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Processo de construção histórica do Serviço Social, em Portugal: breve

1. Serviço Social: Identidade(s) e Projecto Profissional

1.3. A construção identitária do Serviço Social

1.3.1. Processo de construção histórica do Serviço Social, em Portugal: breve

Datando de 1936 a primeira Escola de Serviço Social, em Portugal21, a construção do

Serviço Social Português, como Alcina Martins (1999) demonstra, apresenta-se, não como

21 Instituto de Serviço Social de Lisboa ao qual se seguiram a Escola Normal Social de Coimbra, em 1937, e o Instituto de Serviço Social do Porto, em 1956 (BRANCO, 2009a: 62).

26 um processo linear, homogéneo, cumulativo e contínuo, mas como um processo complexo, polémico e contraditório, fruto do confronto dos vários projectos para a sociedade e do significado e função social que estes atribuem à profissão. Pode mesmo considerar-se que a identidade do Serviço Social é fortemente marcada por uma certa ambivalência:

Trata-se de uma profissão que ao longo da sua história manifesta um certo compromisso com a emancipação dos seus grupos alvos, um compromisso com valores de democracia, justiça e igualdade social. Mas ao mesmo tempo, tem uma história que se caracteriza por processos de disciplinização, de normalização, de adaptação e de controlo de pessoas ou grupos considerados ‘inadaptados’. (…) E é nesta tensão entre emancipação e normalização, entre integração e transformação que se ‘constrói’ a identidade do Serviço Social (VAN DEN HOVEN, 2002: 96).

Para Clara Cruz Santos, a tensão entre continuidade e ruptura está, e tem estado, desde sempre, na base da identidade e consolidação da profissão de Serviço Social: “continuidade no processo de construção histórica de Serviço Social, com o cunho valorativo das suas raízes históricas e institucionais e ruptura para uma consciência de maior reflexividade do profissional de Serviço Social sobre as suas práticas” (SANTOS, s.a.: 4).

Note-se que, em Portugal, a institucionalização do Serviço Social tem por contexto sociopolítico o Estado Novo, sendo nesse contexto ideológico e cultural que se vai enquadrar a formação e o exercício profissional, na sua primeira fase de institucionalização (BRANCO, 2009a: 62).

Não existindo uma identidade profissional unívoca, importa identificar um conjunto de traços comuns que “agregam, fecham, produzem sentimentos de pertença e autorizam a que se distinga entre os elementos que fazem parte desse conjunto e os que lhe são exteriores” (AMARO, 2009: 29). Esta autora identifica três grandes momentos agregadores na construção identitária do Serviço Social (2009: 30-34). O primeiro é o da institucionalização da profissão e que, “até com um propósito de delimitação do campo, se centra numa postura individualista-reformista da prática e do papel do Assistente Social. A intervenção pauta-se por ser personalista, voltada para a regulação e a adaptação do indivíduo ao meio e, portanto, tem um cunho fortemente conservador” (AM ARO, 2009: 31).

Para caracterizar este primeiro momento, toma por referência a tradição inaugurada por Mary Richmond, em 1917, com o Diagnóstico Social, obra seminal em que se sustenta o que se convencionou chamar de Serviço Social Clássico e que pode ser situado no período

27 compreendido entre a institucionalização da profissão, em inícios do século XX, e as décadas de 60 e 70 do mesmo século. A autora salvaguarda, no entanto, o reconhecimento da presença, desde as suas origens, de uma tensão que estabelece duas direcções diferentes para o Serviço Social: uma mais conservadora e individual, identificada com o Serviço Social

Clássico, e outra mais progressista e comunitária (AMARO, 2009: 31).

A título de exemplo de correntes alternativas, logo nas origens do Serviço Social, refira-se Jane Adams, contemporânea de Mary Richmond, que defendia princípios feministas, de democratização, de respeito à diversidade cultural e de paz (FALEIROS, 2011: 757), tendo sido contemplada com o Prémio Nobel da Paz em 1931. Ou Bertha Reynolds, que, em 1942, se inspirou no marxismo para uma crítica à visão adaptativa do Serviço Social (FALEIROS, 2011: 757).

O segundo grande momento agregador da profissão corresponde ao período que medeia entre os anos sessenta e os anos oitenta do século XX, e é caracterizado por uma renovação do pensamento em Serviço Social que influencia muito activamente a realidade do Serviço Social português. Segundo esta perspectiva, “o Assistente Social deverá ser capaz de equacionar as problemáticas que se lhe colocam em termos micro, meso e macro, não descurando também o âmbito das políticas sociais, da administração social e do planeamento e avaliação” (AMARO, 2009: 31).

Esta nova forma de encarar a intervenção do Assistente Social configura uma ruptura com a visão clássica e segue as propostas avançadas pelos movimentos de reconceptualização do Serviço Social, nomeadamente da América Latina. Essa renovação do pensamento profissional é revigorada com o 25 de Abril de 1974 e com as aberturas que este impulsionou. A autora recorda também como, ainda no período pré-revolucionário, “se criaram condições para o questionamento, afirmação e cientifização do Serviço Social, que tiveram nas escolas de Serviço Social, designadamente no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, o seu ponto nevrálgico, constituindo-se, à época, num dos raros contextos de aproximação às ciências sociais” (AMARO, 2009: 31).

É nesse contexto que começa a registar-se, por parte de alguns segmentos do Serviço Social, uma rejeição da apologia da neutralidade da prática profissional, advogada pelos adeptos do Serviço Social Clássico, e a afirmação de uma dimensão política que atravessa a profissão. É, então, possível identificar, “em coexistência com a hegemónica visão clássica

28 do Serviço Social, práticas alternativas, centradas numa intervenção territorial de cariz comunitário, na linha da promoção e desenvolvimento social, inclusivamente promovidas pela própria intervenção católica” (AMARO, 2009: 32).

O crescimento desta nova visão sobre a profissão estimulou a classe profissional a procurar reconhecimento académico (AMARO, 2009: 31). Recorde-se que só em 20 de

Outubro de 1961, ou seja, vinte cinco anos após a criação da primeira Escola de Serviço Social, a formação ministrada nas três Escolas existentes à data é formalmente considerada superior, por despacho do Ministro da Educação (NEGREIROS, 1999: 14), mas sem grau académico atribuído22 e o reconhecimento do Grau de Licenciatura é concretizado apenas em 1989, com a aprovação do respectivo Plano de Estudos, em cada um dos Institutos23. Na

sequência, foi reconhecido o grau de licenciatura aos diplomados por estes Institutos até ao ano lectivo de 1988-1989, mediante a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) conclusão de um plano de estudos de quatro anos; ii) e possuir habilitação que, ao tempo em que foi obtida, fosse considerada suficiente para o ingresso no ensino superior24.

Este reconhecimento levou ao posterior enquadramento dos profissionais em carreira adequada ao grau académico de licenciatura, pelo menos, ao nível da função pública25.

Finalmente, o terceiro grande momento agregador do corpo profissional é, para a

22 Embora reconhecido o nível superior dos cursos ministrados pelos Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa, do Porto e de Coimbra, e apesar da respetiva duração curricular (4 anos) e do facto de obedecerem aos mesmos requisitos de acesso que o ensino universitário, estes apenas concediam um diploma profissional, já que, de acordo com o quadro legal vigente, só as Universidades tinham competência para a atribuição de graus académicos (NEGREIROS, 1999:17).

23 Ao Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, através da Portaria n.º 793/89, de 8 de Setembro; ao Instituto Superior de Serviço Social do Porto, através da Portaria n.º 796/89, de 9 de Setembro; e, finalmente, ao Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, através da Portaria n.º 15/90, de 9 de Janeiro.

24 Cf. Portaria n.º 370/90, de 12 de Maio. A aplicação desta Portaria suscitou algumas dúvidas, tendo sido revogada e substituída pela Portaria n.º 1144/90, de 20 de Novembro, que mantém os requisitos da anterior e alarga aquele reconhecimento aos diplomados com os cursos de Serviço Social leccionados nos Institutos de Educação e Serviço Social de Angola e de Moçambique. 25 Através do Decreto-Lei n.º 296/91, de 16 de Agosto, que cria a carreira de técnico superior de

serviço social (TSSS) e define as normas de transição dos técnicos de serviço social (TSS) para a nova carreira.

29 autora referida, consubstanciado pela necessidade de afirmação profissional no domínio público e a premência da regulação do exercício e formação profissionais. Este momento, relevante para a discussão e consolidação da identidade profissional, “centra-se na defesa dos atributos específicos à profissão e na delimitação da sua área jurisdicional e julga-se que terá como ponto culminante a criação e reconhecimento da Ordem dos Assistentes Sociais” (AMARO, 2009: 34).

Após uma breve síntese relativa ao processo de construção histórica do Serviço Social, em Portugal, e com vista a prosseguir a análise sobre a sua construção identitária, impõe-se uma pergunta: que papel atribui o Estado, actualmente, a estes profissionais?

1.3.2. Do outro lado do espelho… o Assistente Social na Classificação