadas suas expedições partindo do litoral sul do Estado de São Paulo para o interior do Vale do Ribeira, levando junto indígenas e alguns negros escravizados.

Já no XVII, a região encontrava-se povoada por colonos portugueses, os quais mantinham a economia extrativista e agrícola do Brasil colonial, utilizando- se da mão de obra escrava de negros recém-trazidos de diversas regiões do continente africano. Assim como nossos povos originários, os índios foram escravizados.

Conforme o documento, as atividades de mineração, principalmente do ouro, foram o primeiro grande ciclo econômico do Vale do Ribeira, atividade exercida por mão de obra escrava, como já apontado anteriormente. Em função do ouro encontrado às margens do rio Ribeira de Iguape, no Médio Vale, teve origem a cidade de Xiririca, hoje Eldorado, nome que recebeu em 1948, em referência ao ciclo do ouro.

Com o término desse ciclo, muitos ex-escravos ocuparam algumas terras e desenvolveram uma agricultura também voltada ao mercado de alimentos,

1 O ISA (Instituto Socioambiental) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público,

sem fins lucrativos, que atua em várias regiões brasileiras. Fundada em 1994, para propor soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. Uma das atividades que desenvolve é o Programa Vale do Ribeira, que tem como objetivo contribuir para a construção de um modelo de desenvolvimento regional pautado na riqueza socioambiental da Mata Atlântica. Em parceria com associações quilombolas locais, prefeituras e organizações da sociedade civil, propõe e implementa projetos de desenvolvimento sustentável, geração de renda, conservação e melhoria da qualidade de vida das comunidades tradicionais da região.

2 Estudo foi desenvolvido como instrumento político de ajuda às comunidades quilombolas para

que consigam conquistar seus direitos e garantir seu desenvolvimento pelo diagnóstico e encaminhamento de suas demandas e prioridades.

tanto para consumo regional como para o comércio com outras regiões do país. Um exemplo é a cultura do arroz, cujo ciclo teve início no final do século XVII, e foi intensamente comercializado para outras províncias no Brasil Império até meados do século XIX. Com as atividades ligadas ao cultivo da terra, os negros se transformaram em pequenos agricultores, e muitos se fixaram na Floresta adentro na região, dando origem às comunidades negras da região.

Nas primeiras décadas do século XX, cresceram as lavouras de chá e banana devido às condições de solo e clima favoráveis, e esta última passou a ser o principal produto econômico da região.

A diversidade social, ambiental e cultural existente na Região do Vale do Ribeira não se compara a qualquer outra região do Brasil, por apresentar particularidades físicas e culturais. Tais especificidades se justificam pelo fato de que no território do Vale se concentram um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica do Brasil e várias comunidades tradicionais, como quilombolas, indígenas caiçaras e agricultores familiares.

É importante destacar também que a região apresenta questões que lhe são próprias e demandam políticas específicas, como a regularização fundiária, tanto para indígenas como para pequenos agricultores, caiçaras e quilombolas que se encontram na região.

Evidentemente, as características físicas e culturais ímpares que configuram o espaço do Vale do Ribeira são provocadoras de disputas e conflitos gerados por questões políticas e econômicas, resultando em sobreposições entre os territórios tradicionais dessas populações com Unidades de Conservação (parques estaduais e áreas protegidas).

A região do Vale do Ribeira apresenta conflitos territoriais envolvendo os povos e comunidades tradicionais. Essas populações têm vivido uma situação de agravamento em relação às possibilidades de permanência e controle de seus territórios; constantemente, são ameaçadas por pecuaristas, incorporações imobiliárias ou até mesmo o autoritarismo ambiental por parte do Estado. De acordo com o Instituto Socioambiental (2013), a região do Vale do Ribeira destaca-se pelo alto grau de preservação de suas matas e por grande diversidade vegetação, fauna e flora. Seus mais de 2,1 milhões de hectares de

florestas equivalem a aproximadamente 21% dos remanescentes de Mata Atlântica existentes no Brasil, transformando-a na maior área contínua desse importante ecossistema em todo o País. Nesse conjunto de áreas preservadas, são encontradas não apenas florestas, mas importantes remanescentes de restingas – são 150 mil hectares – e de manguezais – 17 mil hectares.

A região do Vale do Ribeira abriga o maior remanescente contínuo de Mata Atlântica do Brasil, apresentando grande diversidade biológica, o que proporciona importante fonte de subsistência para as populações tradicionais que aqui vivem. No ano de 1991, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura declarou a região como “Reserva da Biosfera da Mata Atlântica”, e em 1999 como “Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade”.

Assegurar o acesso ao território significa para esses povos e comunidades o direito de manter vivos a memória, as práticas sociais, os sistemas de classificação e de manejo dos recursos, os sistemas produtivos, os modos de distribuição e consumo da produção, além de elementos simbólicos essenciais à sua identidade cultural e livre expressão. Assim, esses territórios, além de assegurarem a sobrevivência dos povos e comunidades “tradicionais”, constituem a base para a produção e a reprodução de todo o seu patrimônio cultural.

A região apresentada é repleta de atributos físicos, mas também sofre com as pressões por parte do estado e seus respectivos órgãos ambientais: o município estudado integra o Complexo Estuarino Lagunar de Cananeia, Iguape e Paranaguá, que foi considerado pela União para a Conservação da Natureza, um dos principais criadouros marinhos do Oceano Atlântico Sul.

Grande parte da área que compõe o município de Cananeia é constituído por Unidades de Conservação, entre elas: o Parque Estadual da Ilha do Cardoso (PEIC), o Parque Estadual de Jacupiranga (PEJ), a Estação Ecológica dos Tupiniquins, a Área de Proteção Ambiental Cananeia-Iguape-Peruíbe (APA CIP) e a Reserva Extrativista do Mandira (REMA), administradas pelo Estado ou União.

Além dos atributos naturais, Cananeia ainda detém de elementos culturais importantes, pois reúne remanescentes de comunidades indígenas, caiçaras e quilombolas, como já apontamos anteriormente, repletas de bens simbólicos imateriais representados pelos seus saberes e fazeres que ainda resistem a uma avalanche global, considerando o potencial de criatividade e sabedoria da cultura popular.

Entretanto, apesar de características naturais e culturais ímpares, Elaine Marques, gestora da Rede Cananeia, organização não governamental que atua localmente, afirma que, em contraste com a grande riqueza biológica e cultural, o município apresenta os mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) do Estado de São Paulo. Cananeia apresenta esse índice em 0,7203, o que é considerado um desenvolvimento baixo (sendo o item renda um dos principais fatores declinante do índice), apesar de o município encontrar-se no Estado de São Paulo, de grande representatividade entre os estados mais ricos do país (São Paulo possui um IDH estadual de 0,783).

Em Cananeia, 58,9% dos residentes não têm renda ou recebem menos de dois salários mínimos mensais e cerca de 10% da população é analfabeta4. O município possui um PIB – Produto Interno Bruto per capita de cerca de R$ 10.899,045, muito abaixo da média brasileira que está em R$19.509,006, sendo classificado entre os 10 municípios de menor índice per capita do Estado de São Paulo7. Hoje, os jovens enfrentam dificuldades de encontrar empregos por falta de opções de vagas diretas e a maioria trabalha com serviços, funcionalismo público ou na pesca, em grandes embarcações, que vem cada vez mais substituindo a pesca artesanal.

Atualmente, Cananeia vive muitas dificuldades, principalmente quanto à exclusão e ao preconceito em relação aos seus povos tradicionais, que ficam isolados em suas comunidades, assim como a falta de políticas públicas voltadas para a melhora da qualidade de vida da população. As origens desses problemas

3PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/2010. 4 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/2010.

5 IBGE– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística /2010. 6 IBGE– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística /2010.

estão enraizadas também nas sucessivas gestões públicas descomprometidas com a população, na especulação imobiliária, o que levou à perda de território de seus povos tradicionais e ameaça do turismo de massa.

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