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A Natureza da Relação entre os Formadores

No documento carlapatriciaquintanilhacorrea (páginas 184-187)

7.1 Trajetória Formativa e Concepções de Formação Docente

7.1.2 A Natureza da Relação entre os Formadores

Outra questão importante diz respeito à natureza da relação entre os coordenadores e as supervisoras participantes do estudo. Retomando as contribuições do Professor Hélder Eterno da Silveira, vimos que o pilar de sustentação do PIBID é justamente uma relação dialógica, baseada na reflexão conjunta, entre supervisores, bolsistas e coordenadores. Pensar a ação docente a partir dessas três realidades constitui a riqueza do programa. Entretanto, alguns dados apresentados no capítulo anterior nos chamaram atenção. Perguntadas sobre possíveis dificuldades ligadas à sua atuação no PIBID, 9 supervisoras indicaram não ter uma relação dificultosa com o coordenador e todas elas – 10 supervisoras – indicaram nunca enfrentarem problema que possa ser relacionado com a formação do coordenador. Essa avaliação muito positiva das supervisoras em relação aos coordenadores pode ser proveniente de uma relação vertical entre eles, na qual os coordenadores estariam em uma posição hierárquica diferenciada das supervisoras. Lembramos que cabe ao coordenador de área, selecionar, acompanhar e avaliar supervisores e bolsistas de iniciação à docência, podendo inclusive substituí-los, se for o caso.

Para refletir sobre a existência de uma possível relação de hierarquia entre esses sujeitos, recorremos a alguns conceitos de Pierre Bourdieu (Capítulo 2). A problemática da hierarquia está relacionada ao conceito de lugar, que está ligado à localização ou posição para os agentes sociais no espaço social, entendido como campos115. Esses campos são espaços de disputa, de conflitos, de busca pelo controle.

115 “[...] conjunto de microcosmos sociais dotados de autonomia relativa, com lógicas e possibilidades próprias, específicas, com interesses e disputas irredutíveis ao funcionamento de outros campos” (CATANI, 2011, p. 192).

Não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma (mais ou menos) deformada e, sobretudo, dissimulada pelo efeito de naturalização que a inscrição durável das realidades sociais no mundo natural acarreta (BOURDIEU, 2008, p. 160).

O movimento das estruturas sociais ligadas a certas estruturas espaciais está naturalizado para a maioria das pessoas, que internalizam estruturas mentais condizentes com as distâncias sociais preconizadas pelas hierarquizações de diversas formas. Ocupar fisicamente certo habitat, para Bourdieu (2008, p. 165), não é o mesmo que habitá-lo de fato, a menos que o indivíduo possua os hábitos exigidos pelo habitat. Em outras palavras, o indivíduo é aquele que tem um habitus116 característico de um determinado campo, entendido como costumes sociais ali compartilhados. Uma vez não estando de posse dos hábitos característicos e exigidos por um determinado habitat, o indivíduo experimentará um desgastante e incômodo sentimento de inadequação. “Sob pena de se sentirem deslocados, os que penetram em um espaço devem cumprir as condições que ele exige tacitamente de seus ocupantes” (BOURDIEU, 2008, p. 165).

Relacionando esses conceitos de Bourdieu (2008) à dimensão docente, Penna (2008) afirma:

Ser professor implica ocupar determinada posição no espaço social e essa posição se expressa e, ao mesmo tempo, constitui determinado habitus relacionado a esse exercício, constituindo disposições para a ação expressas em tomadas de posição e julgamentos, além de favorecer o estabelecimento de práticas que, ao serem analisados, permitem capturar o habitus em alguns de seus aspectos (PENNA, 2008, p. 559).

Considerando o nosso estudo, podemos pensar que, mesmo em se tratando da mesma dimensão docente, o lugar da IES é um, e o lugar da escola é outro. Existe uma valorização da primeira, se comparada com a segunda, valorização esta entendida em vários âmbitos como status social, salarial, condições de trabalho, oportunidades formativas, reconhecimento quanto ao saber veiculado, dentre outros. É certo que as instituições formadoras estão desprestigiadas, mas é inegável que, mesmo em contexto educacional desfavorável como o atual, a escola ainda se encontra mais em desvantagem do que a IES.

Nesse sentido, consideramos que o estudo de Ustra e Gelamo (2014, p. 9) oferece um exemplo do lugar diferenciado da IES e da escola no âmbito do PIBID. Não discordando do potencial formativo do programa, os autores chamam atenção para a centralização das decisões no âmbito da universidade, em detrimento das contribuições do professor da escola.

Ao analisarem os trabalhos sobre PIBID em dois eventos representativos da área de Física, concluem que “o PIBID é um programa de formação docente desenvolvido pelas universidades como algo produzido apenas neste espaço, dogmático, constituindo, portanto, um trânsito de conhecimentos de mão única”, uma vez que não há valorização do trabalho do supervisor nos trabalhos por eles analisados. A relação entre coordenadores de área e supervisores seria vertical, prevalecendo os conhecimentos veiculados pela IES.

Tardif (2008, p. 35) problematiza que a universidade tem sido reconhecida socialmente como o lugar da pesquisa, do ensino, da produção de conhecimentos e de formação a partir desses conhecimentos. Nas escolas, o professor seria aquele com competência técnica e pedagógica para apenas transmitir os saberes elaborados por outrem. Assim, “[...] o corpo docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos cada vez mais distintos, destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção dos saberes sem nenhuma relação entre si”. Essas considerações podem nos ajudar a entender que historicamente o lugar da universidade tem sido um, e da escola, outro.

O modelo da racionalidade técnica, ao dissociar teoria e prática, também pode ser mencionado para entendermos a problemática do lugar na relação entre os formadores. Associada à teoria, a IES é valorizada como o lugar do conhecimento, enquanto a escola é reconhecida como o lugar da aplicação desse conhecimento na prática e, por isso, tende a ser menos valorizada.

Diante dessa problemática, recorremos também às contribuições do realismo crítico, buscando o que não está dito, o que pode estar velado na relação estabelecida entre coordenadores e supervisores no PIBID. Nesse movimento, cruzamos os dados relativos à avaliação das supervisoras sobre os coordenadores com a indicação das próprias supervisoras sobre a rotina semanal no PIBID. Conforme apresentado no capítulo anterior, segundo as supervisoras, a rotina de trabalho semanal não conta com a participação dos coordenadores, mas o planejamento é realizado entre elas e os bolsistas (60%), no contexto da nossa pesquisa. Esse dado se mostra intrigante, pois, ao compartilharem suas experiências sobre o programa, mencionaram que o trabalho é realizado na parceria com a IES (4 menções). A ausência do coordenador na prática do planejamento semanal das ações do programa pode indicar indícios de que a concepção de formação dos formadores não esteja pautada na docência compartilhada, ou seja, na valorização da presença dos participantes na construção conjunta dos rumos das atividades do programa.

A partir dessas considerações, a indicação das supervisoras de ausência de problemas com a formação do coordenador pode ser compreendida por meio de uma relação de

hierarquia entre eles ou de uma concepção de formação que não está pautada no modelo da racionalidade crítica, ou ainda, de ambos os fatores conjugados. Tendo conhecido alguns aspectos da relação entre os formadores, a seguir, abordamos o processo formativo que eles desenvolvem junto aos bolsistas.

No documento carlapatriciaquintanilhacorrea (páginas 184-187)