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Do outro lado do espelho o Assistente Social na Classificação

1. Serviço Social: Identidade(s) e Projecto Profissional

1.3. A construção identitária do Serviço Social

1.3.2. Do outro lado do espelho o Assistente Social na Classificação

Sem pretensões de alongamento histórico, entendeu-se pertinente recuar a um passado recente e começar esta análise pela Classificação Nacional das Profissões (IEFP, 2001: 103-104)26.

Incluído no Grupo Base 2.4.4.6, especialistas do trabalho social, o Assistente Social, aqui distinguido ao nível de profissão (2.4.4.6.05),

colabora na resolução de problemas de adaptação e readaptação social dos indivíduos, grupos ou comunidades, provocados por causas de ordem social, física ou psicológica, através da mobilização de recursos internos e externos, utilizando o estudo, a interpretação e o diagnóstico em relações profissionais, individualizadas, de grupo ou de comunidade:

procura detectar as necessidades dos indivíduos, grupos e comunidades; estuda com os indivíduos as soluções possíveis do seu problema, tais como a descoberta do equipamento social de que podem dispor, possibilidades de estabelecer contactos com serviços sociais, obras de beneficência e empregadores; colabora na resolução dos seus problemas, fomentando uma decisão responsável; ajuda os indivíduos a utilizar o grupo a que pertencem para o seu próprio desenvolvimento; orienta-os para a realização de uma acção útil à sociedade, pondo em execução programas que correspondam aos seus interesses; auxilia as famílias ou outros grupos a resolverem os seus próprios problemas, tanto quanto possível através dos seus próprios meios e a aproveitar os benefícios que os diferentes serviços lhes

30 oferecem; procura tomar consciência das necessidades gerais de uma comunidade e participa na criação de serviços próprios para as resolver em colaboração com as entidades administrativas que representam os vários grupos, de modo a contribuir para a humanização das estruturas e dos quadros sociais; realiza estudos de carácter social e reúne elementos para estudos interdisciplinares; efectua trabalhos de investigação, em ordem ao aperfeiçoamento dos métodos e técnicas profissionais; aplica processos de actuação, tais como entrevistas, mobilização dos recursos da comunidade, prospecção social, dinamização de potencialidades a nível individual, interpessoal e intergrupal.

Daqui ressalta uma visão do Assistente Social como agente de adaptação, com uma intervenção centrada no sujeito – ainda que nos diferentes níveis: indivíduo, grupo e comunidade – e nos seus problemas e, consequentemente, sem um alcance estrutural nas suas análises e intervenção. Esta perspetiva coloca os assistentes sociais num reduto que se afasta drasticamente da visão preconizada pelos profissionais, pelo menos ao nível das suas instâncias representativas, de escopo muito mais amplo, atribuindo-se um propósito de mudança social, com um compromisso claro com os princípios dos direitos humanos e da justiça social (AMARO, 2009: 35).

Mais recentemente, e destinada a substituir a Classificação Nacional de Profissões de

1994, do IEFP, acima referida, foi aprovada a Classificação Portuguesa das Profissões de 2010 (CPP/2010), elaborada a partir da Classificação Internacional Tipo de Profissões de

2008, pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P. (INE, 2010: 3).

A CPP/2010 é apresentada como sendo destinada essencialmente a fins estatísticos, tendo também “amplo sentido a sua aplicação em outros domínios, nomeadamente, na definição de perfis profissionais, na regulamentação e na acreditação de profissões” (INE, 2010: 12).

É, ainda, referido que “o detalhe e a abrangência da CPP/2010 determinaram o envolvimento de várias entidades externas ao INE na sua concepção, em particular a Administração Pública, Organizações Sindicais e Patronais, detentoras de conhecimentos técnicos ajustados ao estudo das profissões” (INE, 2010: 12).

31 apesar de nela constarem várias Ordens e Associações Profissionais27, é omissa relativamente a qualquer organização representante dos assistentes sociais portugueses. Ora, se no que diz respeito à participação do Sindicato, se pode atribuir tal omissão ao facto de a CPP/2010 ser publicada no ano da extinção voluntária do Sindicato Nacional dos Profissionais de Serviço Social, no que toca à Associação dos Profissionais de Serviço Social, esta encontrava-se em pleno funcionamento.

Ainda no que diz respeito à participação de organizações sindicais, salienta-se que não consta da lista de entidades envolvidas neste processo o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, afiliado na União Geral dos Trabalhadores (UGT), essa sim, constante na referida lista. Esta participação teria sido particularmente relevante se considerado que este sindicato promoveu o I Encontro Nacional de Assistentes Sociais28, em 2003, onde várias centenas de profissionais de Serviço Social se reuniram para debater o Estatuto da Carreira Legal dos

Assistentes Sociais e onde foi apresentada uma proposta de Estatuto Legal da Carreira dos Assistentes Sociais e respectivo conteúdo profissional, consentâneos com os referenciais

genéricos do Serviço Social, atrás descritos.

Com a CPP/2010, os assistentes sociais mantêm-se incluídos no Grupo Base

Especialista do trabalho social (2635) que, desta vez, não é desagregado em profissões. Este Grupo Base inclui, nomeadamente, “assistente social, conselheiro familiar, matrimonial e

para crianças e jovens e responsável de reinserção”.

As tarefas e funções deste Grupo Base consistem, particularmente, em:

− Entrevistar indivíduos, famílias ou grupos para avaliar situações e problemas e determinar os serviços necessários;

− Analisar situação dos indivíduos e apresentar alternativas para solução dos problemas; − Compilar registos de processos, de relatórios de tribunal ou de outros actos legais;

27 Associações Profissionais consultadas, cf. lista anexa à CPP: Associação Portuguesa dos Designers, Associação Portuguesa de Geógrafos, Associação Portuguesa de Psicopedagogos, Associação Portuguesa de Peritos Contabilistas, Associação Portuguesa de Disc Jokey e Associação de Profissionais de Informática (INE, 2010: 477-479).

28 A 7 de Fevereiro, no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, cf.

32 − Proporcionar aconselhamento, terapia, serviços de mediação e sessões de grupo para que o indivíduo desenvolva competências para resolver e lidar com os seus problemas sociais e pessoais;

− Planear e implementar programas de intervenção para auxílio de clientes e consultar serviços que fornecem assistência financeira, ajuda legal, alojamento, tratamento médico e outros serviços;

− Investigar casos de abuso ou negligência e levar a cabo acções que protejam crianças, jovens ou outras pessoas em risco;

− Trabalhar com “infractores” durante o processo e após a sentença para ajudar a sua integração na comunidade e mudar de atitudes e comportamento;

− Aconselhar directores das prisões sobre as condições em que um “infractor” deve ser preso, libertado da prisão ou ser objecto de medidas de correcção alternativas;

− Actuar como advogado na solução dos problemas que afectam grupos de pessoas na comunidade;

− Desenvolver programas de prevenção e intervenção ajustados às necessidades da comunidade (INE, 2010: 179).

Deste perfil, sobressai uma visão centrada na adaptação do sujeito, nos seus

problemas e em funções de controle, nomeadamente de infractores. Releva-se, em

particular:

− o desaparecimento das componentes “estudo, interpretação e diagnóstico” e “investigação”, ainda que limitada “ao aperfeiçoamento dos métodos e técnicas profissionais”, constantes na CNP;

− a supremacia da visão do trabalho para as pessoas em substituição da visão do trabalho com as pessoas;

− a importância atribuída a tarefas de natureza administrativa, como compilar

registos, que agora aparecem explicitadas, dando-lhe relevo de finalidade;

− a componente advocacia parece circunscrita à case advocacy (MCNUTT, 2011). Em suma, com a CPP/2010, os assistentes sociais vêem o seu campo profissional amalgamado com o de outros interventores sociais, e, em vez da nova definição de funções apontar para uma maior autonomia e responsabilização dos agentes, isto é, para a criação de

33 espaços de “afirmação do profissionalismo” (RODRIGUES, 2006: 273), consentânea com o

esforço desenvolvido no plano da qualificação académica, vêem desvalorizadas as suas capacidades e competências, o que se afigura como um processo de “desprofissionalização”. Com isto, estes profissionais parecem conduzidos a um reduto em que o seu papel se aparenta limitar-se àquilo que Paulo Netto classificou como executores terminais de

políticas sociais (1992).

Considerando o papel fulcral das associações profissionais no processo de profissionalização (REGO, 2004: 222), é sobre elas que versa o próximo ponto.