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A formação como constituinte da construção identitária

1. Serviço Social: Identidade(s) e Projecto Profissional

1.3. A construção identitária do Serviço Social

1.3.4. A formação como constituinte da construção identitária

Depois de uma breve incursão no itinerário de construção identitária do Serviço Social, parece pertinente focar a relação entre socialização e identidade, já que, cada indivíduo interioriza disposições, competências e valores, na medida em que as associa a uma identidade específica, resultante de uma negociação entre papéis atribuídos e intenções próprias (ABRANTES, 2011: 131).

A formação dos assistentes sociais, enquanto processo de socialização secundária, constitui-se como “possibilidade de uma construção identitária como grupo profissional, através de mecanismos de identificação para si e de diferenciação de outros grupos

31 Cf. MTSS (2010: 4736).

32 Cujos Estatutos se encontram publicados no Boletim do Trabalho e Emprego (MEE), n.º 18, 15/5/2013, pp. 62-96. A alteração aos Estatutos, entretanto operada, encontra-se publicada no Boletim do Trabalho e Emprego (MEE), n.º 37, 8/10/2013, pp. 96-99.

37 profissionais” (BRANCO, 2009a: 71). Trata-se, desde logo, de identificar uma área específica

de saberes, enquanto contributo fundamental para a definição de um espaço de jurisdição e de uma identidade próprios da profissão (PAYNE, 2001; AMARO, 2008). Trata-se, também, de

adquirir o referencial ético de base (BRANCO, 2009a: 71); de promover a integração de valores pessoais e profissionais (CHU et al., 2009: 288); de promover a capacidade reflexiva,

bem como, a articulação entre a teoria e a prática (CAMPANINI, 2010: 697). Como refere esta última autora, levanta-se, então, uma questão chave: “how to teach students to face this complexity; how to improve their own consciousness and ability to respond at the social work mission to enhance human rights and social justice; how to help students to acquire a non bureaucratic attitude and to develop a ‘political’ role in the most useful sense of the term?” (CAMPANINI, 2010: 697-698).

Retomando a constatação, expressa logo no início deste trabalho – e traduzida na frase ‘a teoria que se aprende na escola é uma coisa e a prática é outra’, que levou a pensar que, num número considerável de profissionais, parece que a vinculação ao Projecto

Ético-político do Serviço Social se diluiu e foi substituído por lógicas do senso comum –,

como ajudar os estudantes a adquirir e manter essa vinculação, para lá das portas da academia? Como ajudar os profissionais a resistir à erosão do agir quotidiano, em contextos tantas vezes adversos?

Por outro lado, em que medida os valores constituintes da identidade pessoal podem interferir, ou mesmo impedir, a adoção e prática dos valores que estão no núcleo da identidade profissional dos assistentes sociais (OSTEEN, 2011: 425)?

Archer (2001) vai mais longe e postula que o compromisso com uma identidade social (por ex: profissional) não pode existir sem o suporte de valores e crenças correspondentes a nível da identidade pessoal e sugere mesmo que qualquer pessoa com valores pessoais incompatíveis com os do Serviço Social não adoptará a identidade profissional.

De assinalar, que uma parte considerável da trajectória de aprendizagem e um resultado necessário para a profissão de assistente social dizem respeito à compreensão e incorporação dos valores e da ética da profissão, em conjunto com a demonstração adequada desses mesmos valores e ética na prática profissional (OSTEEN, 2011: 425). Na mesma linha, Black, Oles e Moore (1998) argumentam que um dos propósitos da formação em serviço

38 social “é ‘socializar’ os alunos para o sistema de valores da profissão”. Em suma, e reportando-se ao Educational Policy and Accreditation Standards do CSWE, Osteen conclui que, através da formação em serviço social, é pretendido que os estudantes se tornem profissionais que “reconhecem e gerenciam os valores pessoais de forma que permita que os valores profissionais orientem a prática” (2011: 441-442).

Este é, então, um desafio complexo que se coloca no exercício de pensar a profissão de Assistente Social: qual o contributo do itinerário formativo e qual o papel das instituições académicas na construção da identidade profissional?

No que diz respeito à formação em Serviço Social, em Portugal, esta é, presentemente, segundo Francisco Branco, atravessada por dinâmicas de sentido vincadamente distinto: por um lado, o processo de reconhecimento académico, com estatuto universitário e um caminho de paulatina consolidação que percorre as últimas duas décadas e é reforçado com a criação dos primeiros programas de doutoramento; por outro, nomeadamente ao nível da formação inicial (1.º ciclo – licenciatura), um crescimento acentuado da oferta formativa, não sustentado e com riscos quanto à qualidade da formação assegurada por inúmeras instituições sem tradição, know-how e condições estruturais para o cumprimento desta missão (BRANCO, 2009a: 73).

Este autor refere também que se verifica, quer um número ainda limitado de professores doutorados em Serviço Social, quer a existência de cursos que não integram docentes com formação nesta área disciplinar no seu corpo docente. Acrescenta que as propostas formativas

configuram um mosaico com tipificações diversas, quer quanto aos perfis das áreas de formação matriciais e da sua relação com o Serviço Social enquanto área científica predominante, quer quanto aos modelos de formação específica, designadamente formação experiencial, quer ainda quanto à capacitação para a investigação e produção de conhecimento. A diversidade das propostas formativas não parece resultar tanto da afirmação de projetos concorrenciais de formação, em termos da concepção e perfis profissionais, mas de lógicas contingenciais associadas à constituição do mercado do ensino superior e à crise de financiamento do ensino superior público (BRANCO, 2009a: 74).

O campo do ensino em Serviço Social, em Portugal, ao nível do 1.º ciclo, é classificado, por este autor, como “um domínio atravessado por fragilidades e riscos quanto à qualidade da formação assegurada a exigir atenção e regulação básica” (BRANCO, 2009a:

39 73-74). Na mesma linha de preocupação, Alcina Martins afirma mesmo que “a produção em massa de Assistentes Sociais fez-se sem ter existido um processo de regulação e controlo de qualidade da formação” (MARTINS, 2008: 37). Salienta-se que a criação da Ordem

Profissional constituiria um marco importante nesta matéria, já que lhe caberia “a participação nos processos oficiais de acreditação e na avaliação dos cursos que dão acesso à profissão”33.

Da reflexão realizada, resulta um conjunto de questões a retomar oportunamente: como se faz um assistente social? Que valor é atribuído pelos assistentes sociais à formação recebida? Que balanço fazem entre a formação recebida, as competências desenvolvidas e as competências requeridas no exercício profissional? Qual o papel das instituições académicas na construção da identidade profissional, na perspectiva das(os) assistentes sociais ditos ‘de terreno’?

Entendendo a construção da identidade profissional como resultado de um movimento permanente de construção e reconstrução que implica os actores sociais envolvidos, num processo de busca de sentido (FERREIRA, 2002: 65), como se posicionam estes profissionais?