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A Formação Inicial e seu estado do conhecimento

No documento carlapatriciaquintanilhacorrea (páginas 53-57)

3.1 Contextualizando a Formação Docente no Brasil

3.1.1 A Formação Inicial e seu estado do conhecimento

De acordo com a Resolução CNE/CP n°2/2015, que estabeleceu as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de Licenciatura, de formação pedagógica para graduados e de segunda Licenciatura), e para a formação continuada, “a formação inicial para o exercício da docência e da gestão na educação básica implica a formação em nível superior adequada à área de conhecimento e às etapas de

atuação” (BRASIL, 2015, art. 9º, § 2º). Dessa formação, é esperado “elevado padrão acadêmico, científico e tecnológico e cultural” (BRASIL, 2015, art. 9º, § 3º), sendo destinada

[...] àqueles que pretendem exercer o magistério da educação básica em suas etapas e modalidades de educação e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, compreendendo a articulação entre estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino (BRASIL, 2015, art. 10).

Sobre a construção conceitual da formação inicial, Marcelo (1999) sustenta cinco orientações conceituais: orientação acadêmica, tecnológica, personalista, prática e social- reconstrucionista. De forma breve, passamos a indicar as características principais de cada uma delas. A orientação acadêmica predomina em relação às demais, enfatizando o papel de especialista conferido ao professor e o domínio do conteúdo em uma ou mais áreas disciplinares.

Para Marcelo (1999),

A formação de professores consiste, portanto, no processo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais de modo a dotar os professores de uma formação especializada, centrada principalmente no domínio dos conceitos e estrutura disciplinar da matéria em que é especialista (MARCELO, 1999, p. 33).

A orientação tecnológica enfatiza o conhecimento e as destrezas imprescindíveis à atividade de ensinar, assumindo uma perspectiva processo-produto. Com base em Pérez- Gomez, Marcelo (1999) aponta para a visão do professor como um técnico que domina o conhecimento científico sempre produzido por outrem e fixado em regras de ação.

A orientação personalista está baseada nas contribuições da psicologia da percepção, do humanismo e da fenomenologia. O foco principal dessa orientação, segundo Marcelo (1999), é a pessoa com seus limites e potencialidades. A atividade de ensino não é vista como apenas técnica, mas dependente do caráter pessoal do ensino, uma vez que cada professor desenvolve suas estratégias quanto ao fenômeno educativo. A formação inicial, dessa forma, necessita proporcionar aos futuros professores a capacidade de demonstrar maturidade para assumir a docência, atentando aos seus alunos como indivíduos únicos que são.

Para Marcelo (1999), a orientação prática também constitui uma orientação bem aceita na formação de professores. Nessa orientação, a ênfase recai sobre a experiência como fonte de conhecimento sobre o ensino e sobre o aprender a ensinar. Este último é entendido como

[...] um processo que se inicia através da observação de mestres considerados “bons professores”, durante um período de tempo prolongado. Isso significa trabalhar com um mestre durante um determinado período de tempo ao longo do qual o aprendiz adquire as competências práticas e aprende a funcionar em situações reais (MARCELO, 1999, p. 39).

A orientação social-reconstrucionista, de acordo com Marcelo (1999), enfatiza a reflexão do professor como um compromisso social e ético, visando a práticas educativas e sociais mais justas e democráticas, indo além da técnica e da prática. Nessa orientação, o professor é visto como ativista político, sendo um sujeito comprometido com seu tempo, e a formação de professores deve estar voltada ao desenvolvimento da capacidade de análise dos processos sociais subjacentes ao processo ensino-aprendizagem.

Entendemos que a adoção de uma dessas orientações concorrerá para a formação inicial de professores mais ou menos identificada com a elevação da qualidade do profissional professor e a consequente melhoria da educação escolar oferecida à população. Contudo, é mister frisar que outros importantes fatores também estão envolvidos nesse processo, como a adoção de uma política nacional de formação inicial, os cuidados com os professores iniciantes, a elevação dos salários e das condições de trabalho para garantir a atratividade da carreira docente, a inclusão dos profissionais da educação nas discussões sobre os rumos da educação brasileira, dentre outros (GATTI et al., 2009; MARCELO, 2010; ROMANOWSKI; MARTINS, 2013).

Especificamente sobre a formação inicial de professores, vários estudos abordam o contexto brasileiro24. Dentre eles, destacamos o de Gatti (2014), que realizou uma síntese do estado do conhecimento referente à formação inicial, a partir da análise de variados estudos, chegando a algumas constatações, como a improvisação de professores em várias áreas do conhecimento por falta de licenciados na disciplina ou licenciandos em curso. Especialmente as disciplinas de Matemática, Física e Química não têm conseguido atrair licenciandos ou mantê-los em seus cursos. Isso faz com que muitos professores sejam improvisados em área diferente da sua formação pela falta de licenciados para atuarem. Nesse sentido, são necessárias políticas de valorização das Licenciaturas, como o PIBID, por exemplo, contribuindo para a elevação da atratividade da carreira docente.

Destacamos também a constatação de Gatti (2014) quanto à fragmentação das estruturas curriculares das Licenciaturas, contrariando a necessidade de uma identidade própria da organização institucional, que conceba as práticas ao longo de todo o percurso de formação, sempre articuladas aos fundamentos e aos conhecimentos específicos da área. O

que se encontra nos cursos é uma clara diferenciação dos conhecimentos específicos em detrimento dos conhecimentos pedagógicos, relegados como um adendo à formação. Ainda que os projetos curriculares dos cursos explicitem o objetivo de articular teorias e práticas, isso não se concretiza na realidade. A superficialidade excessiva em se tratando das complexas temáticas educacionais resulta na fragilidade formativa.

Há um grande descompasso entre os projetos pedagógicos desses cursos e a estrutura curricular realmente oferecida. Nestas, constata-se claramente a ausência de integração formativa na direção de um perfil profissional de professor para atuar na educação básica. Então, o que se oferece nesses cursos é apenas um verniz superficial de formação pedagógica e de seus fundamentos que não pode ser considerado realmente uma formação de profissionais para atuar em escolas atualmente (GATTI, 2014, p. 39).

Outra constatação preocupante dessa síntese do estado do conhecimento na área da formação inicial de professores realizada por Gatti (2014) diz respeito à questão do estágio curricular. Momento especial na articulação da teoria com a prática, o estágio enfrenta dificuldades desde sua concepção, na falta de planejamento de propósitos e ações, até sua operacionalização, na ausência de condições para que os docentes da escola e da Licenciatura possam acompanhar de fato a ação dos estagiários. Nesses termos, a revisão das propostas de estágio se mostra imperiosa para que a formação inicial seja ressignificada.

Ressaltamos ainda as características socioeducacionais e culturais dos licenciandos como importante fator de análise levantado por Gatti (2014), visando a uma melhor formação e permanência desses alunos no curso. Os estudantes que adentram os cursos de Licenciatura são provenientes de uma trajetória escolar dificultosa e, por isso, sua base de conhecimentos se mostra fragilizada. Ao se deparar com esse tipo de alunado, os professores da Licenciatura e as próprias instituições precisam repensar suas propostas diante da seriedade da questão. Para atuar na educação básica, são necessários sólidos conhecimentos disciplinares e pedagógicos, que assegurem o direito de aprender dos alunos. Esse compromisso com a qualidade da educação nacional passa pela discussão e implementação de modificações curriculares que auxiliem os licenciandos a ampliarem seu background como parte necessária do processo formativo.

Por fim, apresentamos o aspecto levantado por Gatti (2014) que mais contribui para a nossa pesquisa: o pouco preparo dos docentes dos cursos de Licenciatura para atuar na formação de professores. Muitos professores que atuam nesses cursos não possuem formação didática, enquanto sua formação disciplinar e em pesquisa são satisfatórias, o que intervém no valor atribuído à docência e na compreensão de que há saberes necessários para conduzir o

processo de aprendizagem dos licenciandos. Como muitos professores que atuam em cursos de Licenciatura vêm do Bacharelado, sem ter tido acesso à reflexão sobre questões educacionais, os cursos de mestrado seriam os responsáveis pela formação de “mestres” voltados ao ensino superior. Contudo, isso não se concretizou, pois os mestrados voltaram-se à formação do pesquisador. Mesmo os docentes provenientes de áreas educacionais por vezes não demonstram ter proximidade com a realidade das salas de aula nas escolas da atualidade, o que leva os licenciandos a atribuírem aos seus formadores certo despreparo para lidar com a realidade do cotidiano escolar. Portanto, uma política voltada à formação inicial de professores não pode prescindir de ações voltadas aos formadores que atuam nos cursos de Licenciatura. Diante desse quadro, a questão da formação continuada merece ser considerada; portanto, são apresentadas, a seguir, breves contribuições sobre o tema.

No documento carlapatriciaquintanilhacorrea (páginas 53-57)