• Nenhum resultado encontrado

5 FORMAÇÃO CONTINUADA: O QUE NARRAM AS PROFESSORAS SOBRE

5.3 OUTROS PROCESSOS FORMATIVOS: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

5.3.1 A formação entre pares: dialogando sobre a formação

Iniciamos a abordagem da narrativa das professoras, apresentando o diálogo que se desenrolou quando a temática de outros processos formativos foi suscitada na roda de conversa. Ao serem indagadas sobre outros caminhos de aprendizagem, a professora Rosangela inicia o diálogo14 que apresentamos a seguir com uma narrativa

bastante emocionada, na qual denuncia a relação de desigualdade vivenciada nas escolas públicas entre profissionais efetivos e contratados.

Rosangela - Eu acho que eu sou a melhor pessoa para falar de como a gente

aprende. Porque a gente que é DT15 acaba passando por várias escolas e,

querendo ou não, existe uma distinção. Eu não sei se isso é normal ou anormal, mas existe uma distinção entre DT e efetivo. Alguns acabam achando que a maneira que fazem é a certa e que o DT está fazendo aquilo para se mostrar, sabe?! E, esse ano, Deus me jogou de paraquedas aqui e aqui eu não vejo essa distinção, eu não vejo essa diferença, não tem esse negócio de DT e efetivo. Pelo contrário, eu vejo da parte das meninas um incentivo, uma vontade que a gente aprenda, uma vontade muito grande de ensinar e de aprender também, porque, querendo ou não, a gente aprendendo e isso vai refletir aonde? Vai refletir nas crianças, né, lá dentro

14 Na abordagem das narrativas reproduzindo o diálogo elaborado pelos sujeitos nas Roda de Conversa, optamos por apresentar os “nomes” dos sujeitos no início dos enunciados a fim de evidenciar o movimento dialógico e facilitar a leitura.

da sala de aula. [...] Aqui elas te dão um suporte, uma base muito grande e te dão liberdade para falar “Olha eu não sei, você me ensina?” “Olha eu não sei, você me ajuda?” Eu vejo muito isso, uma trabalhando junto com a outra(P, 2017).

Lourdes - É o caminhar junto. É o que eu sempre falo com a [cita a diretora]

me sinto tão bem aqui, porque todo mundo caminha junto, todo mundo troca ideia, todo mundo quer ver o outro caminhando junto, sendo feliz, encontrando o seu eixo. Porque em alguns lugares, infelizmente, é cada um para si e vamos caminhando. Porque a gente sabe que o dia a dia do professor é muito corrido, a gente junta muitas funções pra nós, como pessoa. E quando a gente chega num lugar e consegue dividir o seu fardo é muito bom, é muito prazeroso (P, 2017).

Alcione- Quando você tem alguém pra dividir as coisas é muito bom. A Rosi

embarca nas minhas doideiras do mesmo jeito que eu embarco nas doideiras dela. A gente divide até as loucuras, a gente acaba aprendendo com as loucuras e os erros umas das outras (P, 2017).

Aparecida - Eu venho do fundamental, nunca trabalhei com a Educação

Infantil, minha primeira experiência está sendo agora. Cheguei no finalzinho do ano e todo mundo tentando me ajudar pra me situar e eu tenho aprendido muito. Eu não tinha tido a experiência de ter uma criança com necessidades específicas na sala, eu tenho aprendido demais aqui. Apesar do pouquinho

tempo que eu estou aqui, mas as meninas se dispõem a estar junto e sem diminuir a gente por estar chegando agora. Ajudam sem está diminuindo a gente, fazendo a gente se sentir inferior, isso não tem(P, 2017).

Alcione - Porque querendo ou não, a gente tem sempre que pensar na

criança. Hoje o aluno é seu, mas amanhã ele pode ser meu. A gente não sabe o que vai acontecer no ano que vem [...] então o aluno é da escola. A partir do momento que a gente troca experiência, a gente conhece os meninos de todas as salas, a gente conhece a realidade de todas as salas porque a gente ouve, a gente que está aqui há mais tempo troca ideia, a gente chora pitangas, a gente troca pitangas [risos] (P, 2017).

Aparecida - Eu acho que isso é tão particular do grupo, é tão aflorado que

até a [cita o nome da professora licenciada], que não está aqui na escola, se dispôs a me ajudar. Ela falou “Olha, se você precisar de alguma coisa me fala”. Ela não está aqui, está numa situação que não podia dar assistência, mas, mesmo assim, se dispôs a ajudar, é uma coisa do grupo (P, 2017).

Alcione - A gente vai trocando muita coisa e criou uma coisa que acaba

sendo da gente mesmo, de você querer se ajudar, de querer trocar (P, 2017).

Rosangela- A formação também acontece no grupo de WhatsApp. A gente

está sempre trocando sobre alguma formação “Olha saiu um curso sobre isso, vai ter uma formação sobre aquilo, matéria de não sei o quê” [risos] (P, 2017).

Lourdes- Temos que usar a tecnologia a nosso favor, né?! (P, 2017). Alcione - Eu posto tudo que encontro de interessante, mudanças da

legislação, a gente vai trocando... o processo formativo não é só na formação oficial. A gente também se forma enquanto grupo (P, 2017).

Ainda que longo, optamos pela apresentação do diálogo completo a respeito desta temática, em função do movimento de análise que percebemos das próprias professoras que, a partir da primeira narrativa, acrescentaram suas narrativas,

abordando a temática do seu ponto de vista, sem se afastarem do tema e nem se esquivarem da discussão proposta pela professora. A riqueza contida neste diálogo é reveladora da vida que pulsa dentro de uma instituição de Educação Infantil, entre um grupo de professoras que, pelos indícios, tem no diálogo um ponto de apoio.

A narrativa de denúncia da professora Rosangela suscita reverberações nas próximas narrativas. A afirmação nos parece reiterada pela professora Lourdes, quando assinala certos individualismos vivenciados nas instituições, e pela professora Aparecida, uma vez que compartilha seu reconhecimento às colegas, pelo apoio às suas dificuldades, por ser iniciante na Educação Infantil, um apoio que não a “diminui”, que não a faz “sentir-se inferior”.

As maiores dificuldades impostas ao desenvolvimento profissional vivenciadas pelo professor iniciante da Educação Infantil residem na complexidade das condições e transições de trabalho (ZUCOLOTTO, 2014). Assim, as constantes mudanças de instituição, presentes nestas e em outras narrativas que virão, o tratamento diferenciado, que em geral parece não validar suas práticas, tampouco oferecer o suporte necessário, estão presentes nas narrativas das professoras iniciantes. Tanto a instituição quanto as colegas de trabalho mais experientes habitam a fala das professoras iniciantes como parceiras de formação, com enunciados carregados de admiração e reconhecimento, corroborando a afirmativa de que o aprendizado da docência na Educação Infantil ocorre por meio do desenvolvimento de parcerias com professoras mais experientes (ZUCOLOTTO, 2014).

As parcerias constituem outro ponto recorrente nas narrativas das professoras, com enunciados como: “uma trabalhando junto com a outra”, “é o caminhar junto”, “quando você tem alguém pra dividir as coisas é muito bom”, “as meninas se dispõem a estar junto” e “a gente, que está aqui há mais tempo, troca ideia”, que permeiam as narrativas de professoras efetivas e contratadas, professoras experientes e iniciantes, consolidando a assertiva de que “é na escola e no diálogo com os outros professores

que se aprende a profissão” (NÓVOA, 2009, p. 30).

As narrativas também apresentam considerações acerca das motivações para o estabelecimento dessas parcerias. Observa-se no grupo um bom relacionamento, por motivos de ordem profissional, ligados ao desenvolvimento pedagógico e relacionados a uma responsabilidade compartilhada com as crianças e com a instituição. Um

trabalho coletivo que acolhe com responsabilidade, até porque, em função da experiência, conhece as possíveis ressonâncias de sua atuação e da atuação de seus colegas de trabalho.

As professoras demonstram um entendimento de que a instituição é constituída por elas, o que reverbera num modo coletivo e participativo de agir. Este entendimento evidenciado pelo grupo é logo reconhecido por aqueles que chegam, como observamos na narrativa da professora Aparecida, quando diz: “Eu acho que isso é tão particular do grupo”, e confirmado pela professora Alcione, já experiente no grupo: “A gente vai trocando muita coisa e criou uma coisa que acaba sendo da gente mesmo, de você querer se ajudar, de querer trocar”. O diálogo em torno desta temática termina com uma importante conclusão da professora Alcione: “A gente também se forma enquanto grupo”. Desse modo, na retomada de nossos indicadores, a troca entre os pares desponta como importante estratégia formativa num reconhecimento do outro na constituição do sujeito (SILVEIRA, 2014), como caminho para constituição do coletivo institucional (GONÇALVES, 2012). Assim, os enunciados indicam a instituição escolar como lócus privilegiado de aprendizagem contínua, por meio da partilha de experiências com suas colegas. Uma partilha que os professores destacam como fundamental para seu desenvolvimento profissional, mas que, ainda assim, assinalam não ser uma prática comum em outras unidades escolares em que já atuaram.

Seguimos, agora, para o próximo subtópico em que apresentaremos as narrativas das formadoras acerca de seus processos formativos.