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2.1 Nietzsche, comentadores e afiliações

2.2.5 A filosofia moderna

Para os filósofos modernos, preocupados com a constituição do conhecimento, a idéia assume o caráter de representação mental de alguma coisa. O predomínio desse ponto de vista epistemológico foi comum às correntes que concebem o conhecimento como advindo da razão – os racionalistas (Descartes, Spinoza), como também às correntes que concebem a experiência como critério e norma para a verdade – os empiristas (Locke, Berkeley, Hume). Enquanto os primeiros voltaram suas preocupações para o objeto (a coisa representada), os últimos se demoraram em considerações acerca do sujeito conhecedor (MORA, 1985, p. 388).

Em Descartes (1596 – 1650), uma idéia é o objeto interno do pensamento em geral. Nesse sentido, as idéias são “quadros ou “imagens” das coisas (ABBAGNANO, 1998, p. 527). Para Spinoza (1632 – 1677), as idéias são conceitos formados pelo espírito pensante. Para esses racionalistas, ainda que as idéias sejam consideradas como representações, elas são inatas e se encontram, em última instância, radicadas em Deus, estimado como ponto de vista absoluto do qual as coisas são vistas. Quando as motivações teológicas perdem importância, os racionalistas insistem em que as idéias continuam inatas, uma vez que a posse de idéias corresponde à “natureza do homem” (MORA, 1985, p. 388).

Para os empiristas, uma idéia é um produto do trabalho humano e, não, verdade previamente estabelecida, modelo ou exemplo. Seu interesse está em conhecer como se dá a origem das idéias na mente, elaborando teorias do conhecimento como uma espécie de doutrina das idéias, no sentido de doutrina da representação das coisas no espírito (MORA, 1985, p. 389). Em Locke (1632 – 1704), assim como para Descartes, “idéia” indica a função de representar (to stand for) qualquer coisa que seja o objeto do entendimento. [...] As idéias são “apreensões” e os homens têm em sua mente várias idéias como as de dureza, doçura, homem, elefante, bêbado etc. E a maior parte das idéias provêm de uma fonte: as sensações. O conhecimento consiste apenas na “percepção da conexão e acordo, desacordo e repugnância de qualquer de nossas idéias” (MORA, 1985, p. 389). Berkeley (1685 – 1753) diz que os objetos do conhecimento humano consistem em idéias “efetivamente impressas nos sentidos, percebidas, ou ainda formadas mediante a memória e a imaginação”. Em oposição à noção de “idéia”, uma “coisa” denota algo que existe fora do espírito (MORA, 1985, p. 389–390). Para Hume (1711 – 1776), o mais vivo pensamento é ainda inferior à mais embotada das sensações. Enquanto as impressões são percepções fortes, o pensamento e suas idéias são percepções fracas, pois se encontram encerrados dentro de limites estreitos. O material do pensamento deriva da sensação e o poder criador da mente se reduz à simples faculdade de combinar, transpor, aumentar ou diminuir os materiais fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Entendendo por inato o que é original e não a cópia de uma impressão anterior, ele afirma que todas as nossas percepções são inatas e que nenhuma de nossas idéias o é (HUME, 1980, p. 142). Assim, Hume ataca frontalmente a noção de idéias apriorísticas, inatas ao espírito humano.

Para os racionalistas, a razão humana participa, com ou sem o recurso à teologia, do logos universal, existente desde sempre. A realidade é algo dado, determinado por esse logos, e nosso acesso a ela é dado pela idéia. Para os empiristas, nada tendo de antemão, a idéia é um produto do manuseio da realidade. Assim, é algo a posteriori: nada existe antes de ser feito, noção tributária do “verum ipsum factum” de Vico, e precursora das epistemologias construtivistas. Porém, cabe aqui uma crítica ao empirismo: a Locke, que diz que “nada existe no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos”, responde Leibniz, irônico: “a não ser o próprio

intelecto”. Nietzsche aparece nesse cenário como um crítico de ambas as vertentes do raciocínio moderno. Esse ponto é elucidado por Pimenta:

Contra o empirismo clássico, Nietzsche afasta toda a expectativa de uma percepção livre da realidade, estruturada a partir de fatos isentos da interferência daqueles em que esta mesma percepção se produz. Verificações empíricas são repletas de interesses e de pressuposições das mais variadas ordens: teóricas, psicológicas, valorativas etc. Contra o racionalismo clássico, sua postulação é também contundente: um mundo metafísico modelar, ou mesmo uma linguagem paradigmática, capaz de descrever a essência da condição humana, são apenas fruto das mesmas pressuposições aduzidas acima. Não existe um fundo primitivo e originário, que imprime às realizações humanas sua marca, a não ser para aqueles que acreditam nisso. A busca cartesiana de uma mathesis universalis, respaldada pela demonstração de fundamentos absolutos, recobre ficções com ficções. (PIMENTA, 2000, p. 76).

Aqui, qualquer pretensão a solo firme e legitimador das várias concepções acerca do conhecimento, e ainda ansiado tanto por racionalistas quanto por empiristas, torna- se ilusão.

Guardada as ressalvas acima apresentadas, a discussão acerca das naturezas racionalista e empirista da idéia pode ser útil ao alargamento do conhecimento a respeito dos processos criativos arquiteturais. A concepção empirista, considerando idéia como produto do trabalho, desobriga o arquiteto de tomar, como objeto de trabalho, algo (a idéia metafísica) que se situa para além do âmbito de seu trabalho concreto (a produção do projeto) – algo existente antes ou fora da especificidade do fazer arquitetônico. Esse traço, específico ao arquiteto quando visto por lentes empiristas, não existe sob a visada racionalista, uma vez que este compreende a criação como sendo a fabricação de uma coisa (uma edificação, por exemplo) com o material de outra (a idéia, a origem, a essência etc.).

Kant (1724 – 1804) restaura o significado platônico do termo: “idéia” é uma perfeição não real, uma vez que supera a possibilidade da existência. As idéias são conceitos (elementos últimos de todos os pensamentos) racionais dos quais não pode existir nenhum objeto adequado, e dos quais é sempre possível aproximar-se, mas que nunca são alcançados completamente (ABBAGNANO, 1998, p. 526). Para Mora, idéias são sínteses metafísicas efetuadas pela razão (MORA, 1985, p. 391). Em

oposição aos empiristas, Kant diz que as idéias são o fundamento de possibilidade da experiência.

No idealismo pós-romântico, a noção de idéia recupera todo o alcance metafísico e teológico que teve no neoplatonismo tradicional. Para Schelling (1775 – 1854), as idéias são o ponto de encontro e identificação entre a infinitude divina e a finitude do corpo (ABBAGNANO, 1998, p. 526–527). Hegel, por sua vez, defende a idéia absoluta: Deus e a natureza de sua vontade são uma e a mesma coisa – a idéia. A idéia absoluta é a plena e inteira verdade do ser. Aqui pode ser vista, com clareza, a identificação entre ser e idéia.