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A festividade de Santo Antônio e a memória da comunidade quilombola

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CAPÍTULO II COMUNICAÇÃO E CIDADANIA: A COMUNIDADE

3. A festividade de Santo Antônio e a memória da comunidade quilombola

Conforme já abordamos nos capítulos anteriores, Santo Antônio é padroeiro do Mandira. De acordo com o Inventário Cultural quilombola (2013), na comunidade quilombola em questão, o santo recebe uma homenagem especial.

Ainda com o documento, a primeira Igreja de Santo Antônio na comunidade do Mandira era de tábua, e foi refeita em alvenaria em 1984. Anteriormente a esse período, não existia a edificação da comunidade, as celebrações em louvor a Santo Antônio eram realizadas na escola, e antes mesmo de ocupar o espaço escolar eram feitas nas casas dos moradores.

Lembram os mais velhos da comunidade que as festas ocorriam na casa do finado João Vicente Mandira. O oratório que atualmente ocupa a sede da igreja também ficava na casa de João Vicente e, acreditam, ter mais de 200 anos. É na capela de Santo Antônio que as atividades litúrgicas da festa acontecem.

Figura 6: Capela de Santo Antônio

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

Podemos dizer que a celebração a Santo Antônio é a festividade estruturante da comunidade. Os quilombolas do Mandira vivem e se comunicam com o seu protetor independente da presença de Igreja enquanto instituição. O santo padroeiro é um símbolo que representa a entidade social, o contexto, os seus acontecimentos, as etapas da vida e suas lutas.

A festividade “invade” toda a vida da comunidade, apresenta-se a sincronicidade do tempo (passado, presente e futuro). É no sagrado por meio da festividade que se revela o Iludis tempus, a narrativa mitológica nos ritos significativos: A festa de Santo Antônio, padroeiro do quilombo do Mandira, enquanto narrativa, é rememorada, reaparecida, portanto é um processo comunicacional que se repete a cada ano. Representa também a circularidade, a compreensão da vida cíclica na comunidade: o início, o meio e o fim para que no ano seguinte a festa possa ser vivida novamente.

Os membros não souberam precisar a origem, mas acredita-se que faz mais de cem anos, ou seja, a experiência foi adquirida e transmitida entre gerações por meio da tradição oral, de acordo com os entrevistados:

Eu tinha nove anos e era com o meu tio, finado João Vicente, que era o mesmo nome do meu avô. Desde o tempo dos mais velhos. Depois

que o finado meu vô morreu, ficou meu tio que a gente chamava de Jango. Então eu, Saturnina, cantava o terço com ele e a tia Maria, e ficavam os três na frente. Atrás era a Manuelina, tio Chiquinho e o resto do pessoal que cantava o terço (Sartunina Mandira de Oliveira, 2016).

Eu comecei foi em 2013, porque eu moro a 5km de distância daqui da comunidade só que eu faço parte e o meu sítio é mais pra frente, então antes disso aí a gente vinha, participava, mas não era tão envolvido na festa. Em 2013 pra cá que começou já a ter os festeiros, que antes tinha a festa, mas não tinha festeiro. Porque toda festa tem que ter os festeiros. E em 2013 teve o sorteio do festeiro e saiu meu marido e daí

pra cá a gente começou a se envolver (Neuseli Matias, 2016).

Eu desde que nasci eu participo, mas ajudar na festa não faz muito tempo não. Desde 2013 que eu comecei a ajudar (Maria Rosa Mandira, 2016).

Eu falar bem a verdade, desde depois que eu me entendi a ter conhecimento do que era a oração e do que era a festa eu comecei a participar. Quando a festa era por conta do meu tio, eu só ajudava, mas toda a vida eu tinha vontade de ser capelão de terço e aí foi indo e meu finado Cristino, que era meu primo, era o capelão do terço de Santo Antônio e aí depois que ele faleceu ficou pra mim. Então já faz bastante tempo que eu participo (Arnaldo Mandira, 2016).

Atualmente, eu sou o pároco dessa paróquia já há dois anos, mas já vinha de algum tempo atrás. Uns cinco anos mais ou menos já acompanhava a festa (Alessandro Nascimento, 2016).

Como podemos observar, os membros da comunidade participam e acompanham a devoção desde cedo. Nas falas, verificamos que a presença dos festeiros contribuiu para a organização da festa, porém demonstram também a participação da igreja católica enquanto instituição ligada à celebração, principalmente na procissão e na missa, já no terço cantado, a condução é feita sem a autoridade paroquial e sim pela liderança ancestral do Mandira, representada pelo Sr. Arnaldo Mandira, o capelão do terço.

Os aspectos religiosos da festa foram marcados pela realização do Terço cantado na “boca da noite” na igreja de Santo Antônio na comunidade. O lado de fora da igreja estava toda enfeitada de bandeirinhas brancas e também foi acesa uma grande fogueira para Santo Antônio.

Figura 7: O Terço cantado na Capela de Santo Antônio

Figura 8: A fogueira de Santo Antônio

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

A fogueira é uma prática que atravessou o tempo, de uma tradição pagã conforme o Dicionário da religiosidade popular (2013). Era inicialmente usada para espantar os maus espíritos. Durante o período junino, que coincide com o solstício no hemisfério sul, o cristianismo converteu uma prática pagã em festa católica. Ainda no século VI, as fogueiras se incorporaram às comemorações do aniversário de São João Batista. No século XIII, os portugueses passaram a fazer uso da fogueira que também foi incorporada nas festas de Santo Antônio e São Pedro. A fogueira chegou em nosso país devido à colonização portuguesa.

O uso da fogueira foi incorporado em nossas festas religiosas populares principalmente nas do período junino. Na comunidade analisada é um dos símbolos mais marcantes da festa. Em conversas informais com os mandiranos, foi relatado por uma das mulheres que, antes, quando a fogueira era acessa perto da associação, ela não conseguia ficar muito tempo acesa, o fogo apagava logo. Dessa forma, para manter acesa a chama da fogueira para as atividades de lazer da festa, era preciso que a fogueira fosse acesa perto da igreja. E durante anos, durante o terço, a procissão e a missa, a fogueira aquece a fé da comunidade.

No interior da igreja, a decoração também ficou por conta das bandeirinhas brancas que foram colocadas pelos membros da comunidade. O altar foi coberto com uma toalha com um Santo Antônio pintado nela, e os andores com as imagens de Santo Antônio e Nossa Senhora Aparecida estavam enfeitados com papel crepom, nas cores branca (Santo Antônio) e amarela (Nossa Senhora Aparecida). No fundo, a cruz de “nosso senhor jesus cristo” e ao lado um relicário com a imagem de Santo Antônio e outros santos cultuados na comunidade como Nossa Senhora Aparecida, São Benedito, São Gonçalo. A imagem de Santo Antônio é muito pequena e está na comunidade há mais de 200 anos.

Figura 9: O Terço cantado

Figura 10: Imagem de Santo Antônio

Figura 11: Imagem do Santo Antonio

Figura 12: Interior da Capela de Santo Antônio decorada

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

O terço cantado foi iniciado às 20h10, conduzido pelo capelão16 Arnaldo Mandira, de 83 anos, o mais velho da comunidade, embora não more mais lá (e sim em outro bairro de Cananeia), ele sempre que possível está presente na festa de Santo Antônio. Participavam do terço a comunidade do Mandira, tanto os mais velhos quanto os mais novos que moram nos sítios mais afastados e

16 Neste caso, o capelão não sacerdote, também conhecido como sacristão, é o rezador que

cuida da oração pública, onde não há padre. Este capelão leigo “tira” as rezas, benditos e ladainhas, boa parte por tradição oral. É costume de o capelão ficar perto do altar, à frente do público para conduzir a atividade.

também pessoas de outros bairros de Cananeia como Porto Cubatão e Ariri. Participou também da missa a senhora que tem uma barraca de batata em Cananeia, que é mãe de santo.

O terço cantado, segundo o livro que foi distribuído durante a manifestação, acontece em 3 ritos, o primeiro para o Padroeiro (Santo Antônio), o segundo para os Finados e o terceiro para a Quaresma. Porém, o seu Arnaldo não seguiu todo o roteiro conforme o livro. Após os ritos iniciais há ofertório e o beijamento da cruz, em que as pessoas agradecem e depositam suas ofertas aos pés de Santo Antônio.

Ao ouvir o terço conduzido pelo Sr. Arnaldo, foi possível acompanhar os cantos assim como a sequência do terço, porém a manifestação cultural foi reduzida, comparado ao livro (documento) que foi distribuído.

Figura 13: Capa do livro Terço Cantado: ontem, hoje e sempre

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

O livro, O terço Cantado: Ontem, hoje e sempre, foi publicado em 2010, por meio do patrocínio Prêmio de Culturas populares de 2008, promovido pela Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura. A Edição Mestre Humberto Maracanã do prêmio teve como proposta identificar, fortalecer e divulgar as manifestações das culturas populares brasileiras, além de valorizar os seus protagonistas. Foram contempladas 190 iniciativas, e cada uma delas recebeu um valor de R$10.000,00. Na categoria de grupo formal, a Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo de Reserva Extrativista do Mandira foi um dos vencedores dentre tantas iniciativas do país inteiro.

Figura 14: Trecho do livro Terço Cantado

Fonte: Fotografia da autora, 2016.

A publicação conta um pouco da história da comunidade quilombola do Mandira, assim como relata também como o Terço Cantado chegou até o quilombo. De acordo com o livro, o Terço começou no “tempo dos escravos”. Colocamos a expressão entre aspas para lembrar que negros foram escravizados durante uma boa parte de nossa história. A tradição foi passada para Francisco Vicente Mandira que se tornou um dos primeiros capelães a rezar o terço. Posteriormente, após o falecimento de Francisco, um dos seus filhos, João Vicente Mandira, herdou os conhecimentos do pai e posteriormente transmitiu aos seus filhos Francisco Vicente Mandira e João Vicente Mandira Filho (Jango Vicente), este último levou adiante a tradição do terço. Uma das razões foi o fato de ter sido espírita e ter tido o dom de curar diversas doenças. Jango então dedicou-se a rezar e a conduzir o terço cantado e ensinar o filho Antônio Mandira e seu sobrinho Cristino Mandira.

A tradição do Terço Cantado era feita única e exclusivamente de forma oral, não existindo nenhum registro escrito dos cantos. Diante disso, Cristino escreveu todas as orações e deixou todo material para Arnaldo Mandira que já ajudava Cristino no terço e continuou a rezá-lo após o seu falecimento. A esposa

de Arnaldo Mandira, Dona Margarida, também ajudou a transmitir a sabedoria para outras gerações como irmãs, irmãos, sobrinhos e sobrinhas.

Conforme o livro, o Terço Cantado sofreu modificações. Nos primórdios, os trabalhos começavam na “boca da noite” na casa de oração. Era aceso um lampião para iluminar o salão onde se encontrava uma mesa com velas e algumas imagens de santos, dentre elas a de Santo Antônio. Também eram colocadas algumas esteiras de pirí e almofadas no centro do salão, onde seria rezado o terço, para que todos pudessem se ajoelhar na hora do rito.

No passado, de acordo com o documento, após o terço, era servido café com mistura. Colocava-se outra esteira forrada com pano branco, confeccionado com pano de saco alvejado e engomado. Serviam-se alimentos como: biju, cuscuz, batata, abóbora e mandioca cozida, broinha e doce de mamão. À meia noite, servia-se também arroz cozido com carne seca ou carne de porco, além disso não podia faltar farinha e cachaça. Os alimentos eram preparados com fartura, as pessoas ficavam por ali e só retornavam para suas casas no dia seguinte. Perto da casa de oração também ficava acesa a fogueira, nela eram assadas batata doce, cará e terminava com a alvorada já no dia do padroeiro da Comunidade. Outro aspecto relatado no livro foi o fato de existir alguns tocadores de viola, que ao final do terço tocavam e dançavam o Fandango, mas depois muitas confusões e tumultos ocorriam, e Jango resolveu parar com o Fandango no dia da reza.

Comparando a observação da festa com a descrição de como era o Terço Cantado, verificamos mudanças, a exemplo de não ter mais o café com mistura, a ceia à meia noite e o prolongamento após a reza até a alvorada. Houve modificações no jeito de rezar, como não se ajoelhar durante as orações, assim como os mais jovens tinham que pedir aos mais velhos ‘louvado’ ou ‘bênção’. Se lê atualmente um trecho da bíblia na hora do terço, pois anteriormente não existia a bíblia na comunidade. Os aspectos de mudança foram reafirmados pela comunidade:

Agora junta mais gente diferente né? De primeiro não tinha luz, era luz de lampião pra rezar o terço e não tinha o negócio de baile. Agora tem e agora tem as brincadeiras que eles fazem. Naquele tempo não existia. Era só o terço. A gente ficava a noite inteira só conversando. Agora também a gente reza só o terço da boca da noite e no meu

tempo a gente fazia o da alvorada da madrugada. Nós ficava no salão e tudo em casa de parente. Nas casas dos tios. Vinha rezar o terço e quando amanhecia ia embora (Saturnina Mandira de Oliveira, 2016). Antes, toda vida, teve a festa e a gente vinha participar, mas não tão frequente. Ficava mais ausente. Depois que o padre começou a fazer o festeiro, aí eu acho que mudou bastante coisa em tudo (Neuseli Matias, 2016).

O que mudou foi os festeiros que antes não tinha e agora tem. Eu acho que depois que os festeiros entraram parece que melhorou mais, porque o pessoal começaram a se envolver mais nas festas. A ajudar / participar bastante, né? O povo tá indo bem. Que agora bastante gente ajuda, né? É bem movimentado (Maria Rosa Mandira, 2016). O que mudou é que a festa de hoje não é mais assim como era antes, porque antes não tinha essa festa. Antes era o terço religioso às 8 horas da noite e daí a gente ficava a noite inteira rodeado na fogueira. Nós jovens brincava de peteca, de ciranda, de roda e ficava as moças e os rapazes todos juntos e de madrugada tinha novamente o terço às 5h da manhã. Tinha janta e hoje em dia não. Hoje em dia tem o terço 8 horas da noite e depois você já vem pra festa, forró... Tudo isso! Antigamente não tinha forró, era só a parte religiosa mesmo e as brincadeiras que as moças brincavam e as mães ficavam na cozinha fazendo janta para as pessoas e depois que acabava o terço a gente ia brincar perto da fogueira de peteca, ciranda, rodinha... A gente brincava de tudo quando era moça. Hoje em dia ninguém brinca mais disso. É só festa mesmo. Ninguém brinca mais (Maria Rute Mandira, 2016).

O que vem mudando é o modo de participar e de fazer a festa. Porque no tempo do meu pai e do meu tio o pessoal tinha mais crença, acreditavam mais. Tinham mais fé. Hoje a mocidade vem mais por “esporte” e não tem aquela fé / aquele amor naquilo ali e é isso que eu acho que teve mudança. E depois também nos tempos dos mais velhos, no dia do terço era diferente sabe? Nós se juntava na casa do terço. De noite arrumava umas esteiras no salão. Arrumava uns travesseiros com o capelão do terço e os ajudantes e hoje já não faz mais isso. Hoje já é diferente, tem a igreja e mudou (Arnaldo Mandira, 2016).

Eu acho que o que vem mudando é mais a questão da organização. É a questão de convidados e lugar, então mais pessoas vêm para conhecer e estar presente celebrando esse dia. Recebemos tanto religiosos quanto festivos (Alessandro Nascimento, 2016).

De acordo com a comunidade, entendemos também que a mudança da festa não está relacionada ao horário e à duração, mas à construção da própria igreja. O que acontecia dentro das casas se externalizou e reorganizou a

dinâmica da festa que tem a edificação da igreja como composição de seu patrimônio cultural.

O Terço para o Padroeiro começa com os seguintes ritos:

Deus Vós Salve Pai Nosso Ave Maria

Nesta Mesa me ajoelho Salve Rainha

Após esses ritos iniciais tem os cantos: Bendita Divina Estrela do Céu Virgem Santíssima Glória da Virgem Santo Antônio Santa Maria Bendito é Louvado

Existe o ofertório que é realizado no final cantando o Beijamento da Cruz, nesse momento os participantes depositam suas ofertas aos pés do Santo, aspecto que notamos no momento da manifestação, já apresentado anteriormente.

Já o Terço dedicado aos Finados começa com os mesmos ritos para o padroeiro, apenas se diferenciam na forma de canto na oração. Como não é uma ocasião festiva, não se faz o Beijamento da Cruz. Já o Terço da quaresma possui os mesmos ritos iniciais.

No final do terço, conversamos com o senhor Chico Mandira que faz as vezes de Capelão quando seu Arnaldo não pode comparecer, informalmente o Sr.Chico ressaltou a importância da participação do terço e a continuidade da tradição. Conversamos também com a Sra. Maria Rute sobre a imagem de Santo Antônio, indagamos se a imagem passou por alguma restauração. Ela falou que antes “o Santo era mais escurinho mesmo” e o padre, em uma determinada ocasião, não soube precisar a informação, levou para restaurá-lo.

Além das entrevistas também conversamos em muitos momentos informalmente com membros da comunidade, em vários momentos da festa. Verificamos que a festa passou por mudanças, como já pontuamos. Os mais velhos relatam a ocorrência do terço cantado na “boca da noite” e na alvorada como se apresenta no livro. Não havia a quermesse, mas brincadeiras e conversas que ocorriam depois do terço. As pessoas mais antigas relataram que após a parte religiosa ocorria o fandango, porém muitas pessoas bebiam e arrumavam confusão. Assim também há uma preocupação dos mais velhos em relação à permanência da tradição da parte religiosa pelos mais jovens.

Durante a pesquisa de campo, além do livro sobre o Terço Cantado, tivemos acesso, por meio da Associação do quilombo do Mandira, ao DVD:

Terço Cantado e os encantos do Mandira, documentário produzido com o apoio

do PROAC – Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo de 2010. A produção contou com a parceria do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania do Vale do Ribeira (IDESC), Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Associação de Remanescentes de Quilombos da Reserva Extrativista do Mandira.

O material audiovisual originou-se da necessidade de manter viva a memória do quilombo do Mandira. É uma tentativa de guardar e preservar a memória e a história dessa manifestação cultural e religiosa a partir da experiência de seus moradores. O DVD conta a história do quilombo, o cotidiano dos moradores, a vida comunitária, a religiosidade, a luta, a esperança e a convivência com o meio ambiente.

O DVD trata de um documentário de 24 minutos que apresenta a manifestação do Terço Cantado intercalado com a história e as características do quilombo do Mandira. Verificamos na narrativa a forte ligação com a terra e a natureza, tendo a agricultura e a reserva extrativista de ostras e o turismo de base comunitária como principais meios de sobrevivência. Assim como apresenta a cultura quilombola por meio do seu patrimônio edificado como as ruínas da fazenda, a igreja de Santo Antônio, o centro comunitário, o artesanato e a oficina de cultura.

O documentário conta também com os depoimentos de seus representantes e líderes comunitários como Sr. Francisco Mandira, Sr. Nei Mandira, Sr. Arnaldo Mandira e Sras. Saturnina e Irene Mandira como representantes femininas, que contam a história da comunidade enfatizando a Festa de Santo Antônio e sua devoção, principalmente quanto à cura de doenças, o terço cantado enquanto expressão significativa transmitida de geração em geração.

Um dos depoimentos que mais nos chamou a atenção foi o do Sr. Francisco Mandira, ao falar da terra que até então era uma fazenda doada em 1868, onde a tradição do terço começou, e que Antônio, um dos filhos, manteve.

Antônio Mandira foi apresentado pelo Sr. Chico como “advogado dos pobres”, que aprendeu a ler e a escrever sozinho e foi uma das pessoas mais importantes com relação à conquista do primeiro registro do título de terra, na ocasião ameaçada pelo Coronel Cabral. De acordo com o Sr. Chico, Antônio, que era espírita e vidente, atravessou muitas vezes de barco remando para seguir e comparecer às decisões, em que o quilombo do Mandira e o território que ocupam eram objetos de discussão. Antônio que tem o mesmo nome do santo padroeiro da comunidade foi um símbolo de luta e resistência. Com relação ao imaginário, Antônio é a representação do arquétipo do herói. Para Campbell (2007), o herói é o símbolo de alguém que conseguiu vencer suas limitações pessoais, é o mito daqueles que nos precederam e que facilitou de alguma forma a caminhada. “Temos apenas que seguir o fio da trilha do herói (CAMPBELL, 2007, p.31). A luta quilombola do Mandira, a partir das lideranças comunitárias, seguem a trilha do herói Antônio.

Outro aspecto também revelado nos depoimentos foi a luta pelo território e o processo de valorização de sua cultura. O terço cantado e respectivamente a fé em Santo Antônio foram fundamentais para o orgulho mandirense, de acordo

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